Tudo o que sempre quis saber sobre contraceção, mas nunca teve coragem de perguntar
O ginecologista Daniel Pereira da Silva deixa a nu tudo o que precisamos – e devemos – saber sobre uma das partes menos sensuais, mas mais necessárias, do sexo: a contraceção.
Informação é poder. E, no que diz respeito a sexualidade, não podia ser uma verdade maior. O problema é que, dado o estigma que continua a existir em torno desta temática – que não é mais do que saúde e empoderamento -, é escassa a que chega às nossas mãos.
Sem preconceitos ou tabus, perguntámos ao ginecologista Daniel Pereira da Silva tudo o que precisamos de saber sobre contraceção. Provavelmente, serão questões que sempre quis perguntar, mas teve demasiada vergonha para o fazer.
Claro que há respostas, não só sobre os métodos contracetivos mais comuns (falamos do preservativo e da pílula), como os que nem sempre nos vêm à cabeça quando pensamos em formas de proteção, desde o DIU ao anel vaginal.
Tudo o que precisa de saber sobre contraceção
A toma de antibióticos ou antidepressivos tem influência no efeito da pílula?
Os antibióticos de uso corrente não interferem com a eficácia da pílula, salvo quando se associem a diarreia, o que pode comprometer a absorção e eficácia do medicamento.
O álcool “corta” o efeito da pílula?
O consumo de bebidas alcoólicas às refeições, em quantidades moderadas, não modificam a eficácia da pílula. A questão principal são os excessos, que podem induzir vómitos com redução da eficácia, e potenciar efeitos tóxicos no fígado e alguns metabolismos.
Caso vomitemos, enquanto tomamos a pílula, diariamente, o medicamento perde o efeito?
Após a toma da pílula, os vómitos podem comprometer a eficácia, se ocorrerem nas 2 horas seguintes. Após esse período, a eficácia não fica comprometida, porque a absorção do medicamento está garantida. Também se deve dar atenção à diarreia, que se for intensa, pode igualmente comprometer a absorção e eficácia da pílula.
A pílula tem de ser tomada sempre à mesma hora?
O limite consagrado para o atraso na toma da pílula, sem perda de eficácia, são 12 horas, embora as pílulas mais recentes pareçam ter um intervalo que pode chegar às 24 horas. No caso referido, o atraso é inferior a 12 horas, pelo que basta tomar a pílula “esquecida” e voltar a tomar a pílula seguinte na hora habitual.
O atraso na toma superior às 12 horas consagradas tem duas implicações importantes: pode comprometer a eficácia e o controlo do ciclo, ou seja, pode aparecer perda de sangue fora da altura expectável.
Existe um limite para a toma de pílula do dia seguinte?
Existem dois tipos de pílula para a contraceção de emergência, uma com levonorgestrel e outra com acetato de ulipristal. A primeira é uma hormona próxima da progesterona natural, a segunda é uma molécula que bloqueia a ação dessa hormona.
A primeira pode ser repetida no mesmo ciclo ou em ciclos seguintes, se necessário. Com a segunda, existem mais reservas quanto à repetição.
Note-se que a repetição é sempre de evitar, mesmo com o levonorgestrel. Este tipo de pílulas, de emergência, são um bom recurso para evitar uma gravidez não desejada, mas não devem substituir a contraceção regular, até porque têm uma eficácia muito inferior.
Preservativos de sabor: são apenas para usar durante sexo oral ou podem igualmente ser utilizados durante sexo vaginal ou anal?
Naturalmente, o sabor é um sentido da cavidade oral, o que não quer dizer que os preservativos com sabor se destinem exclusivamente ao sexo oral.
Os jovens, ao iniciar a sua vida sexual, devem preferir preservativos ditos normais e deixar os mais finos para depois? Isto é, os preservativos finos são menos seguros para os mais inexperientes?
Os preservativos mais indicados são os de látex, porque são os de maior resistência e os que melhor protegem contra as infeções de transmissão sexual. Os preservativos de poliuretanos e outros materiais são mais grossos, mas nem por isso mais resistentes. Portanto, devem ser reservados às pessoas alérgicas ao látex.
A dupla contraceção (aliar, por exemplo, o preservativo e a pílula) torna a probabilidade de o casal engravidar nula?
