“Passei grande parte da minha vida a omitir que estava com enxaqueca”
Inês Carvalhão tem 61 anos, é psicóloga e sofre de uma das doenças mais comuns do sistema nervoso. Conta, na primeira pessoa, como é viver com cefaleias e de que forma esta condição afeta a sua vida.
Saber viver com cefaleias é uma aprendizagem ao longo da vida. Uma coisa é verdade, rouba-nos muitos momentos, sejam eles de trabalho, vivência em família ou lazer. É não poder planear nada com 100% de certeza, porque nunca sabemos quando vem a enxaqueca/cefaleia. É invisível aos olhos dos outros e altamente imprevisível.
Os fatores que podem despoletar uma crise são inúmeros. Pode ser uma alteração da rotina, dormir de menos ou demais, alguns alimentos, estar muito tempo sem comer, stresse, alguns cheiros mais intensos, dias nebulosos, muito calor ou muito frio, extremo cansaço, etc. Seria impossível enumerá-los todos, até porque variam de pessoa para pessoa.
No meu caso específico, acontecem muitas vezes ao fim de semana e nas férias. Nas férias é pior, porque a mudança de hábitos e rotinas é maior.
Tenho muitas vezes crises a meio da noite, e o processo é complicado: tenho de me levantar e tomar a medicação SOS até passar, para depois me poder voltar a deitar. Quando acabo por adormecer já são horas de acordar para ir trabalhar.
Também pode acontecer estar a trabalhar, ficar com cefaleia e ter de tomar a medicação SOS, que apesar de fazer passar a crise tem imensos efeitos secundários, entre eles ficar com o discurso pouco fluente, dificuldade em articular as palavras, uma sonolência enorme, náuseas, etc.
Passei grande parte da minha vida a omitir que estava com enxaqueca para não ser “aquela chata que está sempre com dores de cabeça”. E aprendi a viver com isso, tomando alguns cuidados para evitar os rastilhos que podem causar uma crise. Ainda assim, tenho uma média de 16/17 crises por mês.
Em situação de crise ou pós-crise, é absolutamente essencial parar e descansar um pouco, num ambiente calmo, sem luzes ou sons fortes, e nem sempre é possível. Já tive enxaqueca em dias de exame ou quando estudava para um exame ou para um teste, em entrevistas de trabalho, no dia de Natal ou de aniversário, em viagens de trabalho ou lazer, entre outras circunstâncias.
A maior parte das pessoas que nos rodeiam não sabem o que é esta sensação e acham que é apenas uma dor de cabeça e, na realidade, não é. É uma patologia neurológica, diagnosticada por especialistas na matéria e que pode e deve ser medicada para melhorar a qualidade de vida de quem sofre com esta doença.
O que fiz para ter uma vida melhor
Aprendi também que há coisas que podemos fazer para melhorar a nossa qualidade de vida, como por exemplo: fazer exercício físico, aprender a respirar melhor e evitar certos alimentos, bebidas e determinados ambientes. Gerir o stresse também é muito importante. Por vezes, devemos saber parar antes da situação se agravar ainda mais ao ponto de se tornar ingerível.
Isto nem sempre é fácil, mas passa por sensibilizar as pessoas que nos rodeiam de que esta patologia existe e que passa por alterar algumas condições ambientais para aliviar esta situação.
O mais importante é legitimar a doença, dando-lhe um nome reconhecido como sendo do foro neurológico, que não tem cura, mas tem tratamento, com medicamentos mais específicos e melhores que tornam o nosso dia a dia um pouco mais tolerável.
Assim, é muito importante que as pessoas se juntem para dar voz a quem sofre desta patologia. Foi neste contexto que apareceu a MiGRA PORTUGAL – Associação de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias -, que esperamos que consiga chegar a todos aqueles que podem, e devem, procurar ajuda especializada para melhorar esta condição e consequentemente as suas vidas.