O termo erotização precoce não é muito conhecido, mas é um conceito que merece cada vez mais a nossa atenção e preocupação. Consiste na “adultização” das crianças, fazendo com que tenham ou reproduzam comportamentos adultos, normalmente erotizados, que jamais deviam existir. Atingem principalmente as meninas, fazendo uso da sua inocência para banalizar os seus corpos e contribuindo para a sua objetificação.
Durante a quarentena, como investigadora na área da saúde infantil, tive oportunidade de contactar de perto com algumas realidades e este tipo de fenómenos não me pode passar ao lado.
Nas redes sociais, principalmente nas dirigidas aos mais novos, multiplicam-se as publicações onde se expõem fotografias e vídeos com conteúdos erotizados. Muitas imitam cantoras e coreografias conhecidas, mas desconhecem que esta exposição é um prato cheio para aqueles que procuram estes conteúdos, que se excitam e os divulgam nas mais estranhas plataformas.
A maior parte das famílias desconhece este tipo de publicações e os riscos. Uma menina de oito anos que se toca e canta frases com conteúdo sexual fica mais vulnerável aos crimes de violência sexual.
As crianças crescem muito rápido, diz-se, mas será que este crescimento não é acelerado por uma sociedade cada vez mais consumista?
O marketing e a publicidade já é controlado em alguns países que defendem a privacidade e a sua utilização das crianças para o consumo e erotização, mas é em ambientes como a moda e a música que parecem existir mais abusos.
De forma a corresponder aos desejos das crianças, a moda acelerou as suas linhas tornando-as mais adultas. É possível ler, em roupas para meninas, frases sedutoras e mensagens pouco próprias para a sua idade. As revistas infantis oferecem produtos de beleza, contribuindo para o estereótipo das meninas magras, claras, belas… das ‘princesas‘.
A música, seguida pelos mais novos, apresenta letras e coreografias ousadas que são cantadas, dançadas e repetidas, sem que as crianças percebam as suas verdadeiras mensagens, pior quando os artistas são até menores.
Parece que não há um programa ou uma revista em que o corpo feminino não seja mostrado. E esta valorização do corpo, claro, magro e perfeito, aumenta a frustração e é responsável por uma autoestima frágil que coloca as crianças em situação de vulnerabilidade.
É urgente quebrar estes padrões de erotização numa altura em que as crianças não sabem o que isso é. É urgente deixar de perguntar aos meninos, ainda no jardim de infância, quantas namoradas têm.
É importante que os pais ajudem as crianças a perceber que podem vestir o que gostam, mas que existem regras sociais que devemos ter em conta. O biquíni não é para a escola e não precisamos de cativar os outros através do nosso corpo. Esse não é o nosso cartão de visita.
Existe tempo para crescer e a infância deve ser aproveitada para brincar, sem pressa. A erotização precoce pode levar ao início precoce da intimidade, com gravidezes precoces e infeções sexualmente transmissíveis.
As famílias devem sensibilizar e monitorizar as redes sociais para evitar situações de risco que, com atenção, dedicação e cuidado, podem ser evitadas e, assim, evitar males piores. A prevenção está em todos nós!
Vânia Beliz licenciou-se em Psicóloga Clinica e da Saúde. Mestre em Sexologia e doutoranda em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil, participa em projetos no âmbito dos Programas de Educação para a Saúde (PES) e o Projeto de Educação Sexual “A viagem de Peludim”, para crianças. É autora do livro Ponto Quê?, sobre a sexualidade feminina, e de Chamar As Coisas Pelos Nomes, dirigido às famílias sobre como e quando falar sobre sexualidade.