Para os adolescentes, recomenda-se o uso dos dois métodos em simultâneo, pelo facto de as relações não serem, muitas vezes, estáveis e, principalmente, porque as jovens não têm a experiência e a disciplina necessária para o uso correto da pílula.
Quando tomada corretamente, a pílula tem uma eficácia muito elevada – num grupo de 1000 mulheres com o uso correto durante 13 ciclos seguidos (1 ano), ocorrem dois a três casos de gravidez.
Porque é que a maioria das pessoas utiliza o preservativo e/ou a pílula e não coloca em cima da mesa nenhuma das alternativas?
Todas as alternativas devem ser consideradas, mas, acima de tudo, a mulher deve manifestar as suas expectativas, o que pensa e o que pretende.
Ao médico cabe ouvir, esclarecer e aconselhar, no contexto da história clínica da mulher, tendo em conta o que pretende. Existem opções muito diversificas e todas devem ser consideradas, mas a decisão deve ser partilhada.
Sente-se o DIU durante as relações sexuais?
Em princípio, não. Não é suposto dar pela presença do dispositivo. Quando isso acontece, impõe-se uma consulta de revisão, pois os fios de referência podem ter de ser ajustados ou qualquer outra situação pode ter de ser corrigida.
Depois de colocar o DIU ou SIU, o ciclo hormonal sofre alterações?
Existem dois tipos de dispositivos intrauterinos: o de cobre e o libertador hormonal (levorgestrel), também designado por SIU.
Ambos atuam como dispositivos dentro da cavidade uterina (ou seja, como corpo estranho), mas o de libertação hormonal tem a ação suplementar dessa hormona, muito semelhante à progesterona natural. Por isso, faz toda a diferença no “ciclo hormonal”.
O dispositivo de cobre não interfere no funcionamento dos ovários e provoca uma reação inflamatória na cavidade uterina, o que pode levar a que a menstruação seja um pouco mais alongada.
O SIU tem doses de libertação hormonal muito diversas, os de maior concentração provocam inibição da ovulação em 20% dos casos e atrofiam a camada funcional que dá origem à menstruação (endométrio), o que resulta numa redução ou mesmo ausência da menstruação em muitos casos.
Essa característica pode ser da maior importância para as mulheres que têm menstruações abundantes.
Os contracetivos hormonais diminuem a fertilidade ao longo do tempo, o que torna o processo de engravidar mais difícil depois de paramos de os utilizar?
Os contracetivos hormonais não reduzem a fertilidade após o seu uso, por mais longo que seja. Isso é um mito, que não tem nenhuma fundamentação científica.
Quais os contracetivos que têm influência no desejo sexual? De que forma podemos contornar esse efeito (secundário)?
O desejo sexual é multifatorial e tem mais a ver com a nossa personalidade, com as nossas vivências. Os estudos demonstram que as mulheres que veem o desejo sexual afetado quando usam um determinado método ou uma determinada pílula são aquelas que já referiam dificuldades a esse nível anteriormente.
A razão é mais intrínseca, pelo que importa atuar a esse nível, estimulando a adoção de atitudes e comportamentos que estimulem o desejo sexual.
Isso não significa que não procuremos alternativas com menor impacto hormonal, nomeadamente a nível dos androgénios circulantes. A simples mudança pode criar um novo contexto e favorecer outros comportamentos.
Se nos esquecermos de colocar o anel vaginal no primeiro dia do período, podemos colocá-lo no dia seguinte ou devemos esperar apenas pelo mês seguinte?
O anel só precisa de ser colocado no primeiro dia do ciclo quando se inicia o seu uso e quando se pretende que a eficácia contracetiva seja imediata.
Pode ser colocado mais tarde e, nesse caso, basta que se respeitem sete dias de uso para a eficácia contracetiva ficar garantida.
As relações nesses sete dias devem ser protegidas com o uso de preservativo. Entre os anéis, as pausas devem ser de sete dias, independentemente dos dias da menstruação.
Na pausa de sete dias entre a utilização do anel vaginal, é seguro (de uma perspetiva de quem não quer engravidar) praticar relações sexuais sem recurso a mais nenhum contracetivo?
Sim, para o anel vaginal, pílula e adesivo, não há risco de gravidez, se houver relações nos dias de intervalo, desde que o uso do método no ciclo seguinte comece no dia correto.