No espetro da saúde mental, as perturbações de ansiedade – inclusive a agorafobia – ocupam um lugar de destaque. Não por serem mais debilitadoras do que as restantes condições, todas o são nas suas reais e avassaladoras vicissitudes, mas antes porque atingem uma grande percentagem da população.
Talvez por isso sejam frequentemente desvalorizadas. Tornam-se comuns nas bocas do mundo. Todas as pessoas sentem que sabem algo sobre o assunto, que têm uma palavra a dizer, que têm a solução para o problema daquela amiga com os nervos à flor da pele. Simples, não?
Mas tal como é necessário não estigmatizar, é igualmente urgente levar a sério. As perturbações de ansiedade, neste caso a agorafobia, têm o seu crédito. E que crédito. Todas têm por base o medo. Um medo desmensurado que nos ocupa a mente, corpo e ações.
Na situação agorafóbica, o evitamento torna-se o melhor – deverei dizer pior? – aliado desse medo. A vida como a conhecemos deixa de fazer sentido e tudo o que se quer é encontrar um lugar seguro, o que quer que isso signifique ou nos custe.
Para conhecer a fundo esta patologia, sentámo-nos à conversa com Catarina Canelas Martins, psicóloga clínica e terapeuta Emdr, na clínica de psicologia e coaching Learn2be.
Pedimos uma definição, identificámos sintomas, discutimos causas. Depois, quisemos saber de onde vem a expressão “medo do medo”. Mas mais, procurámos saber que tratamentos existem, se há formas de prevenção e até como se ajuda alguém. No final, desejámos uma mensagem de esperança. E concretizou-se.
Como descrever, quais os sintomas e as causas
Para si leitora, que se pode estar a confrontar pela primeira vez com esta condição, decidimos ir diretamente ao cerne da questão na nossa primeira pergunta.
Afinal, o que é a agorafobia?
“A agorafobia caracteriza-se pelo medo de estar em ambientes desconhecidos e/ou onde se tenha a sensação de dificuldade em sair como transportes públicos, ambientes cheios, cinemas, concertos, entre outros que gerem o mesmo tipo de sensação – desconhecimento, dificuldade na fuga ou de ajuda em caso de necessidade”, começa Catarina Canelas Martins.
Somos todos vulneráveis?
“As mulheres são as mais afetadas por esta perturbação, sobretudo em idades jovens como a adolescência e o início da idade adulta. Verifica-se, contudo, nas várias faixas etárias e em ambos os sexos”, elucida a psicóloga, pelo que a maior parte das pessoas desenvolvem um quadro de agorafobia depois de um ou mais ataques de pânico.
Assim, a pessoa com agorafobia poderá experienciar sintomas semelhantes a um ataque de pânico (coração acelerado, náuseas, tonturas, alterações intestinais) como forma de expressar o seu medo.
Para que perceba melhor, esta sintomatologia pode surgir como antecipação da situação que se teme, por exemplo, ir a um centro comercial. Com o medo de despoletar um novo ataque de pânico, de cada vez que há uma deslocação aqui, este local passa a ser evitado.
Alguns sintomas específicos
• Medo de sair de casa por períodos longos;
• Medo de perder o controlo num espaço público;
• Medo de estar sozinha numa situação social;
• Medo de estar em locais onde possa ser difícil de escapar (elevadores, concertos, carro);
• Desligamento relacional;
• Ansiedade;
• Agitação.
Qual é a explicação para que isto aconteça?
Ou seja, porque é que certas pessoas desenvolvem esta patologia e outras não?
Sem dúvida que, para quem está por fora, se torna um quadro bastante difícil de conceptualizar. Este não é, no entanto, um problema exclusivo da agorafobia ou das perturbações da ansiedade, mas antes, diria mesmo, comum a toda a saúde mental.
Apesar das causas não serem totalmente conhecidas, existem, e Catarina Canelas Martins dá-nos três situações possíveis e estudadas cientificamente:
• Genética. Pessoas com elementos na família que têm agorafobia sofrem um maior risco de desenvolver a perturbação;
• Orgânica. Parece estar relacionada com os centros cerebrais de resposta ao medo;
• Comorbilidade. A associação com outras patologias, neste caso, outras perturbações de ansiedade como a perturbação de pânico, por exemplo.
“Alguns fatores de risco que podemos salientar são eventos de vida mais desgastantes, como morte de familiares próximos, fim de um relacionamento, abuso sexual, assédio”, acrescenta a terapeuta, concluindo que “pessoas que apresentam características mais ansiosas apresentam uma maior probabilidade para desenvolver agorafobia”. Algo que por esta altura já desconfiávamos.
Ora, para resumir, neste momento, o que já sabemos, e de forma a organizar a informação mais recente, tornou-se importante a seguinte distinção.
Diferença entre ataque de pânico, perturbação de pânico e agorafobia
“Todas têm em comum o medo e a ansiedade, mas podemos dizer que são várias faces do medo” pelo que o ataque de pânico está na base. Algo que poderá perceber melhor aqui.
Basicamente, “perante certa situação, a pessoa começa a sentir um medo e ansiedade extremos, o que lhe gera sensações excessivamente desconfortáveis e para as quais procura uma explicação mais ou menos racional” orienta-nos a psicóloga sobre o ataque de pânico.
