© Getty Images
Quando é que vamos levar a POC (perturbação obsessivo-compulsiva) a sério?

Quando é que vamos levar a POC (perturbação obsessivo-compulsiva) a sério?

Lavar as mãos vezes sem conta, alinhar os objetos de forma simétrica a toda a hora, verificar o fogão e as portas constantemente, isto sem contar com os pensamentos estranhos que lhe invadem a cabeça – são tudo sinais de uma POC. Esta patologia é real e tem de ser encarada como tal.

Por Jun. 3. 2020

Infelizmente para todos nós, mentes sãs ou a caminhar para lá, a doença mental ainda está associada a um sem número de preconceitos. A perturbação obsessivo-compulsiva, vulgarmente conhecida como POC, as suas iniciais, não é exceção.

“Este doente é visto pela sociedade como perfecionista, esquisito ou com manias.” Renata Moço Chaleira, psicóloga Clínica no Hospital CUF Descobertas e na Clínica CUF Almada, desabafa connosco enquanto nos introduz ao tema.

“Não se tem uma doença mental porque se quer, nem se escolhe que patologia ter, muito menos se consegue trata-la com força de vontade”, continua a especialista, pelo que nos faz todo o sentido.

Destituídos das mesmas ideias preconcebidas que referimos, procurámos compreender esta doença em pleno. Sucesso esse, que só conseguimos obter com o auxílio da psicóloga. Eis o que aprendemos.

Em primeiro lugar, a estatística

A investigação científica diz-nos que, em números, a POC é a quarta perturbação psicológica com maior prevalência, afetando um em cada 40 adultos, com 35% de probabilidade nas relações em primeiro grau.

Mais, para 65% das pessoas com esta perturbação, os sintomas surgem antes dos 25 anos e só em 15% é que surgem após os 35 anos.

Existe, igualmente, uma ligeiríssima maior prevalência nas mulheres face aos homens em idade adulta, embora nas crianças a prevalência seja maior nos rapazes.

Muitos adultos com POC têm também diagnóstico de perturbação de ansiedade (pânico, ansiedade social, perturbação de ansiedade generalizada, ou fobias), ou perturbação depressiva ou bipolaridade – Renata Moço Chaleira, psicóloga clínica

O seu significado

Relativamente a uma definição da problemática, a POC, tal como o nome indica, é uma patologia do foro psicológico onde estão presentes obsessões e compulsões.

As obsessões caracterizam-se por pensamentos repetitivos e persistentes, imagens ou impulsos. Estes pensamentos não têm teor agradável e são involuntários, causando mal-estar ou ansiedade nos indivíduos que os experienciam.

Já as compulsões (ou rituais) são comportamentos repetidos ou atos mentais, como a repetição de palavras ou números.

Como se interligam? As compulsões (rituais, comportamentos) estão associadas às obsessões (pensamentos), ajudando a reduzir o mal-estar desencadeado por estas últimas.

Exemplificando, relativamente ao medo da contaminação (obsessão), o indivíduo vai associar rituais e comportamentos (compulsões) de lavagem das mãos que lhe atenuem a ansiedade causada por esse mesmo pensamento recorrente e invasivo.

Perceber causas e possível comorbilidade

Não sabemos a causa da POC, sabemos que surge algumas vezes na infância e desaparece, como se pode perpetuar para a idade adulta, ou surgir no adolescente ou jovem adulto”, elucida-nos Renata Moço Chaleira.

Também questionámos a especialista relativamente à hipótese de comorbilidade, isto é, outras alterações psicopatológicas presentes na pessoa ao mesmo tempo que a doença principal.

“Muitos adultos com POC têm também diagnóstico de perturbação de ansiedade (pânico, ansiedade social, perturbação de ansiedade generalizada, ou fobias), perturbação depressiva ou bipolaridade”, responde a psicóloga clínica.

“30% dos indivíduos têm também perturbação de tiques”, completa ainda. Por sua vez, existirão pessoas mais vulneráveis?

“Indivíduos com história familiar de POC ou perturbação de ansiedade parecem estar mais vulneráveis, sendo também muito comum em indivíduos com outras perturbações como a anorexia nervosa e bulimia”, refere.

Sintomatologia mais frequente

Os indivíduos com POC geralmente manifestam uma série de sintomas ora associados às obsessões, ora às compulsões.

