“O meu nome é Catarina, 26 anos, e tenho endometriose e adenomiose”

O meu nome é Catarina, tenho 26 anos e tenho endometriose e adenomiose. Tratam-se de doenças crónicas que, para além de terem nomes muito estranhos, podem manifestar-se através de sintomas tão debilitantes quanto normalizados.

Por Set. 13. 2018

Foi quando menstruei pela segunda vez na minha vida que senti as primeiras dores menstruais. Sentia que o meu corpo se desfazia por dentro, quase como se tivesse lâminas de liquidificadora a percorrerem-me desde os rins até à parte de cima das coxas.

Creio que, de início, queixava-me ativamente do sofrimento que sentia. Mas, à semelhança de tantas outras mulheres, comecei a “aprender” que:

• esta tortura faz parte de ser-se mulher;
• algumas têm menos sorte que outras no grau de dor;
• há muita gente que sente estas dores e não é o fim do mundo.

Ao longo do tempo percebi que isto era de facto normal e, para poder ter alguma qualidade de vida de cada vez que menstruava, comecei a tomar a pílula.

Até que, aos 25 anos, quando optei por deixar a pílula, descobri que tinha estado enganada o tempo todo: as minhas cólicas eram, na verdade, um sintoma, que se fazia agora acompanhar de muitos outros que nunca tinha sentido na vida.

O que é a endometriose?

A endometriose é uma doença crónica, benigna, que afecta 1 em cada 10 pessoas com sistema reprodutor feminino. É extremamente complexa por variados motivos: ninguém sabe porque ocorre, não existe ainda uma cura ou tratamento e pode ser muito difícil de diagnosticar.

Mas sabemos, pelo menos, em que consiste: todos os meses, durante a ovulação, o endométrio, que é uma camada que reveste o interior do útero, espessa. Se não houver fecundação, o endométrio descama no período menstrual.

Quando há crescimento de tecido semelhante ao do endométrio noutras partes do corpo, nomeadamente na zona pélvica, verifica-se a presença de endometriose. Isto significa que, para quem tem esta doença, este processo (espessamento-descamação) acontece não só no útero, mas também noutras partes do corpo (dentro da musculatura do útero no caso da adenomiose), podendo ser extremamente doloroso.

“Ao longo deste ano, tive de desaprender muita coisa e acho que isso foi o que mais me custou. Senti-me sozinha. Como é que tanta gente se queixa de períodos horrendos achando que isso é normal?”.

Embora em raros casos seja assintomática, a doença pode manifestar-se através de dezenas de sintomas, dependendo da pessoa.

Os sintomas mais comuns são as cólicas menstruais (sobretudo se forem piorando ao longo dos ciclos e apenas acalmarem com a toma de analgésico), fluxos muito abundantes, dor durante o ato sexual, alterações intestinais durante a menstruação (obstipação ou diarreia), sangramento anal, presença de sangue na urina, infecções urinárias recorrentes, dor lombar, dor pélvica crónica e/ou dor durante a ovulação.

Existe também um risco de infertilidade associado à doença e o meu maior sonho desde pequenina sempre foi ser mãe. Saí da clínica de lágrimas nos olhos.

Como é viver com endometriose?

Fui diagnosticada há um ano e, desde então, a minha vida mudou por completo.

Inicialmente, entrei em pânico – é que não é muito agradável receber uma sentença destas, principalmente se temos 25 anos e achamos que ainda temos os cartuchos todos por queimar. Não. Temos de aceitar que temos uma doença crónica e, pior ainda, que a medicina pouco pode fazer por nós quanto a ela.

Existe também um risco de infertilidade associado à doença e o meu maior sonho desde pequenina sempre foi ser mãe. Saí da clínica de lágrimas nos olhos.

Ao longo deste ano, tive de desaprender muita coisa e acho que isso foi o que mais me custou. Senti-me sozinha. Como é que tanta gente se queixa de períodos horrendos achando que isso é normal? Senti necessidade de abanar os ombros à sociedade e alertar que as dores menstruais não devem ser normalizadas porque podem ser sintoma de endometriose ou adenomiose.

Então comecei a trilhar um caminho de consciencialização. Comecei a estudar muito e criei O Meu Útero. Através do blogue e das redes sociais, transmito informação relativa à doença e a alternativas de tratamento de sintomas. Porque, apesar de não ser possível tratar a doença, existem várias formas de contornar os sintomas, como seja através da alimentação e da adopção de um estilo de vida saudável.

Rejeitei a toma da pílula e, surpreendentemente, as alterações que fiz ao meu estilo de vida fizeram regredir a maior parte dos meus sintomas.

Mudei drasticamente a minha alimentação, o que nem sempre é fácil. Às vezes gostava de poder sentir-me “normal”. Quando os sintomas atacam, tenho de cancelar compromissos e por vezes tenho de faltar ao trabalho.

Felizmente, no meu local de trabalho existe muita compreensão nesse aspecto, mas sei que não é uma realidade para todas as pessoas que sofrem desta doença – muitas vezes o emprego e até relações são colocados em causa.

Rejeitei a toma da pílula e, surpreendentemente, as alterações que fiz ao meu estilo de vida fizeram regredir a maior parte dos meus sintomas. A doença continua lá, eu sei, mas também sei que já está mais que na altura de nos levantarmos e de retaliarmos. Afinal, somos 177 milhões por todo o mundo.

Catarina Maia é a autora do blogue O Meu Útero. Estudou Comunicação Social e Cultural com a vertente de Jornalismo, com mestrado em Comunicação e Liderança. Agora, trabalha com Marketing Digital, sobretudo na criação de conteúdos digitais.

 


 

Sofre ou conhece alguém que sofra desta doença? Envie-nos o seu testemunho. Na verdade, as dores menstruais são mesmo comparáveis às de um ataque cardíaco.

Mais sobre mal-estar , testemunho