Talvez a grande maioria das mulheres desconheça esta palavra: lipedema. Eu desconhecia. Vem do grego lip (gordura) + edema (inchaço), e é na sua definição uma deficiente distribuição da gordura corporal, que muito pouco tem que ver com o estilo de vida que se tem. É também por isto que escrevo sobre o tema, porque informação é poder e as coisas têm que ser faladas para desconstruir o preconceito que vem, na maioria das vezes, da ignorância.
Não é fácil distinguir uma pessoa que tenha peso a mais de uma pessoa que tenha lipedema, porque ambas apresentam um aumento do volume corporal. Na verdade, a própria pessoa que sofra desta disfunção pode viver vários anos ou até mesmo a vida inteira sem ter conhecimento dela.
É uma doença crónica que afeta quase em exclusivo as mulheres, por causa da estrutura dos tecidos femininos ser diferente da dos homens, e quase sempre também por questões hormonais.
Lipedema vs. obesidade: a diferença que não salta à vista
O desporto nem sempre fez parte da minha vida e só quando comecei a chegar à fase da adolescência é que comecei a praticar mais exercício. No entanto, importa aqui dizer que desde essa altura, sempre fiz desporto e sempre notei que por mais que treinasse, havia certas partes do meu corpo que pareciam não acompanhar a evolução.
Por outras palavras, parecia que fazer exercício ou não fazer adiantava bola, zero. À parte de ficar frustrada, limitei-me a aceitar e continuei a fazer exercício, fosse ginásio ou na rua, porque gostava e me sentia bem com isso.
Uns anos mais tarde, porque acredito que há certas coisas que estão reservadas para percebermos mais lá à frente, em conversa com uma amiga por causa do problema de circulação que ambas partilhamos (coisa tão linda de se partilhar, hã?), falou-me num médico, um dos melhores, senão o melhor na área da cirurgia vascular, o Dr. Albino Pereira, com quem ela tinha feito secagem de derrames há uns anos.
Marquei uma consulta e assim que me despi e o senhor pôs os mirones nas minhas ricas pernas, proferiu as seguintes palavras: a menina tem lipedema.
Apertou-me algumas zonas das pernas e braços e perguntou-me se doía. Doía, sim, disse-lhe. Mandou-me vestir, enquanto se sentava ao computador e juntava alguns folhetos que me entregou.
O Dr. Albino explicou-me que o lipedema é, como já referi, uma disfunção na distribuição da gordura que praticamente só toca às mulheres. Maravilha.
Pensa-se que haja uma predisposição genética – embora não haja certezas – que depois tem tendência a desenvolver-se com um quadro hormonal que se altera em determinadas alturas da vida: puberdade, gravidez, menopausa.
O que acontece com o lipedema é que as células adiposas (de gordura) doentes se concentram em determinadas zonas do corpo e estas zonas são sensíveis à pressão, causando dor quando pressionadas e originando hematomas (as vulgares nódoas negras) com grande facilidade.
Sintomas do lipedema
Numa primeira fase da doença (existem 3 estádios, I, II e III), o lipedema tende a manifestar-se na zona abaixo do umbigo: rabo, anca e pernas, podendo evoluir para os braços numa fase mais avançada.
Precisamente por ser, muitas vezes, confundido com obesidade, costuma ser diagnosticado numa fase já algo avançada, mas deixo-vos alguns sintomas – internos e externos – que podem ajudar-vos numa autoanálise (que nunca dispensa a consulta por um especialista).
Sintomas internos
- Sensibilidade extrema ao toque;
- Dor quando pressionada a zona;
- Sensação de pernas pesadas por causa do aumento do tecido adiposo e da concentração de líquidos.
Sintomas visíveis
- Manifesta-se nas duas pernas/ braços e os pés/ mãos não sofrem alterações, não apresentando inchaço;
- A pessoa com lipedema parece que tem dois corpos: a parte de cima estreita e a parte inferior do corpo é visivelmente mais volumosa (pode ser facilmente confundido com um corpo em forma de pera);
- Tendência para telangiectasias (derrames) na lateral da coxa;
- Ocorrência frequente de hematomas (que na maior parte das vezes, não sabemos como foram causados porque não batemos em lado nenhum. Acontece que, neste caso, basta um toque com uma pressão ligeiramente mais forte para que surja uma nódoa negra);
- O desporto, uma alimentação saudável, ou até mesmo dietas radicais não produzem o efeito desejado nas células doentes, apenas nas células saudáveis do corpo (o que não significa que não valha a pena na mesma manter hábitos saudáveis).
Possíveis tratamentos
Um diagnóstico precoce é de extrema importância para que estejamos informadas e possamos controlar a doença, uma vez que é crónica.
Apesar de não ter cura, existem cuidados que podemos e devemos ter para vivermos o melhor possível com isto, como ter um estilo de vida saudável, que passa naturalmente por uma alimentação rica em nutrientes, proteína e hidratos de carbono complexos e evitando os alimentos processados, fritos, doces, etc, e claro, o exercício físico.
No caso das pessoas que tenham lipedema num estado mais avançado, as caminhadas e exercício debaixo de água são os mais indicados, uma vez que a corrida ou outros desportos de impacto contribuem para um maior inchaço das zonas afetadas.
Aliados a uma alimentação saudável e ao desporto, existem alguns tratamentos que ajudam a não deixar progredir a doença, como a terapia descongestiva combinada, drenagem linfática manual (neste caso, é preciso que informem o profissional acerca do lipedema para que haja moderação e ajuste na prática da drenagem, uma vez que a fragilidade vascular associada pode provocar hematomas e até o rompimento de alguns derrames mais superficiais).
Existe também a terapia de compressão auxiliar, vulgarmente conhecida por “meias de compressão”, que reduz a pressão sobre as veias e favorece o correto retorno sanguíneo. São muito chatas de calçar, mas vale a pena o esforço.
Para casos extremos, a cirurgia de lipossucção, ou lipoaspiração, pode ser um recurso, mas apenas e só o médico especialista poderá dizer se é indicado para o vosso caso ou não.
De um ponto de vista geral, não se pode dizer que é uma doença grave. Gosto de pensar assim e de ver o copo meio cheio. Não é fatal, por isso, há sempre alguma coisa a fazer. Agora, que não é bonito, lá isso não é.
É doloroso, é desconfortável e para quem tem sem saber que tem, conduz muitas vezes, num estado avançado da doença, a um agravamento da dificuldade da mobilidade que, posteriormente, pode levar a complicações nas articulações. Não raras vezes, leva igualmente a depressões pela frustração e angústia de não se compreender o que se passa com o nosso corpo.
Da minha parte, posso dizer-vos que tenho lipedema há uns bons anos, mas só fui diagnosticada há cerca de um. Faço uma alimentação o mais saudável possível e algum exercício sempre que posso.
Se tem os mesmos resultados que vemos em pessoas sem lipedema? Não, não tem, mas todos os hábitos saudáveis que tenho tido têm-me ajudado a não deixar evoluir a doença para o estádio seguinte.
As meias de descanso e compressão ajudam imenso e as caminhadas e corrida têm efeito nas partes saudáveis do corpo, o que por sua vez, como somos um todo, ajuda a regular o volume corporal.
Aceitar o que não podemos mudar e trabalhar para mudar aquilo que podemos. O resto, é lidar.