Sexo

Crónica. Eu não quero mais sexo, eu quero melhor sexo

São muitas as circunstâncias que vão desligando os casais sexualmente. O dia a dia corrido, a seriedade perante os desafios da vida e a ausência do investimento na sua vida erótica, parece trazer os casais para a vivência de uma sexualidade sem sabor e desinteressante. Em consulta de terapia de casal, os casais vão se queixando que não se trata de fazer mais sexo, mas sim da qualidade deste.

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Crónica. Eu não quero mais sexo, eu quero melhor sexo Crónica. Eu não quero mais sexo, eu quero melhor sexo
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Sílvia Coutinho, psicóloga
Escrito por
Mar. 12, 2025

A sociedade do consumo empurra-nos cada vez mais para vidas de exaustão. Desdobramo-nos em mil e um afazeres, invadindo-nos a ideia de uma certa aprovação de que fazer é poder. De que quanto mais fazemos, mais bem-sucedidos somos. Frequentemente em consulta, muitas mulheres descrevem como procuram responder perante a tarefa hercúlea de cuidar: cuidar das tarefas profissionais, cuidar da casa, cuidar dos filhos, cuidar da relação com o marido, cuidar da família de origem, entre tantas coisas mais.

Desde sempre a mulher foi socializada para a conexão com os outros, e por isso mesmo a sua maior dificuldade passa pela construção de um espaço de conexão consigo mesma. Pelo contrário, o homem sempre foi socializado para a autonomia, para construir, criar, empoderar, sendo por isso a sua maior dificuldade a criação de conexão e intimidade, ou seja, o medo da perda de autonomia na relação.

Homens e mulheres enfrentam ainda hoje desafios distintos no seu dia a dia e no decurso da sua relação, encontram-se a par com a necessidade de se reencontrarem e reacenderem o desejo que parece ficar perdido ou esquecido algures no caminho.

O ritmo frenético e a seriedade que as circunstâncias da vida nos exigem perante os problemas do dia a dia, parecem ir retirando a leveza e a capacidade de brincar tão indispensáveis para a vivência do prazer e do desejo! Vamos crescendo e ficando cinzentos e sisudos, assim como a nossa sexualidade. Demasiado ocupados, para nos desocuparmos na expressão máxima da nossa vida sexual, o nosso desejo e o nosso prazer.

O espaço erótico do casal

O erotismo poderá ser visto como a poesia da sexualidade. Este advém de uma multiplicidade de estímulos, nomeadamente da imaginação, das fantasias ou de estímulos sensoriais, como cheiros ou imagens.

É Esther Perel quem nos recorda da importância do erotismo na nossa vida, definindo-o como a qualidade de vivacidade e vitalidade, a energia e a intimidade, a curiosidade e a imaginação, o prazer e não a performance, não a frequência, não o número, não o sexo propriamente dito, mas a qualidade e a viveza da experiência, o lugar aonde chegamos na nossa sexualidade.

Cultivar este espaço erótico exige abrandar, serenar, para nos entregarmos e sentirmos, e talvez por isso mesmo não seja compatível com a maratona dos nossos dias, e também por isso vai-se desvanecendo com o tempo se dele não cuidarmos com consciência e intenção. Este espaço exige disponibilizarmo-nos para o desejo, para o prazer e para a sexualidade. Ele acontece quando nos damos permissão para relaxar e experienciar prazer, e não quando estamos sob stresse ou em sobrecarga.

O espaço erótico exige que nos escolhamos de novo (a nós mesmos e ao outro) e nos ofereçamos tempo para viver, ser, respirar, tocar, olhar, imaginar e sentir. Exige presença, conexão e brincadeira. Exige os cinco sentidos bem apurados. Exige segurança, para confiar a entrega e redenção, ao mesmo tempo que exige que permaneçamos disponíveis face ao desconhecido e ao mistério. Exige encarar a relação como um sistema vivo e não como algo consumado e garantido.

É fácil queixarmo-nos do tédio da nossa vida sexual, mas alimentar o erótico é deveras desafiante. O espaço erótico, o desejo e o prazer são da responsabilidade de cada um de nós, exige empenho diário. Uma vida sexual saudável e feliz necessita de um lugar de bem-estar físico, emocional e social profícuo.

Exige igualmente sairmos do nosso lugar de perfecionismo, de exigência, de crítica, de desvalorização e de vergonha em relação ao outro e em relação a nós mesmos, e começarmos por cuidar de nós.

