A contração oral de emergência (COE, vulgarmente conhecida por pílula do dia seguinte) surgiu para prevenir uma gravidez indesejada após relação sexual desprotegida, ou seja, quando o método contracetivo falha (preservativo mal colocado, por exemplo).
Em 2015, 17% das mulheres portuguesas referiu ter utilizado pelo menos uma vez a contraceção de emergência, segundo um estudo sobre contraceção em Portugal, da responsabilidade da Sociedade Portuguesa de Ginecologia e da Sociedade Portuguesa de Contraceção. Para o efeito, foram analisados os hábitos contracetivos de quatro mil portuguesas, com idades entre os 15 e os 49 anos.
Apesar destes dados, ainda há muitas mulheres que não sabem como atua esta pílula, nem se tem efeitos secundários. Será que a pílula do dia seguinte pode ser tomada sempre que a mulher precise? Será 100% eficaz? Quais os cuidados que devemos ter?
A Saber Viver esteve à conversa com Margarida Castel-Branco, farmacêutica, doutora em Farmacologia e professora auxiliar na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, e com Joaquim Neves, médico ginecologista no Hospital de Santa Maria, para esclarecer todas as dúvidas.
Em que consiste a pílula do dia seguinte?
A “pílula do dia seguinte é um método de contaceção de emergência que deve ser administrado num curto espaço de tempo, após a relação sexual. O objetivo essencial é o de evitar a ovulação”, começa por explicar Joaquim Neves.
Que tipos existem?
“Em Portugal, existem dois métodos de contraceção oral de emergência (COE) disponíveis na farmácia comunitária: um comprimido contendo 1,5 mg de Levonorgestrel como substância ativa e outro contendo 30 mg de Acetato de Ulipristal”, explica Margarida Castel-Branco.
Como tomar?
• Levonorgestrel: deve ser tomado até 72 h (3 dias) após uma relação sexual desprotegida, com risco de gravidez.
Já existe no mercado há mais tempo e é conhecido como sendo a ‘pílula do dia seguinte’. Quanto mais próximo da relação sexual for a toma, maior será a efetividade (e daí fazer-se referência ao ‘dia seguinte’). “Isto porque o Levonorgestrel atua na fase pré-ovulatória precoce através do bloqueio temporário da ovulação, em média por três dias”, explica a farmacêutica.
• Acetato de Ulipristal: pode ser tomado até 120 h (5 dias) após uma relação sexual desprotegida, com risco de gravidez.
“Há quem lhe chame a “Pílula dos 5 dias” e é utilizado mais recentemente como contraceção de emergência. “A diferença consiste no facto de o Acetato de Ulipristal atuar tanto na fase pré-ovulatória precoce como na tardia, através do bloqueio temporário da ovulação, em média por 5 dias”, adianta Margarida.
Também, neste caso recomenda-se que seja tomado o mais próximo possível da relação sexual desprotegida, uma vez que não se sabe ao certo em que dia vai ocorrer a ovulação.
Atenção que não devem ser utilizados os dois medicamentos em simultâneo. Margarida Castel-Branco lembra que tanto o Levonorgestrel como o Acetato de Ulipristal são de toma única e devem ser engolidos inteiros com um copo de água. Caso a utente vomite até três horas após a toma do comprimido, deverá voltar a tomá-lo.
Provoca efeitos secundários?
“Esta pílula pode aumentar a ocorrência de hemorragias irregulares e a eficácia não é muito elevada (controla 75% dos casos de gravidez não planeada)”, informa o ginecologista.
Por sua vez, a farmacêutica informa que os efeitos secundários são raros, ligeiros, transitórios e sem necessidade de terapêutica adicional.
Contudo, os efeitos secundários mais frequentes descritos são:
• cefaleias;
• náuseas;
• vómitos;
• tonturas;
• aumento da sensibilidade mamária e dores pélvicas.
Margarida Castel-Branco adverte que, como com qualquer medicamento, podem ocorrer efeitos adversos mais graves e que deverá haver precaução no uso da COE nas mulheres com hipersensibilidade a estes fármacos. “No caso específico do Acetato de Ulipristal, não é recomendada a sua utilização em mulheres com asma grave tratada por um glucocorticoide oral”.
Pode ser tomada várias vezes?
Margarida Castel-Branco é de opinião que o ideal seria nunca haver necessidade de a tomar; excecionalmente uma vez na vida.
“É um erro fazer dela um ‘método contracetivo regular’. Cada pessoa deve prevenir situações destas, procurando atempadamente o método contracetivo mais adequado à sua situação”, alerta.
É 100% eficaz? Em que situações pode falhar?
