Já tomamos banho e fazemos a maionese sem talhar, provando assim aos antigos que eles estavam errados. Mas não é preciso recuar muitos anos, em Portugal, para nos lembrarmos de quando estes pensamentos medievos acerca do período eram a regra.
Ao mesmo tempo que se tornou evidente que a menstruação não precisa de ser um impedimento para a vida normal das mulheres, também sabemos que naqueles quatro a cinco dias de hemorragia há uma perceção de que a sensibilidade está à flor da pele ou que é mais difícil manter a concentração, mesmo em mulheres sem uma condição clínica associada ao período.
Afinal, o corpo e a mente mudam durante o ciclo menstrual? Que papel têm as hormonas na boa ou na má-disposição das mulheres?
O que temos de saber sobre menstruação
Sinais a ter em atenção
Uma coisa é um episódio de mal-estar. Outra é ter todos os meses sintomas que a incapacitam, que a fazem mudar a sua rotina – nesse caso não pode ignorar os sinais e deve recorrer a ajuda médica.
• Se tem dores, tem de ir ao médico: as dores menstruais podem ser sinal de endometriose, uma doença que origina muitas vezes infertilidade;
• Ter a menstruação por um período alargado (oito dias ou mais) é considerado hipermenorreia, um sintoma de várias doenças do aparelho reprodutor;
• Também um corrimento acastanhado que ocorra depois de o período terminar deve levá-la ao médico;
• A alteração da duração do ciclo menstrual pode ser ainda um indício de doenças como – síndrome dos ovários policísticos, doenças na tiroide, pólipos endometriais ou miomas. Na dúvida, consulte sempre um médico especialista.
Cérebro ativo
Brigitte Leeners, professora da escola de Medicina da Hanover, na Alemanha, e do Hospital Universitário de Zurique, na Suíça, conduziu recentemente um estudo para detetar alterações a três critérios de capacidade cognitiva durante a menstruação. Tudo porque se assume frequentemente que as mulheres que estão com o período não trabalham na sua capacidade mental máxima.
Foram observadas 48 mulheres, durante dois ciclos menstruais, e em nenhuma se descobriu uma relação direta entre os níveis hormonais e a diminuição da memória, da objetividade ou da capacidade de prestar atenção. Em algumas, as hormonas tiveram um impacto aparente nesses critérios numa das vezes que foram vistas, mas não nas seguintes, o que leva a equipa a afirmar que não há evidência científica da relação causa-efeito entre a diminuição das substâncias secretadas pelo organismo e comportamentos laborais menos adequados.
Brigitte Leeners avança que “as alterações hormonais relacionadas com o ciclo menstrual não mostram nenhuma associação com o desempenho cognitivo”, ressalvando que possam talvez existir exceções individuais.
A cada mulher o seu sintoma
Será a diversidade de sintomas entre as mulheres sem problemas clínicos o maior entrave à perceção de que o período pode ser um problema? Até porque pode não ser, isto é, há mulheres a quem a menstruação surge sem nenhum sintoma associado.
Há mulheres a quem a má disposição aparece pontualmente, não marcando presença em todas as menstruações (como a tenista britânica Heather Watson), há quem tenha sofrido na adolescência e perdido as dores na idade adulta, há mulheres que, depois de anos sem sintomas, passaram a registar náuseas ou tonturas durante o período.
Como reconhecia Brigitte Leeners, mesmo quando o seu primeiro estudo apontava para a ausência de relação entre o período e a diminuição das capacidades intelectuais das mulheres, é preciso investigar mais para ter uma imagem completa do que a menstruação faz ao cérebro… e ao corpo, acrescentamos nós.
Temos desculpa para não treinar?
Ainda mais a norte, na Universidade de Umeå, Suécia, a investigação debruçou-se sobre a menstruação e o treino. “A forma como o ciclo menstrual pode afetar a prática desportiva é, em geral, uma área de investigação inexplorada”, diz Lisbeth Wikström-Frisén, do Departamento de Saúde Pública e de Reabilitação. E refere ainda que, na sua maioria, os estudos de desporto (assim como os de medicina) têm como amostra indivíduos do sexo masculino.
De uma forma muito prática, Wikström-Frisén queria explorar “como é que as mulheres podem otimizar os seus treinos, baseadas no ciclo hormonal”.
A investigadora descobriu que, nas duas primeiras semanas do ciclo menstrual, o exercício físico é mais eficaz para ganhar massa muscular, força e energia do que nas duas últimas semanas. Para chegar a estes resultados, pôs em confronto metade das mulheres da amostra a fazerem treino intensivo de pernas durante as primeiras duas semanas do ciclo com a outra metade que treinava nos últimos 14 dias.
O que podemos fazer?
“Uma vez que a menstruação é uma parte central na vida de todas as mulheres e dos seus treinos, temos de nos tornar melhores a otimizar os exercícios”, diz a investigadora, que espera continuar a fazer pesquisa no cruzamento do período com o desporto e aplicá-la na alta competição.
O estudo Training and Hormones in Physically active Women, que Wikström-Frisén concluiu em 2016, teve uma consequência indireta: o contributo para desfazer a crença de que período e desporto não se devem juntar. Na milenar ioga, por exemplo, são muitas as variantes que remetem as mulheres para um descanso da prática durante os três dias de maior sangramento.
