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Preconceitos, equívocos e mitos sobre obesidade infantil

Preconceitos, equívocos e mitos sobre obesidade infantil

Quando o tema é obesidade, doença que afeta quase 60% dos portugueses, há ainda muito desconhecimento que é urgente esclarecer. Ainda para mais quando falamos de crianças. Foi por isso que pedimos à nutricionista Catarina Roquette Durão para desmistificar mitos, equívocos e preconceitos sobre a obesidade infantil.

Por Out. 9. 2018

Preconceitos sobre a obesidade são – infelizmente – comuns e acabam por resultar em mais um fardo (dos muitos) a ser carregado pelas pessoas com esta doença.

Conceitos erróneos sobre a obesidade atingem adultos obesos, mas também crianças. É particularmente importante refletir sobre o caso específico da obesidade em idade pediátrica. Isto porque preconceitos, conceitos equivocados e até mitos podem prejudicar substancialmente o desenvolvimento destas jovens pessoas, com impato importante, imediato e futuro, sobre inúmeros aspetos, nomeadamente a sua autoestima.

Como se não bastasse terem, desde cedo, de lidar com uma doença complexa, ainda têm de aprender a gerir a forma como reagem e encaram as opiniões – muitas vezes bem-intencionadas – de terceiros que não os compreendem.

 

“Podemos desejar uma solução instantânea para perder a gordura em excesso e há inúmeros exemplos em publicações menos avisadas que o prometem. Contudo, temos de encarar a realidade de frente: a obesidade é complexa!”

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Ao pesquisar sobre preconceitos, equívocos e mitos relativos à obesidade infantil, deparei-me com alguns artigos em publicações científicas já com muitos anos, espelhando a tendência que estes equívocos parecem ter para perdurar no tempo.

Por exemplo, num artigo de Bandini e Dietz, publicado na revista PediatricAnnals, em 1992, os mitos em relação à obesidade infantil a destacar foram: as crianças obesas são inativas; comem de uma forma diferente e comem “comida de plástico” (junk-food).

Já então, os autores salientavam que este tipo de mito sugere que indivíduos obesos apresentam um comportamento social desviante, justificando discriminação direta sobre estas crianças. Acrescentavam ainda, que o mito de a obesidade não ser uma doença tratável promove a desresponsabilização de profissionais de saúde em compreender e cuidar de crianças obesas, destacando a necessidade de dissipar estes mitos como um passo crítico na prevenção e tratamento da obesidade infantil.

Em literatura mais recente, surgem frequentemente estes e outros conceitos erróneos ou demasiado simplistas que passo a enumerar, tentando ao mesmo tempo desmistificá-los.

5 mitos e preconceitos comuns sobre obesidade infantil

1. “A culpa é minha e da minha criança”

Não é verdade! Pela desinformação disseminada por inúmeras pessoas e meios de comunicação, muitos adultos e crianças acreditam que a obesidade ocorre em pessoas com falta de “força-de-vontade”.

Atitudes como estas, de classificar o obeso como alguém que “não quer saber” e que é excessivamente indulgente, são prevalentes. Elas estão na base da diminuta empatia que muitas vezes observamos em relação à pessoa com obesidade, resultando num suporte muito escasso para a criança que precisa de emagrecer.

As crianças engordam excessivamente por inúmeras razões. Algumas têm maior suscetibilidade, porque os pais e outros familiares também têm maior suscetibilidade para engordar. Outras, não fazem as melhores escolhas alimentares porque os alimentos disponíveis não são os mais adequados. Outras ainda, até têm uma alimentação adequada do ponto de vista qualitativo, mas não podemos considerá-la realmente saudável porque está desadequada no que diz respeito à quantidade. Por exemplo, pode-se estar a servir porções demasiado grandes à criança.

