Crónica. Dignidade menstrual e a realidade para as mulheres portuguesas
A maior parte das mulheres menstrua 40 anos da sua vida e muitas ainda têm vergonha e nojo de falar do sangue que tantas vezes tentamos esquecer e ocultar.
No mês passado, a Escócia foi o primeiro país a disponibilizar produtos de higiene menstrual de forma gratuita às mulheres, e já o tinha feito primeiro nas escolas. A medida teve como principal objetivo minimizar a dificuldade no acesso a este tipo de produtos, reduzindo o que muitos chamam de “pobreza menstrual “.
Metade da população mundial é composta por mulheres e, se forem saudáveis, menstruarão durante longos anos. Dificilmente conseguimos imaginar como se vive a menstruação em ambientes vulneráveis onde o acesso à água e saneamento é quase inexistente.
Não ter acesso a coisas básicas que permitem a nossa higiene ainda é uma realidade em muitos países. Devido a estas dificuldades, as mulheres e as meninas vêm a sua participação social limitada.
Estima-se que uma em cada dez meninas não frequenta a escola durante a fase menstrual devido ao desconforto e medo de se sujarem.
Com a ausência de lugares privados para a prática da sua higiene, muitas mulheres são alvo de abuso e assédio e, para evitar constrangimentos, muitas preferem isolar-se.
Os tabus ainda estão muito presentes. Sabia que em muitas culturas as mulheres não tomam banho durante a menstruação? E que muitas acreditam que o seu sangue é venenoso?
Na Índia, as mulheres não podem entrar em templos sagrados enquanto sangram por serem consideradas impuras, e no Nepal ainda são isoladas durante os dias da menstruação, numa prática que já vitimou muitas meninas.
Menstruar com dignidade é um direito que muitas mulheres desconhecem. Imaginem terem de percorrer quilómetros com panos no meio das pernas, terem de fugir num cenário de guerra e menstruarem no caminho sem poderem fazer nada para se manterem limpas.
Parece um cenário impossível, mas não é.
Em Portugal, num estudo realizado em maio deste ano e em que participaram 445 mulheres, 10% da amostra classificou a sua primeira menarca (menstruação) como algo muito negativo. Durante a fase menstrual, 87% usa produtos descartáveis e apenas 9% faz uso do copo menstrual.
Ainda que longe da realidade das latrinas, muitas mulheres identificam dificuldades no espaço público. Ao que parece, as casas de banho não são “menstrual friendly”.
Quando questionadas sobre a importância de alguns itens nos wc públicos, 95% das mulheres refere a água para lavar as mãos como o mais importante, seguindo-se o papel higiénico, o caixote para os papéis e a fechadura nas portas. Relativamente ao que mais falta no espaço público, 58% refere o papel higiénico.
Um dado que serve para refletirmos é o facto de quase 17% das mulheres afirmaram ter dificuldades económicas na aquisição de produtos de higiene. Este dado importante veio mostrar como em Portugal importa que falemos das dificuldades que as mulheres passam no espaço público e de como comprar estes produtos pode não estar ao alcance de todas.
Quanto às raparigas, mais jovens, acredito que se tivessem participado no estudo nos dariam dados preocupantes sobre as condições existentes nas escolas, desde o papel higiénico quase sempre indisponível, as portas sem fechadura, o que não permite privacidade, a ausência de sabão, de toalhitas para a limpeza das mãos, etc.
É preciso trazer estes temas para fora do armário, conversar com as meninas e as mulheres. É preciso sensibilizar também os homens e os rapazes para que participem nesta nesta luta pela dignidade, pois esta é uma luta de todos.
Vânia Beliz licenciou-se em Psicóloga Clinica e da Saúde. Mestre em Sexologia e doutoranda em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil, na Universidade do Minho, participa em projetos no âmbito dos Programas de Educação para a Saúde (PES) e o Projeto de Educação Sexual “A viagem de Peludim”, para crianças. É autora do livro Ponto Quê?, sobre a sexualidade feminina, e de Chamar As Coisas Pelos Nomes, dirigido às famílias sobre como e quando falar sobre sexualidade.