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Já ouviu falar em pé diabético? A prevenção é a chave

Já ouviu falar em pé diabético? A prevenção é a chave

O pé diabético é uma das complicações mais graves da diabetes. A estatística diz-nos que cerca de 15% dos diabéticos irão ter uma lesão de pé diabético ao longo da sua vida. O risco maior? A amputação do membro inferior.

Por Mai. 19. 2020

Que a diabetes, doença metabólica crónica de variadas causas que provoca uma elevação permanente da glicemia – concentração de açúcar no sangue –, é bastante frequente em Portugal já se sabia.

De facto, os números são alarmantes: cerca de um décimo da população portuguesa sofre com a doença, pelo que cada dia morrem 12 pessoas com esta condição. A nível mundial são 400 milhões de afetados e a aumentar.

Ora, uma das principais complicações desta doença é o pé diabético, um problema que tem vindo a crescer e cujos especialistas consideram mesmo ter atingido proporções pandémicas.

A sua elevada incidência na população diabética, bem como o risco associado de amputação dos membros inferiores, eleva a condição a desafio mundial, como foi designado pela Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP).

Tudo razões mais do que suficientes para querer alertá-la. Para isso, falámos com Vânia Benido, interna de endocrinologia do Centro Hospitalar do Porto (CHUP) e com Rui Carvalho, endocrinologista e responsável pela Unidade de Pé Diabético da mesma instituição, para sabermos mais.

Compreender o pé diabético

“Esta é uma situação clínica complexa, provocada por complicações específicas da diabetes que afetam os nervos e os vasos sanguíneos dos membros inferiores”, começa por explicar Rui Carvalho, quando lhe pedimos uma definição da doença.

“Poderão surgir feridas nos pés que se tornam crónicas e que levam à necessidade de uma amputação dos dedos, de partes do pé ou mesmo de todo o membro inferior”, continua o endocrinologista.

“Infelizmente, a diabetes é a causa principal de amputações não traumáticas dos membros inferiores em todo o mundo, inclusive em Portugal”, refere. De facto, segundo a APDP, a cada 20 segundos, nalguma parte do globo, um membro inferior é amputado por causa da diabetes.

São necessários vários anos de mau controlo da doença para esta hiperglicemia crónica lesar os nervos periféricos e os vasos sanguíneos – Vânia Benito e Rui Carvalho, endocrinologistas

Porque é que acontece?

De seguida, procuramos perceber quais as causas desta patologia.

Ficámos a saber, primeiramente, que a média etária das pessoas que recorrem às primeiras consultas de pé diabético, na Unidade de Pé Diabético do Centro Hospitalar e Universitário do Porto, é de 67 anos.

O que é que isto nos diz? Na verdade, um quarto das pessoas com mais de 60 anos é diabético, sendo que uma importante proporção destes doentes acaba por ter alterações dos membros inferiores.

Assim, “são necessários vários anos de mau controlo da doença, em que as pessoas desprezam os valores altos de açúcar no sangue, não cumprindo com as regras da alimentação, do exercício e da medicação, para esta hiperglicemia crónica lesar os nervos periféricos e os vasos sanguíneos”, Vânia Benido responde prontamente à nossa questão.

“Desta forma, estabelece-se uma neuropatia periférica que afeta, em primeiro lugar, os pés, bilateralmente, e acabando por levar à perda da sensibilidade e ao “silêncio dentro do sapato”.

Quisemos perceber melhor esta última questão, o que nos leva ao ponto seguinte.

Estar atento

Relativamente aos sinais e sintomas a atender, “não há dor, pelo que as pessoas com diabetes e neuropatia ficam mais suscetíveis aos pequenos traumatismos do dia a dia nos pés e fazem facilmente feridas”, explica o médico.

Desta forma, “a presença de corpos estranhos no interior do calçado, a proximidade de fontes de calor como uma botija de água quente, o calçado apertado, os cortes ungueais” são exemplos frequentes que o endocrinologista encontra na sua consulta.