2. “A criança obesa vai ser um adulto obeso”

O risco de obesidade na idade adulta aumenta com a obesidade em idade pediátrica. Contudo, a obesidade infantil não é o único fator contributivo para a obesidade na idade adulta. Inúmeros outros fatores podem ter um efeito mais forte sobre a obesidade na idade adulta.

Numa era em que a nutrição está na moda e em que a imagem corporal de magreza continua a ser uma obsessão (…), a criança gordinha ou obesa encontra-se num constante conflito que a faz sentir inadequada.

3. “A criança com excesso de peso vai crescer e, por isso, emagrecer”

Embora as crianças ganhem peso à medida que crescem, não devemos esperar que o excesso de peso se resolva pelo crescimento em altura. Não devemos contar apenas com os surtos fisiológicos de crescimento para compensar o problema de excesso de peso.

Há que ajudar a criança a ter uma alimentação saudável (completa, equilibrada e variada) e níveis adequados de atividade física para promover, em conjunto com o crescimento, uma composição corporal mais saudável (com menos gordura!).

4. “A obesidade infantil não é tratável”

Apesar de alguns estudos mostrarem insucesso no tratamento da obesidade infantil, outros são mais promissores e dão-nos uma bem-vinda esperança no tratamento desta complexa doença.

Estudos de Leonard Epstein e seus colaboradores mostraram redução significativa do índice de massa corporal (um marcador de adiposidade) em crianças de famílias biparentais em que um dos pais era obeso. O programa de intervenção tinha uma base familiar e uma abordagem comportamental, incidindo sobre a mudança de comportamentos, a alimentação e na atividade física. Efeitos com maior magnitude foram observados em crianças mais novas.

Estes resultados são promissores e permitem-nos ter uma atitude mais positiva em relação ao sucesso do tratamento. Salientam também a particular importância do comportamento, do contexto familiar, e da necessidade em intervir o mais precocemente possível.

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5. “O problema de peso da criança precisa de uma solução rápida para ser consertado”

Podemos desejar uma solução instantânea para perder a gordura em excesso e há inúmeros exemplos em publicações menos avisadas que o prometem. Contudo, temos de encarar a realidade de frente: a obesidade é complexa! Tal como para a maior parte das coisas na vida, não há respostas fáceis! Não é um problema que se resolva de um dia para o outro.

Pílulas, comprimidos, chás e mezinhas ou dietas quase “de fome”, que podem parecer aliciantes para adolescentes, são extremamente arriscadas. Em vez disso, deve-se pedir ajuda ao pediatra e nutricionista para planear, dentro do contexto familiar da criança ou adolescente, para desenhar um plano credível, baseado na melhor evidência científica que ofereça a melhor hipótese de sucesso a longo-prazo.

Não somos especialistas

Existem muitos outros mitos e preconceitos. Estes são apenas uma amostra do que pode constituir um obstáculo ao sucesso da criança e adolescente no seu esforço para combater o excesso de peso.

Numa era em que a nutrição está na moda e em que a imagem corporal de magreza continua a ser uma obsessão, paradoxalmente aliada a um ambiente alimentar cheio de produtos muito saborosos mas com interesse nutricional muito duvidoso, a criança gordinha ou obesa encontra-se num constante conflito que a faz sentir inadequada.

Queremos isto para alguém e, especialmente, para crianças? Certamente que não! Embora todos nós tenhamos que comer, isso não nos transforma em peritos em alimentação e nutrição. Assim, devemos ajudar estas crianças procurando a ajuda de profissionais de saúde capazes de as ajudar.

A mensagem final que deixo é: procure o pediatra da sua criança e marque uma consulta de nutrição com alguém que possa ajudá-la, à criança e à família, a ter um estilo de vida saudável!

 

Catarina Roquette Durão é nutricionista na Unidade Lifestyle Medicine da José de Mello Saúde by NOVA Medical School. É ainda professora auxiliar convidada da NOVA Medical School, da Faculdade de Ciências Médicas.


 

 

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