A sexualidade feminina é complexa e desafiante, e a forma como fomos educadas para a sexualidade faz toda a diferença na forma como vivemos e priorizamos a nossa intimidade. A sociedade é castradora e o passado repressivo ainda deixa marcas.
Somos netas das mulheres que, para sair do país, tinham de pedir autorização aos maridos, e das mulheres a quem foi dito que cuidar do lar e dos filhos era o nosso território.
Viver a intimidade de forma livre não é uma coisa recente e, por isso, ainda são muitas as mulheres que têm dificuldade em falar de sexualidade como um direito e como algo positivo para a nossa vida e bem-estar.
O desejo sexual feminino não foi também, por isto, incentivado, e muitas de nós temos sentimentos contraditórios em relação ao que o sexo nos proporciona. Falar disso ainda é um tabu.
Como desejamos algo para o qual não fomos ensinadas? Como podemos desejar uma coisa que fomos, tantas vezes, incentivadas a reprimir?
Somos netas, também, das mulheres que nunca viram o seu corpo e que nunca souberam o que é prazer. Como podemos desejar algo que nunca experimentámos como bom?
Temos dificuldade em fantasiar, conhecemos mal o nosso corpo e ainda nos envergonhamos dele. Parece incrível como ainda achamos que podemos perder coisas dentro da vagina, ou que nos enganemos a identificar o nosso clitóris.
A forma como lidamos com o corpo também tem sido um obstáculo ao nosso desejo. Quando pergunto às mulheres se gostam de si, vejo-as desviar o olhar, vejo-as encher os olhos de lágrimas e até chorar.
Como podemos convidar alguém para o nosso corpo se temos dificuldade para nos encontrarmos nele?
Escuto mulheres cansadas, que sentem que lhes falta energia, que dividem o seu tempo com a maternidade, com as suas profissões desgastantes, pouco escutadas.
Escuto mulheres que se entregam à rotina e que sentem que pouco há a fazer. Mas há!
O desejo conquista-se. É importante desacelerar, reservar tempo para nos mimarmos, para estarmos com quem gostamos.
É tempo de dizer que gostamos, que sentimos falta, que queremos diferente. É tempo de fechar os olhos e viajar por cada centímetro de nós e para descobrirmos, sem culpa, as sensações dessa viagem.
É hora de marcar aquela consulta de nutrição, de voltar ao ginásio e deixar de procrastinar no sofá. De mudar o corte do cabelo, a cor, de comprar um vestido novo, ou uma roupa íntima mais atrevida. É hora de fazermos as pazes connosco, de nos priorizarmos e de convidarmos alguém para nós.
Nós somos as netas de quem não podia, de quem não teve essa oportunidade, mas nós temos essa liberdade, podemos fazer esse caminho. Vamos usá-la para conquistar o direito de vivermos uma intimidade mais feliz.
Nas próximos meses estarei aqui para escrever sobre sexualidade, para pensarmos e refletirmos juntas. Estarei aqui, por nós!
Vânia Beliz licenciou-se em Psicóloga Clinica e da Saúde. Mestre em Sexologia e doutoranda em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil, na Universidade do Minho, participa em projetos no âmbito dos Programas de Educação para a Saúde (PES) e o Projeto de Educação Sexual “A viagem de Peludim”, para crianças. É autora do livro Ponto Quê?, sobre a sexualidade feminina, e de Chamar As Coisas Pelos Nomes, dirigido às famílias sobre como e quando falar sobre sexualidade.