Desconhece-se a real prevalência da síndrome de Asperger, um distúrbio do espetro do autismo.
Nas palavras da pedo-psiquiatra e terapeuta familiar Maria de Lurdes Candeias, “é uma condição rara, caracterizada por dificuldades de relacionamento e de socialização, padrões de comportamento repetitivos e por interesses limitados – normalmente, são brilhantes num tema, como carros ou aviões, ou a fazer cálculos matemáticos”.
Talvez o facto de poderem ser aplicados diferentes critérios de diagnóstico explique a divergência de casos avançados pelos países, defendeu, num artigo publicado na MedScape, James Robert Brasic, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Johns Hopkins e membro da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e da Adolescência.
De acordo com o especialista em Neuropsiquiatria, “estudos oriundos dos Estados Unidos da América e do Canadá referem percentagens que variam entre esta perturbação afetar uma em cada 250 crianças e uma em cada dez mil”.
O síndrome de Asperger é mais comum nos rapazes
Na Europa, Robert Brasic diz que a Suécia apresenta os dados mais credíveis, num estudo epidemiológico que “estima que exista uma prevalência de um caso em cada 300 crianças”. Nesse documento, o professor da Universidade de Johns Hopkins sugere ainda que a proporção de rapazes que sofre desta disfunção será de quatro para uma rapariga.
Piedade Líbano Monteiro, presidente da Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA), adianta um possível motivo para que assim seja: “É mais difícil diagnosticar as meninas, elas são mais observadoras e boas imitadoras. E ainda vivemos numa sociedade um bocadinho machista, onde, se uma rapariga não sair com amigos, não for dançar, não se pintar, diz-se que é recatada, tímida, que tem um feitio esquisito.
Nos meninos, deteta-se mais facilmente a diferença, porque a sociedade quer rapazes destemidos e os que têm síndrome de Asperger não o são.” Todavia, Maria de Lurdes Candeias refere que pode existir outra possível explicação para a origem das diferenças na prevalência entre géneros e da doença em si: “Há uma corrente que diz que pode estar relacionado com alterações genéticas”.
Sinais de Asperger: o que devemos ter em conta?
Quer a pedopsiquiatra quer a presidente da APSA sublinham a importância de haver um diagnóstico precoce, de preferência logo na primeira infância (até aos 3 anos de idade), para se poder iniciar o acompanhamento da criança o mais rapidamente rapidamente possível.
“O instinto de mãe é o maior alerta. Há mulheres que relatam que os filhos pareciam troncos durante a amamentação. Mas, nas creches, é muito notório estas crianças não fazerem parte do bom-dia da manhã, em que todos se juntam numa roda a cantar uma canção”, justifica Piedade Líbano Monteiro.
Igualmente, tanto a presidente da APSA como a psiquiatra da infância e da adolescência, Maria de Lurdes Candeias, concordam que o seguimento deve ser feito por uma equipa multidisciplinar, composta por um neurologista ou psiquiatra, por psicólogas clínicas e educacionais e por terapeutas ocupacionais. Por que é que é tão importante começar logo a estimular desde tão cedo as pessoas com síndrome de Asperger? A diferença está em poderem ser autónomas na fase adulta ou não.
“Isso passa por coisas tão simples como o treino de ir à casa de banho. Recentemente, tive na consulta uma mãe que acompanhava sempre o filho e ele tem 16 anos. Não pode fazer isso. Não é por serem doentes que se deve fazer tudo por eles”, exclama a pedopsiquiatra e terapeuta familiar.
Trata-se de um problema de mentalidades. Embora compreenda, a presidente da APSA também censura a atitude de alguns progenitores portugueses: “Os nossos pais são um bocadinho fechados e tendem a adiar a procura de estratégias para abrir caminhos”.
Como é que os pais aceitam este tipo de autismo?
Maria de Lurdes Candeias diz que a situação pode ser dramática para os progenitores de crianças com síndrome de Asperger: “Uma grande parte dos pais manifesta dificuldade, primeiro, em aceitar que o filho tem um problema – ainda por cima, uma doença que não se vê – depois, em viver com ela”.
Os conflitos tendem a aparecer logo na infância, quando tentam que o filho seja como as outras crianças.
“Muitos pais insistem que o filho jogue à bola com os outros meninos, sabendo que ele prefere ficar no seu canto a ler sobre aviões ou outro tema do seu interesse. Querem que vá com eles ao centro comercial e fazer viagens de avião de 12 horas, só que, como não se sente bem ou sente mesmo pânico, tem uma crise choro ou um ataque de fúria. Porque não é compreendido. Se a criança tivesse uma perna partida, sujeitavam-na a estas situações? Não, claro que não. Então, os pais devem arranjar uma solução para ela poder ficar em casa sossegada”, ilustra a pedopsiquiatra.