A eficácia depende essencialmente da altura das relações sexuais, do momento em que ocorre a ovulação e do momento da toma. Por isso, segundo Joaquim Neves, pode falhar.
O médico aconselha que após tomar esta pílula, a mulher aguarde pela menstruação, na altura devida e na quantidade habitual. “Em caso de dúvida, deve realizar um teste de gravidez”, aconselha.
Margarida Castel-Branco enfatiza também que a COE não é 100% eficaz na prevenção da gravidez, porque a relação sexual desprotegida pode ter ocorrido tão perto do momento da ovulação que esta pode não ser tomada a tempo de impedir a mesma. Se não a conseguir bloquear, pode ocorrer a fecundação.
Não se sabe até que ponto a COE poderá depois provocar alterações no útero (endométrio) de modo a impedir a nidação do embrião. “Se não o conseguir fazer, ocorrerá a implantação e o desenvolvimento da gravidez”, esclarece.
Mas há outras situações que podem levar a que a pílula do dia seguinte não seja eficaz, segundo a professora:
• “A COE não é eficaz se a mulher já estiver grávida como resultado de outra relação sexual que não aquela que motivou a toma”;
•“Também pode acontecer que a mulher vomite ou tenha diarreia e a substância ativa não seja devidamente absorvida”;
• “Pode ainda acontecer que a mulher esteja a tomar outros medicamentos que interfiram com a efetividade da COE”;
• “Há também o chá de hipericão (erva de São João) que, quando tomado de forma crónica, pode reduzir a efetividade da COE”.
Este método altera o funcionamento do anticoncecional regular?
Margarida Castel-Branco aconselha a que, depois de se tomar a pílula do dia seguinte, se inicie ou retome de imediato o método de contraceção. “No caso de o método regular de contraceção ser hormonal, aconselha-se a proteção adicional com preservativo, durante sete dias após o uso de Levonorgestrel, ou durante 14 dias após o uso de Acetato de Ulipristal”.
Segundo a farmacêutica, após a toma desta pílula, a mulher pode engravidar em qualquer altura, caso não utilize nenhum método contracetivo. “A COE apenas previne uma gravidez decorrente das relações sexuais que motivaram a toma ou de relações sexuais ocorridas até 72-120 horas antes da toma e nunca nos casos em que estas ocorrem subsequentemente”, sublinha.
Atrasa a menstruação?
Joaquim Neves diz que “não é obrigatório que a pílula do dia seguinte atrase a menstruação”. Margarida Castel-Branco explica que, após a toma do Levonorgestrel, pode ocorrer antecipação ou atraso da menstruação de um ou dois dias. No caso do Acetato de Ulipristal, pode atrasar-se até dois.
Em nenhum dos casos é expectável a interferência na duração ou no volume do fluxo menstrual. “Se houver um atraso na menstruação superior a 5 dias para o Levonorgestrel e a 7 dias para o Acetato de Ulipristal, deve realizar-se um teste de gravidez”, alerta.
É uma ‘bomba de hormonas’?
“Não é correto referir a pílula do dia seguinte com ‘uma bomba de hormonas’”, afirma o ginecologista. E justifica explicando que a concentração das hormonas nestas pílulas é simplesmente superior às pílulas usadas de forma regular.
Margarida exemplifica: a quantidade de Levonorgestrel num comprimido usado na COE – 1,5 mg – é igual à quantidade de Levonorgestrel em 10 ou 15 comprimidos de uma pílula convencional, contendo, para além do componente estrogénico, o progestagénio Levonorgestrel – 0,15 ou 0,1 mg/comprimido.
Está sujeita a receita médica?
Qualquer um destes medicamentos pode ser adquirido com receita médica, mas não é obrigatório. “Esta situação foi assim decidida tendo em consideração a urgência da situação e a relação risco/benefício”, finaliza Margarida Castel-Branco.
Em Portugal, existe controlo quanto ao uso (ou abuso) desta pílula?
“Não, porque a venda é livre”, informa o médico do Hospital de Santa Maria. Margarida Castelo-Branco concorda, mas vai mais longe.
No que se refere ao Levonorgestrel, não há maneira de controlar o uso abusivo, uma vez que este pode ser adquirido em qualquer estabelecimento de venda de Medicamento Não Sujeito a Receita Médica (MNSRM).
Quanto ao Acetato de Ulipristal, sempre há a obrigatoriedade de a mulher ter de passar pela intervenção de um profissional de saúde – farmacêutico – uma vez que se trata de um Medicamento Não Sujeito a Receita Médica de Dispensa Exclusiva em Farmácias (MNSRM-EF).
Espreite ainda as respostas de uma ginecologista a tudo o que sempre quisemos saber.