O sono das crianças é essencial para o seu crescimento. Conheça estas estratégias
É disto que as nossas crianças precisam. Não há receitas milagrosas, e a vida acelerada dos pais dificulta todo o processo, mas as rotinas são muito importantes para boas noites de sono dos mais pequenos. Quando isso não acontece, a fatura paga-se na adolescência e na vida adulta.
As crianças portuguesas dormem menos do que a média das de outros países europeus. Isto acontece porque se deitam mais tarde, há um abandono precoce das sestas, levantam-se cedo e, ao fim de semana, deitam-se ainda mais tarde.
Um quadro preocupante, que nos é descrito por Andreia Neves, cardiopneumologista especializada em Sono Pediátrico e autora do livro O Sono do Meu Bebé (Ideias de Ler), que avisa ainda que a pandemia piorou a situação e que as consequências da privação do sono para a saúde são muitas e serão, sobretudo, sentidas na adolescência ou na idade adulta.
Questão comportamental
Tal como os adultos, as crianças podem ter doenças de sono, embora, salienta Andreia Neves, “a maior parte das dificuldades tenha origem comportamental – diria que 80 a 90% dos casos – ou está associada à idade. Muitos pais dizem-me que o bebé dorme mal, porque acorda duas a três vezes durante a noite, mas isso pode ser um padrão normalíssimo para a idade. Não se pode desvalorizar tudo, mas é pouco real achar que até 1 ano de vida a criança durma uma noite inteira. Não significa que não aconteça, mas não é comum”.
Quando é que os pais devem, então, preocupar-se? “Quando, aos 2-3 anos, a criança dorme mal, ou seja, acorda várias vezes durante a noite, chora para dormir ou tem dificuldade em adormecer. Geralmente, isso deve-se a questões comportamentais, rotinas desajustadas, falta de ferramentas de sono”, salienta a cardiopneumologista com especialização em Sono certificada pela Sociedade Europeia de Investigação em Sono.
O primeiro contacto, diz Andreia Neves, deve ser feito com o médico pediatra que acompanha a criança; caso o problema persista, deve procurar ajuda na especialidade de Medicina do Sono.
“Cuidado com os pseudoespecialistas. Os problemas de sono devem ser tratados por um profissional de saúde com especialização em Medicina do Sono, que podem ser médicos ou técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica das áreas da Cardiopneumologia e Neurofisiologia”, avisa.
Chegar tarde
O estilo de vida atual tem muita influência no sono dos mais pequenos. “O que assistimos é que as crianças têm de se adaptar ao ritmo dos pais em vez do contrário. Nós, adultos, temos um dia mais longo do que o das crianças. Um dia de uma criança, dependendo da idade, deve ser dividido em períodos de 12 horas, ou seja, se a criança acorda às 8h da manhã, a hora ideal para se deitar é entre as 20h e as 20h30”.
O problema, continua a especialista, é que é essa a hora a que muitos pais chegam a casa. “As estatísticas mais atuais dizem que as crianças portuguesas se deitam, em média, uma hora mais tarde do que a média europeia e abandonam a sesta mais cedo. Se compararmos os horários laborais da população portuguesa com a alemã ou a britânica, vemos que se sai mais tarde do trabalho cá e, claro, que isso tem um impacto muito grande no sono dos nossos filhos”.
Andreia Neves aponta ainda outro problema: a pouca preparação para a parentalidade. “Apesar de cada vez mais os casais se prepararem para ser pais, há ainda a tendência de que é algo instintivo, mas não é bem assim. Há ainda a mentalidade de que são as crianças que têm de se adaptar aos adultos, mas na verdade tem de haver cedências de parte a parte, sendo que no primeiro ano de vida têm de ser os adultos a adaptar-se à criança”, sublinha.
Sestas precisam-se
Fazer a sesta é benéfico, mas pelo que vê nas suas consultas, Andreia Neves refere que há um abandono precoce da sesta da manhã nas creches, após os bebés fazerem 1 ano. “Isso faz com que fiquem com padrões de sono desajustados, porque só dormem a seguir ao almoço e, ao fim da tarde, já estão cansados e, se dormirem por volta das 18h, já se vão deitar mais tarde. Outro aspeto relevante é que depois dos 2 anos e até irem para a escola devem fazer sempre a sesta e isso também não acontece”, alerta a especialista em sono pediátrico.
Tal como dissemos no início deste artigo, a pandemia aumentou os problemas de sono infantil. “Ainda não temos dados científicos que possam comprová-lo, mas, pela minha experiência clínica e por aquilo que tenho comentado com colegas, a pandemia agravou um quadro já preocupante. Foi um contexto difícil para todos, o tempo de ecrã dos miúdos disparou, houve uma perda de rotinas e não me lembro de ter tantas crianças com 6 e 7 anos com ansiedade, insónias e medo da morte”, refere Andreia Neves.
A privação de sono tem um impacto muito significativo na saúde e no desenvolvimento das crianças
A importância do sono
Olhemos agora para as patologias do sono. As mais comuns são os distúrbios respiratórios (apneia obstrutiva do sono e síndrome de resistência da via aérea aumentada) e a síndrome das pernas inquietas, como afirma a nossa entrevistada.
Há outras, como os terrores noturnos, sonambulismo, bruxismo, falar durante o sono e insónia, mas são menos frequentes. “A insónia infantil é mais comum acima dos 5 anos”, realça Andreia Neves, que diz ainda que “se a criança ressona, dorme com a boca aberta, tem um sono inquieto e de má qualidade”, deve ser avaliada.
Não podemos esquecermo-nos de que é durante o sono que o cérebro se desenvolve, que a aprendizagem e a memória se consolidam, que se produz energia, que o metabolismo é regulado… No entanto, o sono é constantemente desvalorizado em qualquer idade. A privação de sono tem um impacto muito significativo na saúde e no desenvolvimento das crianças. Andreia Neves gosta de “dar o exemplo do tabagismo para que as pessoas percebam. Uma pessoa que começa a fumar não vê o impacto negativo na saúde imediatamente. E o problema da privação de sono é esse e é porque não vemos as suas consequências que o sono é tão desvalorizado”.
Em algumas crianças verifica-se, continua a especialista, “um impacto imediato no humor e no temperamento, mas muitas das consequências da privação de sono aparecem na adolescência e na idade adulta”.
“A perturbação de hiperatividade e défice de atenção está altamente relacionada com a privação de sono e ausência de rotinas na infância, mas a longo prazo também aumenta a predisposição para a obesidade, hipertensão, diabetes e alterações endócrinas”, remata Andreia Neves.