Crónica. A influência (e os perigos) da pornografia na intimidade
Aprenda a Saber Viver sem tabus. Todos os meses, a sexóloga Vânia Beliz promete falar abertamente sobre sexualidade, com o propósito de desmistificar questões associadas ao sexo e à intimidade, e para a fazer pensar e refletir sobre temas que podem, mesmo, mudar a sua vida.
O acesso fácil à Internet tem potenciado a visualização de pornografia a todos os públicos.
Não é preciso voltar muitos anos atrás para nos lembrarmos dos videoclubes onde esta categoria tinha o acesso restrito a maiores de 18 anos e onde o acesso a uma cassete se tornava uma epopeia.
O filme Império dos Sentidos, de 1976, passou em Portugal em 1991 e gerou muitos protestos, tendo chegado inclusivamente à mesa de Aníbal Cavaco Silva, na altura primeiro ministro.
Foram feitas dezenas de notícias sobre a passagem do filme na televisão e o tema ocupou, durante algum tempo, a opinião pública da época. Com algumas cenas explícitas, o filme foi um choque numa sociedade ainda muito conservadora.
A pornografia estava envolta em secretismo (recorde-que era proibida no período de ditadura). Hoje, com um simples clique, podemos ter acesso a qualquer conteúdo, a qualquer momento e em qualquer lugar.
A liberalização da pornografia não tira o peso do preconceito, e até culpa, a quem a assiste. Muitas pessoas ainda a associam exclusivamente aos homens ou a pessoas insatisfeitas, como se fosse uma compensação para as fantasias ou para a baixa frequência sexual.
A chegada dos smartphones veio tornar o acesso à pornografia ainda mais fácil, podendo aceder-se a qualquer hora e em lugar.
Os conteúdos pornográficos também sofreram muitas alterações, com a multiplicação de categorias que pretendem dar resposta às mais variadas e exigentes fantasias.
Hoje, a pornografia é a principal educadora sexual dos jovens, passando-lhes, muitas vezes, uma ideia distorcida da intimidade, do prazer e satisfação, conduzindo, consequentemente, à insatisfação e frustração.
A função de excitar está lá, mas a forma como a ação se desenrola é muitas vezes enganadora. Corpos perfeitos, sem pelo, genitais esculpidos… Tudo isto tem uma influência na forma como o sexo acontece, depois, na realidade.
O tempo exagerado até à ejaculação masculina, a submissão feminina e o seu falso prazer são apenas algumas das crenças que passam e frustram a intimidade da sociedade.
A pornografia está entre os temas mais procurados e, paralelamente a ela, cresce também a indústria dos produtos milagrosos para o desempenho sexual. Não há site que não esteja entupido em anúncios de produtos que garantem mais prazer.
Embora grande parte da pornografia seja sexista e banalizadora, existem muitos projetos que preterem dar uma perspetiva mais realista, com realizadores que se dedicam a criar conteúdos mais cuidados e verdadeiros. Contudo, ainda são uma minoria.
Atualmente, a maior preocupação em relação à pornografia deve-se ao acesso fácil por parte dos mais novos e, mais uma vez, pela distorção que lhes pode causar. Sem uma personagem carrancuda a exigir a identificação, como acontecia nos clubes, hoje, no banco de trás do carro, no intervalo da escola ou no conforto do sofá de casa, basta um clique e estão a visualizar estes conteúdos explícitos.
O consumo de pornografia por parte dos mais jovens e sem um conhecimento prévio pode desencadear comportamentos de risco, como a ausência do uso do preservativo, o sexo com desconhecidos, a banalização e até mesmo dependência.
Procurada por homens e mulheres por curiosidade, para masturbação ou até mesmo para aprender, a pornografia é um assunto importante e não pode ser ignorado. É preciso estarmos atentas e atentos a este fenómeno e conversar desde cedo sobre o que está por trás destes conteúdos que representam, também, um grande negócio na Internet.
Vânia Beliz licenciou-se em Psicóloga Clinica e da Saúde. Mestre em Sexologia e doutoranda em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil, participa em projetos no âmbito dos Programas de Educação para a Saúde (PES) e o Projeto de Educação Sexual “A viagem de Peludim”, para crianças. É autora do livro Ponto Quê?, sobre a sexualidade feminina, e de Chamar As Coisas Pelos Nomes, dirigido às famílias sobre como e quando falar sobre sexualidade.