Em ambos os casos, estes sintomas são causadores de tensão, medo, culpa e ansiedade e têm um efeito negativo na sua vida diária, emprego e relacionamentos. Destacam-se:

Obsessões

  • Ter pensamentos estranhos e que não lhe saem da cabeça;
  • Ver mentalmente e de forma repetida imagens perturbadoras;
  • Ter medo de perder o controlo e causar dano ao próprio ou a outros;
  • Dificuldade em tomar decisões e dúvidas constantes sobre o que se deve ou não fazer;
  • Ter medo de morrer, das doenças ou da contaminação;
  • Inquietar-se com a possibilidade de as coisas não estarem perfeitamente em ordem, equilibradas ou simétricas.

Compulsões

  • Repetir constantemente rituais ou comportamentos como limpar a casa, lavar as mãos e/ou organizar objetos;
  • Verificar, vezes sem conta, se portas e janelas estão fechadas;
  • Examinar detalhadamente partes do corpo;
  • Fazer contagens ou repetir palavras para impedir que algo de mal aconteça;
  • Acumular coisas inúteis, pensando que ao deita-las fora dará azar;
  • Evitar situações que possam desencadear as obsessões.
O risco do indivíduo não se tratar, além da falta de qualidade de vida, é o mal-estar clinicamente significativo e a disfunção em várias áreas de vida: familiar, pessoal, laboral e social – Renata Moço Chaleira, psicóloga clínica

Quanto ao diagnóstico

No que toca aos elementos que permitem determinar a existência da perturbação, a psicóloga clínica guiou-nos pelo DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – 5ª edição), sendo os critérios de diagnóstico os seguintes:

Critério A

Existe a presença de obsessões, compulsões ou ambas.

As obsessões (pensamentos) são experienciadas como intrusas ou indesejadas, pelo que o indivíduo as tenta ignorar, suprimir ou neutralizar com algum outro pensamento ou ação (realizando uma compulsão ou ritual).

Já as compulsões resultam da resposta às obsessões e surgem de acordo com regras que têm de ser aplicadas rigidamente com o objetivo de reduzir a ansiedade, o mal-estar ou prevenir acontecimentos ou situações temidas.

Critério B

As obsessões ou compulsões consomem tempo ou causam mal-estar ou alteram o funcionamento pessoal, social ocupacional ou outras áreas importantes do funcionamento.

Critério C

Não são atribuíveis a efeitos de substâncias (drogas) ou condição médica.

Critério D

A perturbação não é melhor explicada por outra condição mental.

A terapêutica indicada

Procurámos perceber que tipo de ajuda é que estes indivíduos devem procurar, isto é, se existe tratamento para esta perturbação e qual o mais eficaz.

Renata Moço Chaleira é peremptória, declarando que o apoio de uma equipa multidisciplinar será o que melhor funciona com o doente com a POC.

Deve-se, pois, aliar a psicoterapia em parceria direta com a psiquiatria. Assim, “o tratamento mais eficaz é juntar a psicoterapia cognitivo-comportamental (psicologia) com a farmacoterapia (medicação)”, explica-nos a psicóloga clínica.

Até mesmo porque “o risco do indivíduo não se tratar, além da falta de qualidade de vida, é o mal-estar clinicamente significativo e a disfunção em várias áreas de vida: familiar, pessoal, laboral e social”, termina.

Aceitar a POC é o primeiro passo para melhorar esta condição, por isso não desanime e procure ajuda junto de um psicólogo especializado em psicoterapia cognitivo-comportamental e de um psiquiatra – Renata Moço Chaleira, psicóloga clínica

Uma sociedade atenta

Já quase no fim da nossa conversa, não poderíamos deixar de abordar o papel que as pessoas próximas, familiares e amigos, bem como a comunidade podem ter no auxílio a estes doentes.

“É sobretudo importante reconhecer que a pessoa com POC não tem o controlo de todos os seus rituais e pensamentos, que estamos perante uma doença que causa mal-estar significativo e que foge ao controlo do próprio”, afirma a especialista.

Mas há mais a considerar: “é preciso respeitar e oferecer empatia, ou encaminhar para uma ajuda específica”.

“Tenho POC e agora?”

Aceitar a perturbação obsessivo-compulsiva é o primeiro passo para melhorar esta condição, por isso não desanime e procure ajuda junto de um psicólogo especializado em psicoterapia cognitivo-comportamental e de um psiquiatra”, alude num tom positivo a psicóloga clínica.

E acrescenta: “viva com qualidade de vida e não permita que a perturbação obsessivo-compulsiva tome conta de si e da sua vida”.