E lembra situações que lhe têm aparecido na sua prática clínica ao longo dos anos. A especialista critica o baixo grau de maturidade de muitos progenitores, que se recusam a adaptarem-se às circunstâncias dos filhos.
“Quando se é pai, tem de se renunciar a muita coisa”, frisa. Uma noção perfeitamente clara para Piedade Líbano Monteiro, mãe de um homem de 25 anos que tem esta perturbação do espetro do autismo: “Para inflexíveis bastam os nossos filhos. É branco ou preto; o cinzento não existe”.
Antever os perigos deve ser prioridade
Todas estas características e dificuldades podem ser trabalhadas e, senão totalmente eliminadas, muito atenuadas. Onde? Na Casa Grande, projeto da APSA que acolhe, atualmente, 20 pessoas maiores de 16 anos (e sem limite de idade) com síndrome de Asperger.
O regime não é de internato, mas, das 9h às 17h, todos os dias, estes indivíduos “experimentam desde horticultura e jardinagem a cozinha, costura, informática, expressão plástica, desenvolvem competências sociais e emocionais e aprendem a ser autónomos (a fazer a sua higiene, a manter a casa, a andar de transportes públicos, a ir ao banco); são incentivados a pensar por si próprios”.
Piedade Líbano Monteiro vê a fase da adolescência como um período de grande incerteza e vulnerabilidade e defende que os últimos três anos de escolaridade são os mais importantes: “Quando terminam o 12.º ano, muitas vezes, os jovens não sabem se vão tirar um curso superior ou profissional ou se vão trabalhar. Nesta espera, ficam em casa, sozinhos, inativos”.
Se não se prevenir esta situação, procurando prepará-los para um contexto de futuro, eles facilmente desenvolvem doenças mentais. A pedopsiquiatra Maria de Lurdes Candeias informa que, de facto, “é uma perturbação que pode ter comorbidades [presença ou associação de duas ou mais doenças] psiquiátricas e as alterações podem surgir ou agravarem-se na adolescência, como ansiedade, depressão e distúrbios do sono”.
Olhar para o futuro com asperger
Para se integrar pessoas com síndrome de Asperger no mercado de trabalho, é fundamental primeiro perceber quais as suas vocações profissionais. “Elas não conseguem aguentar a frustração de estar dias a fio a fazer a mesma coisa se não for do seu agrado total. É preciso motivá-las e dar-lhes a experimentar várias atividades”, conta a presidente da APSA.
Identificadas as qualidades dos jovens, esta associação procura saber se podem ser uma mais-valia para determinada função e faz a ponte com uma das 15 Empresas Recetivas (marca registada) – lista que continua a crescer e onde se incluem já nomes como a REN, a Jerónimo Martins, a Accenture, o Santander Totta e o Hospital da Luz.
“A experiência pode ir desde o voluntariado ao estágio não remunerado, estágio profissional, formação e ao contrato de trabalho; não é preciso passar por todas estas fases”, clarifica. E a mediação entre as partes continua mesmo se o indivíduo ficar efetivo na empresa.
No mundo do trabalho
“Nunca abandonamos qualquer uma delas. Neste momento, temos 12 jovens no programa de empregabilidade. A maioria está a fazer estágios não remunerados, mas temos pelo menos sete com contrato de trabalho – três dos quais renovaram pelo terceiro ano consecutivo”, frisa.
Caso as empresas abracem a sua responsabilidade social, também ficam a ganhar. “Têm benefícios fiscais se realmente tiverem pessoas com síndrome de Asperger nos seus quadros a trabalhar”, incentiva Piedade Líbano Monteiro.
Todos estes passos, mencionados até aqui, são necessários para que pais e filhos que vivam com esta perturbação do espetro do autismo consigam ter uma velhice mais descansada.
A pedopsiquiatra Maria de Lurdes Candeias garante que, “se as crianças com síndrome de Asperger forem bem tratadas, acarinhadas e estimuladas pela família, e se fizerem a escolaridade normal, podem conseguir ser autónomas na vida adulta e constituir família”.
Síndrome de Asperger: ler para saber
Mal-entendidos
Nuno Lobo Antunes, 18,17€
Asperger’s Rules!: How to Make Sense of School and Friends
Blythe Grossberg, 6,85€
Autism and Asperger Syndrome in Adults
Luke Beardon, 8,64€
Conhecia todos estes pormenores sobre o síndrome de Asperger? Veja ainda que brincadeiras pode (e deve) fazer com o seu filho.