O pior dos cenários

Se neste quadro “a pessoa com diabetes tiver uma obstrução das artérias dos membros inferiores – complicação associada ao colesterol elevado, à hipertensão arterial e ao tabagismo, para lá da diabetes – o sangue não atinge eficazmente os pés, pelo que os tecidos ficam frágeis, acabando por morrer pela falta deste aporte sanguíneo”, ilustram os especialistas.

O que a acontece então, segundo nos explicam Vânia Benido e Rui Carvalho, é que “a ferida já não vai cicatrizar, torna-se crónica e, se infetar secundariamente, levará à progressão e destruição progressiva dos tecidos na profundidade e à necessidade de intervenção por parte de um cirurgião”.

No limite, o que esperar? “A infeção dissemina-se para o corpo, levando à septicemia, que é, em geral, fatal. No sentido de salvar a vida do doente teremos que fazer a amputação do membro inferior”, exatamente o que lhe falámos, logo no início deste artigo.

Quando surge uma ferida, deve ser tratada por uma equipa multidisciplinar a nível dos cuidados de saúde primários ou mesmo hospitalares (…) das pequenas feridas desvalorizadas é que resultam grandes amputações – Vânia Benito e Rui Carvalho, endocrinologistas

Urgente: prevenção, prevenção, prevenção

Acima de tudo, há boas notícias. De facto, percebendo a história natural da doença é possível impedir a sua progressão, travando este processo físico e psicologicamente doloroso. A verdade é que as amputações são precedidas por uma ferida no pé, e estas têm potencial para ser prevenidas.

A prevenção, tal como o título sugere, é a chave na condição do pé diabético, pelo que se pode atuar a três níveis distintos:

Prevenção primária

Retardar ou mesmo impedir o aparecimento da diabetes, estimulando a população no sentido de adotar uma alimentação equilibrada e saudável e de combater o sedentarismo, reduzindo os casos de obesidade.

Prevenção secundária

Impedir que as pessoas com diabetes desenvolvam as complicações crónicas específicas desta doença, como a neuropatia e a doença arterial periférica. Apesar de não existir um tratamento eficaz para a neuropatia, e quando a pessoa não tem sensibilidade nos pés se poder dizer que a situação é irreversível, é possível antever esta situação.

É que antes de esta ocorrer, a neuropatia leva ao surgimento de sensações estranhas nos pés, tais como formigueiros ou adormecimento – muitas vezes desvalorizados.

Nesta fase, é urgente a procura de um médico assistente para atrasar a progressão da neuropatia, através de um melhor controlo da diabetes, comportamentos saudáveis, o evitamento do álcool (agrava a lesão do nervo) e a prescrição de vitaminas do complexo B.

Prevenção Terciária

Educar e acompanhar regularmente as pessoas com diabetes que apresentem neuropatia e a doença arterial periférica – as chamadas pessoas com pé em risco – bem como os seus familiares e cuidadores.

A instrução deve ser no sentido de inspecionar diariamente os pés para tentar identificar precocemente alguma lesão; evitar os traumatismos diários não sentidos; escolher melhor o calçado; tratar lesões pré-ulcerativas como onicomicoses, unhas encravadas, calosidades ou bolhas por um profissional de saúde habilitado.

Em suma, proteger o pé em qualquer circunstância.

Último alerta

Por fim, e antes de terminar a nossa conversa sobre o pé diabético, questionamos os médicos sobre o que as pessoas com diabetes devem realmente ter em atenção para evitar o pé diabético.

“Quando surge uma ferida, deve ser tratada por uma equipa multidisciplinar a nível dos cuidados de saúde primários ou mesmo hospitalares”, avisam os endocrinologistas.

“Nesta fase, o melhor conselho que podemos dar é procurar rapidamente um profissional da saúde habilitado, lembrando que das pequenas feridas desvalorizadas é que resultam grandes amputações”, concluem prontamente.

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