É fácil queixarmo-nos do tédio da nossa vida sexual, mas alimentar o erótico é deveras desafiante.

O erotismo implica que comecemos a aprender a gostar mais de nós mesmas, conectarmo-nos connosco, para que então sejamos capazes de nos conectarmos com o outro. Que sintamos prazer em estar na nossa pele, para que nos consigamos render ao prazer da nossa pele ser tocada por um outro. Só quando nos conhecemos a nós próprias, conseguimos perceber o que nos dá prazer. Por exemplo, alguém que não se sente bem com o seu corpo, não vai compreender como ele poderá ser desejado por outro.

Alcançarmos o tal lugar poético da sexualidad  ajuda-nos a libertarmo-nos dos preconceitos e tabus (respeitando e protegendo sempre os direitos pessoais), mas implica que sejamos capazes de nos despir de nós mesmos e para o outro, num lugar de profunda vulnerabilidade.

Como reacender o desejo?

Não deixa de ser interessante verificarmos que existem tantos casais disponíveis para novas vivências e experiências eróticas fora da relação e, no que toca à relação, os casais tendem a apresentar-se bastante limitados e contidos na vivência do seu erotismo. Arriscamo-nos muito pouco a sair da nossa zona de conforto e a imaginar, criar, fazer florescer algo novo que nos faça sentir mais vivos. Vamos desconectando-nos e desligando da nossa intimidade emocional e sexual, de nós próprios e do nosso parceiro.

Eles estão lá, aparentemente garantidos, quase que fechados numa caixinha de conforto. Esquecemo-nos que, na verdade, o amor nunca morre de morte natural, mas por não sabermos reabastecer a sua fonte. Morre por apatia, por inércia. O amor morre por não compreendermos verdadeiramente, ou por, na verdade, conscientemente fecharmos os olhos ao facto de que a intimidade (seja emocional, seja sexual) necessita de cuidado, de atenção, de intenção, de compromisso para se manter viva.

O amor nunca morre de morte natural, mas por não sabermos reabastecer a sua fonte

De facto, talvez não exista nada mais assustador do que nos revelarmos a quem é importante para nós. Tantas vezes a nossa relutância em falar do que desejamos, do que nos desperta, das fantasias que nos habitam, deriva da vergonha. Ao expormo-nos corremos sempre o grande risco do julgamento, da chicota, da humilhação e do afastamento, pois na verdade aquilo que nos excita entra frequentemente em choque com a imagem que gostamos de ter de nós mesmos, de passar aos outros de nós mesmos, ou mesmo entrando em riste com as nossas convicções morais ou ideológicas.

E tantas vezes por isso mesmo, mais tarde, crescemos na relação sem falarmos muito de nós do ponto de vista da sexualidade.

Sentimos medo da rejeição ao nos expormos mas, com isso, passamos também ao lado de uma experiência erótica vivida na segurança da relação que poderia ser absolutamente vibrante, trazendo o sexo para o lugar da qualidade que tanto dele queremos sentir. Deste modo, arriscar a comunicação honesta sobre o que desejamos, o que gostamos, o que fantasiamos, poderá ser uma excelente forma dos casais promoverem o seu erotismo. Nenhum casal tem melhor sexo por passar horas a fio a conversar acerca do sexo que não fazem, mas sim do sexo que desejam fazer, do toque que gostam de sentir, das fantasias e malandrices que gostariam de viver.

Aquilo que nos excita entra frequentemente em choque com a imagem que gostamos de ter de nós mesmos

6 estratégias para reacender a chama

1. Através da comunicação ativa

A ciência indica que casais que falam mais sobre o sexo que desejam, têm de facto melhor sexo. Alguns pontos pertinentes para estimular a comunicação dos casais sobre o erotismo e a sexualidade:

  1. “Eu ligo-me/ativo-me/excito-me/desejo sexualmente quando (…)”;
  2. “Eu desligo-me/desativo-me/não desejo quando (…)”;
  3. “O que o sexo representa para mim?”;
  4. “O que gostaria de experienciar no sexo?”;
  5. “Para onde vou durante o sexo? (O sexo é um lugar, um encontro ou uma experiência, por exemplo: um lugar transcendental, um lugar de risco, uma malandrice, um lugar onde os cinco sentidos estão apurados, um lugar muito vulnerável, um lugar para fugir à responsabilidade da vida adulta e à rotina);
  6. “O que mais necessita de experienciar na vossa sexualidade? (como entrega, dominância, carinho, leveza, proximidade, intensidade, abandono, vinculação, conexão espiritual, agressão, liberdade, dar, receber, possuir, etc)”;
  7. Quão confortável se sente em comunicar as suas necessidades sexuais (o que quer e o que não quer)? E as suas necessidades emocionais (o que quer e o que não quer)?”;
  8. Quando é que se sente mais livre/desejada1/amada/atraente na vossa relação?”;
  9. Quais são os fatores que contribuem para uma diminuição da sua satisfação sexual? O que poderá fazer para minimizar o impacto desses fatores? Como é que o seu companheiro pode contribuir para minimizar esse impacto?”.

2. Através da comunicação escrita

Outra sugestão poderá passar pelos casais criarem uma conta de correio eletrónica exclusivamente para a troca de mensagens eróticas, pensamentos, fantasias, sedução, memórias, desejo de pequenas transgressões, etc. Para algumas pessoas, escrever poderá tornar-se mais fácil do que arriscar a conversa frente a frente. Neste sentido, esta conta servirá para verbalizar por escrito tudo o que a nossa boca nem sempre se sente capaz de expressar.

3. Através da sedução

Alguns casais não compreendem porque é necessário cultivar a sedução na sua relação, mesmo que já com tantos anos de existência. A sedução comunica o amor contínuo, o interesse contínuo, o desejo que se faz sentir sem desaparecer. A sedução contínua revela-se um movimento que fazemos em direção ao encontro com o outro, simplesmente porque o amor é um sistema vivo e necessita de cuidados diários.

4. Meta na agenda, porque planeiar gera expectativa e a expectativa gera desejo

O planeamento advém da intenção de cuidar da intimidade sexual, de não deixar esta e o erotismo vibrante esmorecer. O planeamento gera expectativa e esta é o ingrediente central para surgir o desejo. Quem espera, anseia, imagina, deseja, podendo surgir então como um interessante preliminar.

5. Explore o seu corpo

Explorar o nosso corpo de forma individual, observando também o que acontece na nossa mente, nos nossos pensamentos, nas nossas crenças, nos nossos valores, atitudes, desejos e fantasias, é importante para criarmos espaço para a expressão dessa individualidade no seio da relação. Por outro lado, poderá ser interessante explorar também o corpo do outro, numa massagem erótica ou relaxante. A pele é o maior órgão sexual que temos disponível e quando a tocamos estamos a recordar o nosso cérebro de como é tão bom sermos tocados dessa maneira e como o sexo é bom e prazeroso.

6. Não pense que os preliminares são só um aquecimento

Os preliminares não são o que imaginamos que acontece 5/10 minutos antes do grande momento. Mas sim, tudo o que o casal coloca com grande intenção na construção da sua energia erótica e que estimula não só a intimidade emocional, mas também sexual. Deverão ser criadas as condições para os elementos sentirem desejo e se recordarem como é tão bom tocar, abraçar e sentir quem amam.

Não um toque, que por vezes é sentido como invasivo e intrusivo, cinco minutos antes do sexo. Mas sim, todos os movimentos que o casal deverá fazer e que ativam os elementos perante o desejo, disponibilizando-os para a sexualidade e para o prazer. A conexão, a cumplicidade, a sintonia que começa a ser criada após o último orgasmo, em cada momento da relação.

Neste sentido, cabe a cada elemento responsabilizar-se individualmente para que sejam criados movimentos, gestos, palavras, olhares que os façam de novo encontrar e desejar um encontro mais íntimo.

Atualmente, talvez a grande a tarefa da conjugalidade seja investir no erotismo. Isso implica uma responsabilização e ganho de consciência em relação à nossa própria sexualidade, ao nosso desejo e à nossa relação, conciliando o aparente antagonismo entre a necessidade de segurança encontrada na intimidade emocional e a necessidade de liberdade que existe no desejo.

Cultivar a intimidade profunda e o compromisso, deixando um espaço saudável para o erotismo fluir, para a curiosidade e descoberta do outro, que na verdade nunca conheceremos na totalidade, assim como a nós mesmos. Reposicionar a intimidade (emocional e sexual) como um verdadeiro lugar de transcendência individual e conjugal. E viver cada um de nós como um mundo inteiro por descobrir.

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