Outras, embora admitam a prática, especificam que posturas estão proibidas e as inversões (pinos, etc.) não devem fazer parte dos exercícios dos dias com menstruação por irem no sentido inverso ao do fluxo energético que sai com o período. Será que estas restrições não passam de uma questão cultural?
Falta de energia?
É mais falta de estrogénio. Tomemos como exemplo a norma e, por isso, um ciclo menstrual de 28 dias. os especialistas dizem que, do ponto de vista hormonal, o ciclo se divide em duas partes: os primeiros 14 dias, a contar do início da menstruação, são o tempo em que o corpo vai do ponto mínimo ao pico da produção de estrogénio.
Na primeira semana, as defesas e a energia ressentem-se dessa falta de estrogénio e por isso associamos o mal-estar à hemorragia. Na segunda semana, o organismo feminino tem um aumento extraordinário de energia, por causa da injeção de estrogénio que recebe naturalmente, cansando-se menos e tendo mais capacidade de trabalho.
Além disso, a pele e o cabelo ficam com melhor aspeto. E tudo acontece por uma razão básica: a necessidade de reprodução da espécie. É que em torno do 14.º dia de cada ciclo menstrual, um óvulo sai do ovário e desloca-se até ao útero, onde, poderá ser fecundado. Na segunda fase do ciclo menstrual há uma diminuição do estrogénio até que a hormona atinge os níveis mínimos ao fim da quarta semana e, em resultado dessa diminuição, o corpo ressente-se e volta à má-disposição geral que culmina com o aparecimento do período.
O bem-estar sentido durante a ovulação tem outra componente hormonal: a progesterona, que é, sobretudo, um fixador do óvulo ao útero, mas desencadeia a segregação de outras hormonas, uma delas a reguladora do stresse: o cortisol.
Quando o corpo tem níveis de progesterona altos, o que ocorre também na altura da ovulação, é natural que as mulheres se sintam melhor e mais tranquilas na sua pele. Quando os níveis das hormonas estão baixos – quando aparece o período –, o corpo ressente-se e, por causa disso, o estado de espírito também.
Período e alta competição não combinam
Em 2015, tornou-se claro e visível aos olhos de todos que o período pode ser um problema para a igualdade, sobretudo quando falamos de prática desportiva de alta competição. a tenista Heather Watson, 38.ª no ranking da modalidade à época, afirmou publicamente que tinha perdido a partida no Open da Austrália por causa do período: “Foi uma coisa de mulheres”. Dela se esperava uma vitória fulgurante à imagem do que sucedera apenas uma semana antes, em Hobart.
Mas, apesar de estar no topo da forma física, a inglesa não conseguiu contrariar o mal-estar geral por que passava. Na realidade, a perda de energia de Watson foi tão grande que o jogo que disputava com Tsvetana Pironkova teve de ser interrompido para receber tratamento médico. Mesmo depois desse intervalo, as pernas da tenista continuaram pesadas e ela foi incapaz de dar a volta a um resultado catastrófico para a sua carreira.
Depois de Heather Watson ter quebrado o tabu do período no ténis, várias atletas vieram dar-lhe razão, inclusive a estrela do ténis do Reino Unido dos anos 80, Annabel Croft, que hoje tem uma escola de formação de ténis no Algarve. “As mulheres sofrem em silêncio. Estas questões mensais das mulheres parecem ser constantemente varridas para debaixo do tapete como se fossem um grande segredo. Para as mulheres que têm de lidar com este problema em situações normais, já é bastante duro, mas, quando temos de sair para o campo e jogar um desporto de alto nível nos momentos mais cruciais do calendário… é mesmo ter pouca sorte,” disse a estrela do desporto à BBC.
Heather Watson queixava-se de náuseas, má-disposição e cansaço extremo, acusando também falta de discernimento, sintomas que as comuns mortais, mesmo as que não fazem desporto, reconhecem.
Sexo e menstruação, o último tabu
Vânia Beliz, sexóloga e autora do livro Chamar as Coisas pelos Nomes (edições arena, 2018), explica-nos que a maior parte das mulheres com quem fala “não quer ter relações sexuais com o período. Sentem que estão sujas, acham nojento, têm receio do cheiro e o sangue incomoda-as. As que têm relações sexuais quando estão menstruadas não o fazem nos primeiros dois a três dias, quando o fluxo é mais abundante, e optam por ter relações sexuais, por exemplo, durante o duche. ”
A psicóloga clínica refere que há diferenças geracionais: “alguns casais mais novos optam por ter relações sexuais com a menstruação com a ideia de que, nesta altura, as mulheres não engravidam”, o que a sexóloga refere não ser uma prática contracetiva 100% eficaz.
A sexóloga refere haver ainda muito desconhecimento acerca deste processo da vida das mulheres e que “não poderem fazer bolos, não irem ao cabeleireiro ou não tomarem banho” são ideias que ainda perduram.
Conhecia todos estes pormenores sobre este tema? Saiba ainda como ajudar a sua filha a lidar com a primeira menstruação.