Crónica. Quando o desejo também tira férias
Aprenda a Saber Viver sem tabus. Todos os meses, a sexóloga Vânia Beliz promete falar abertamente sobre sexualidade, com o propósito de desmistificar questões associadas ao sexo e à intimidade, e para a fazer pensar e refletir sobre temas que podem, mesmo, mudar a sua vida.
A ideia de que somos todos sexualmente muito ativos e que fazemos sexo com muita frequência é uma mentira que ainda frustra muitas pessoas. São inúmeros os motivos pela qual existe uma diferença de desejo sexual entre homens e mulheres, a começar pela educação.
Eles são incentivados para o sexo desde cedo e nós o contrário. Eles são incentivados a provar a sua masculinidade medida em experiências, nós a esconder. A nossa resposta sexual é também diferente e a biologia parece dar a outros “machos” na natureza respostas eficazes para que aproveitem a oportunidade de cada momento fértil das fêmeas.
Nos seres humanos, a racionalização e a socialização são fatores determinantes onde cabem todas as conceções que temos do que é o sexo e a relação sexual. Estão a ver o que ensinam às mulheres, certo?
Depois existem outros fatores, como por exemplo a contraceção. Sim, por muito que nos tentem convencer, existem muitas mulheres que quando tomam um contracetivo, desejo nem vê-lo. E ainda o estilo de vida (não podemos chegar a todos os altares), a autoestima e o amor-próprio, sendo estas últimas tão punidoras.
A pressão da juventude e beleza, dos corpos definidos e perfeitos continua e contrasta com as campanhas onde podemos ver mulheres roliças assumindo cada centímetro. Desenganemo-nos! São muito importantes estes movimentos, mas infelizmente mudam pouco a forma como nos vemos e como nos aceitamos.
Para além disso, há também a maternidade, que transforma o nosso papel enquanto mulheres e que precisa de algum resgate e muitos medicamentos que podem deitar por terra o desejo e a excitação.
A falta de desejo não é um problema exclusivo das mulheres, e para os homens o assunto também não é fácil. Precocemente expostos a modelos errados, os homens acham que têm de estar sempre prontos, e nós, mulheres, muitas vezes também partilhamos dessa ideia.
Não existem pílulas milagrosas para recuperar ou incentivar o desejo, mas mudar o nosso estilo de vida pode ser determinante. Se a queixa for cansaço, aí sim, temos no mercado alguns suplementos que podem mesmo ajudar, mas manter uma agenda organizada já é muito importante.
Precisamos fazer as pazes com o nosso corpo e controlar expectativas irreais. Precisamos discutir com o nosso ginecologista um método seguro que não limite o nosso prazer e podemos ainda educar o nosso cérebro a pensar mais em sexo.
A literatura erótica e alguns filmes podem ajudar-nos a fantasiar e a despertar o desejo. A fantasia é um motor que não devemos descuidar.
Num estudo que realizei em 2010, a maior parte das mulheres tinha dificuldade em fantasiar e isso parecia dificultar-lhes o desejo e ainda mais a excitação. Hoje, estratégias como a atenção plena podem dar uma ajuda para que nos concentremos nas sensações do corpo.
Numa vida tão acelerada tudo parece ser inimigo da nossa intimidade e só nós podemos encontrar as rédeas do nosso tempo, onde a intimidade não pode ficar esquecida.
Com as férias de verão a aproximarem-se com muitas limitações (graças à pandemia), tire um tempo para definir as suas estratégias e objetivos pessoais cuja concretização dependa apenas do seu esforço pessoal e compromisso.
Não se deixe influenciar por vidas perfeitas nem pela ideia de que nos quartos dos outros tudo corre de feição. Nesta coisa do desejo, há muitos desencontros, mas podemos fazer algumas tentativas para o reencontrar.
Vânia Beliz licenciou-se em Psicóloga Clinica e da Saúde. Mestre em Sexologia e doutoranda em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil, na Universidade do Minho, participa em projetos no âmbito dos Programas de Educação para a Saúde (PES) e o Projeto de Educação Sexual “A viagem de Peludim”, para crianças. É autora do livro Ponto Quê?, sobre a sexualidade feminina, e de Chamar As Coisas Pelos Nomes, dirigido às famílias sobre como e quando falar sobre sexualidade.