Sexo

Crónica. Casamentos infantis precoces e forçados

Aprenda a Saber Viver sem tabus. Todos os meses, a sexóloga Vânia Beliz promete falar abertamente sobre sexualidade, com o propósito de desmistificar questões associadas ao sexo e à intimidade, e para a fazer pensar e refletir sobre temas que podem, mesmo, mudar a sua vida.

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Crónica. Casamentos infantis precoces e forçados Crónica. Casamentos infantis precoces e forçados
© Getty Images
Vânia Beliz, cronista
Escrito por
Abr. 06, 2021

Tive a oportunidade de participar, no fim de março, num encontro que juntou mulheres de vários países com o objetivo de refletir sobre a prática dos casamentos infantis, precoces e forçados. E porque precisamos de falar sobre isto?

Em todo o mundo, também em Portugal, milhões de meninas são forçadas a casar. O casamento infantil, precoce e forçado é uma violação dos direitos das meninas que veem as suas vidas interrompidas para assumirem o papel de esposas, e logo de mães.

Muitas meninas são prometidas e casadas, uma grande parte delas com homens mais velhos, passando a viver uma vida frustrada e infeliz. Outras continuam a ser educadas para o casamento e a manter, desta forma, supostas “tradições” que normalizam estes percursos.

Em Portugal, existem meninas que saem da escola logo na primeira menstruação, altura em que muitas culturas as consideram “mulheres” capazes de formar uma família.

Após determinada idade, se a mulher não casa ou não tem filhos, é estigmatizada pela família e pela sua comunidade
Vânia Beliz Vânia Beliz

A pandemia revelou um retrocesso no combate ao casamento infantil. Muitos programas foram interrompidos e, devido ao agravamento das situações econômicas e consequente aumento da situação de pobreza, muitas famílias entregam as meninas em troca de um dote que muitas vezes serve para tirar a família de uma situação de pobreza extrema. Este sacrifício é encarado como uma necessidade e pesa no comportamento das meninas que se conformam com tal destino.

Uma das consequências destes casamentos precoces é a gravidez. Em muitas culturas, a mulher deve conseguir engravidar logo que possível após o casamento, provando desta forma ser fértil e mostrando o homem a sua masculinidade à comunidade.

Após determinada idade, se a mulher não casa ou não tem filhos, é estigmatizada pela família e pela sua comunidade. “Seca”, disseram-me um dia na Guiné porque não tinha filhos.

Assim, as que pretendem romper com este percurso acabam muitas vezes por ser afastadas e mal vistas perante a sua religião e cultura.

A gravidez precoce é uma das consequências graves destas uniões e é também uma das principais causas de morte materno-infantil.

Com corpos pouco desenvolvidos, uma gravidez pode colocar em risco ambas as “crianças”. A tradição não pode NUNCA ser um argumento para esta prática, como não o é para tantas outras.

As meninas não são objetos nem moeda de troca, e o aparente “consentimento” que por vezes parece existir é muitas vezes influenciado pela sua educação e por todas as consequências que experimentarão se não seguirem determinado caminho.

A verdade é que maior parte destas meninas teve mães e avós casadas também precocemente e, por isso, muitas acham que as suas filhas deverão ter o mesmo destino.

É importante fazer cumprir a lei em Portugal e não fechar os olhos porque simplesmente 'sempre foi assim'
Vânia Beliz Vânia Beliz

Em Portugal, os casamentos infantis têm aumentado desde 2015 e aproximam-se de uma média de 100 por ano (dados da PorData). Com autorização da família, o casamento é possível a partir dos 16 anos no nosso País, mas muitos acontecem em comunidades fechadas onde existem leis “próprias” que encontram todas as formas de contornar a lei.

É importante fazer cumprir a lei em Portugal e não fechar os olhos porque simplesmente “sempre foi assim”.

Em todo o mundo, as meninas e as mulheres são as principais vítimas deste crime que continua a perpetuar a diferença de oportunidades entre homens e mulheres. A maior parte, depois de casar, abandona a escola para se dedicar à nova família.

A escola é um espaço privilegiado de igualdade e liberdade, e este tema deve ser abordado desde cedo para ajudar os jovens a reconhecer a importância da educação.

Para proteger as meninas destas práticas, uma das melhores estratégias é o trabalho de promoção da igualdade e dos direitos das meninas e mulheres.

Desconstruir estereótipos é muito importante para que no futuro as meninas possam ser o que quiserem, sem obstáculos nem consequências.

Vânia Beliz licenciou-se em Psicóloga Clinica e da Saúde. Mestre em Sexologia e doutoranda em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil, na Universidade do Minho, participa em projetos no âmbito dos Programas de Educação para a Saúde (PES) e o Projeto de Educação Sexual “A viagem de Peludim”, para crianças. É autora do livro Ponto Quê?, sobre a sexualidade feminina, e de Chamar As Coisas Pelos Nomes, dirigido às famílias sobre como e quando falar sobre sexualidade.

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