“Evoluímos então para uma perturbação de pânico, quando os ataques de pânico começam a surgir de forma recorrente em determinadas situações, com reações de medo extremas e, muitas vezes, desproporcionais à situação real e com sintomas físicos intensos”
Depois, quando devido a esses mesmos ataques de pânico a pessoa começa com evitamentos frequentes das situações que lhe causam medo e ansiedade – ao imaginar que se pode sentir mal e que pode precisar de ajuda – tem-se então a agorafobia.
No limite, pode-se evoluir para casos de reclusão total, onde a pessoa não sai de casa de todo com medo de que se desencadeie uma situação de pânico. Situações simples como sair para beber um café, ir trabalhar ou à faculdade, ou ficar sozinho em casa, podem ser um desafio extremo.
Apesar de tudo, é importante salientar que existe, na classe científica, uma separação entre perturbação de pânico e agorafobia, visto que algumas pessoas com agorafobia não apresentam sintomas de pânico.
Porquê a expressão “medo do medo”?
O “medo do medo” é comum em qualquer perturbação de ansiedade. A ansiedade tem por base a emoção de medo.
Quando antecipamos uma situação que tememos, sentimos um medo que nos gera ansiedade. Quando esta ansiedade se manifesta em doses equilibradas é adaptativa para a nossa vida. Precisamos mesmo dela para agir.
Agora, quando esta ansiedade é desproporcional à situação que temos à nossa frente, aí pode paralisar-nos e é prejudicial. Neste caso, uma das opções – ninguém disse que era uma boa opção – que escolhemos pode ser o evitamento dessa mesma situação.
Ora, “quando experienciamos pela primeira vez sensações físicas desagradáveis associadas ao medo e ansiedade, as quais muitas vezes racionalmente não conseguimos compreender, começamos a temer a possibilidade de nos sentirmos assim novamente”, explica-nos a psicóloga.
Assim, passamos a “ter medo de ter medo” uma vez que o que se gera na nossa mente e corpo é tão forte, “uma escalada incontrolável de pensamentos limitadores e sintomas físicos intensos”, que não queremos senti-lo de novo.
Tratamento e prevenção
O tratamento aqui passa por uma abordagem, muitas vezes, multidisciplinar. Isto é, geralmente, alia-se a psicologia e à psiquiatria.
No caso dos fármacos, estes podem ser necessários para controlar a sintomatologia ansiosa e, por vezes, depressiva mesmo.
Já na psicoterapia, o indivíduo “irá aprender a identificar as suas emoções, compreendê-las, reconhecer os seus recursos para lidar com elas e desenvolver estratégias para lidar com os momentos de maior ansiedade”, desenvolve a terapeuta.
“Espera-se que ao longo desse processo a pessoa comece a diminuir os episódios de pânico e compreenda como funcionam os ciclos do medo e da ansiedade” conclui prontamente.
Catarina Canelas Martins ressalva ainda que a terapia Emdr pode ser uma abordagem terapêutica com um papel muito útil nos casos de pânico e agorafobia.
Aqui, o objetivo é “dessensibilizar e reprocessar eventos traumáticos de forma adaptativa através dos movimentos oculares”. Capacita-se a pessoa não só a lidar com os eventos que lhe causam medo, mas também com futuras situações geradoras de ansiedade.
Quanto à prevenção, a terapeuta é peremptória: “a este nível, o que pode ser feito é o mesmo que para qualquer pessoa que queira estar em equilíbrio mental e emocional. Estar atenta às suas emoções, conhecer-se e ter atividades que promovam este equilíbrio, como desporto ou como a meditação”.
“Estar ansioso é normal! Deixar que a ansiedade e o medo dominem a nossa vida, limitando-nos, não!”.
Conhece alguém a passar pelo mesmo?
A terapeuta começa por nos avisar do que não funciona. Em primeiro lugar, “não irá ajudar incentivar a pessoa a sair de casa sem um apoio terapêutico pois poderá desencadear ainda mais medo e evitamento”.
Nesse caso o que fazer?
“Se está perto de alguém que sofra de um medo intenso, com ou sem ataques de pânico, que evita situações pelo desconforto de as enfrentar, ajude-a a perceber que pode e merece viver de outra forma e que para isso poderá ser necessária uma ajuda técnica”.
“Ajude a desconstruir a procura de apoio psicológico, desmistificando os medos e receios que a pessoa sente e incentivando, por exemplo, facilitando contactos de terapeutas ou oferecendo-se para ir com a pessoa às consultas”, conclui prontamente.
Visto que uma barreira grande poderá ser esta mesma deslocação às consultas, o formato online poderá ser uma ótima solução para iniciar o processo.
Confiança no processo
Finalmente, terminamos a nossa conversa certas de que lhe conseguimos passar as bases para que saiba com o que está a lidar ou para auxiliar alguém a sofrer desta patologia. Mas ainda não nos sentimos plenas, pedimos então uma mensagem de esperança, diretamente para si, leitora. Catarina Canelas Martins não nos falha.
“O contacto que vou tendo com pessoas que sofrem desta perturbação, faz-me estar bem consciente das dificuldades e até desespero sentido. Sei que é desafiador e assustador. Mas existem soluções. Permita-se ter as rédeas da sua vida nas suas mãos e escolher um caminho de libertação e harmonia. É possível!”