Conhece as principais disfunções sexuais femininas? Sim, elas existem
Se falar de sexo ainda é, por vezes, um tabu, falar de dificuldades no sexo ainda mais. E quando estes desafios se ligam à forma como a mulher vive a sua sexualidade, o que esperar? Ainda há muito desconhecimento, crenças erróneas e culpa associadas. Queremos desmistificar as disfunções sexuais femininas.
“Em consulta, deparo-me com mulheres de várias faixas etárias com diferentes problemáticas relacionadas com a forma como experienciam a sua sexualidade – as chamadas disfunções sexuais femininas”.
“Quer seja por não terem desejo e sentirem que isso prejudica as suas relações amorosas, quer seja por não conseguirem ter prazer na relação ou por, por exemplo, não conseguirem confiar em alguém para ter esse grau de intimidade”.
Catarina Canelas Martins, a especialista que elegemos para pensar este tema, começa a nossa conversa recordando os vários casos de disfunções sexuais femininas que foi encontrando no seu percurso laboral.
Foi em parte pela sua experiência profissional, e pela sua extrema sensibilidade em relação a este assunto, que recorremos à psicóloga clínica e terapeuta Emdr, a exercer funções na clínica de psicologia e coaching Learn2Be.
Assunto pouco falado
Saiba, desde já, que a disfunção sexual diz respeito às dificuldades sentidas pela pessoa ou pelo casal durante uma ou várias fases da relação sexual – desejo, excitação, orgasmo.
No caso das mulheres, e a um nível internacional, a prevalência situa-se entre os 25% e os 63%, no entanto são necessários mais estudos na área.
“O facto de as disfunções sexuais no feminino serem pouco abordadas leva, muitas vezes, a que a mulher desvalorize ou nem reconheça que algo anormal se passa consigo”, elucida-nos a psicóloga clínica.
E continua: “inundadas de medo, culpa e tristeza, deixam arrastar o sofrimento e a degradação da sua vida e dos seus relacionamentos”.
As disfunções sexuais femininas de acordo com fases
Ora, a resposta sexual tem várias fases e a disfunção poderá estar associada a essas mesmas fases. Podem-se, então, identificar várias disfunções, de acordo com as seguintes etapas:
1. Desejo
Quando a mulher sente uma diminuição acentuada no seu desejo habitual, denomina-se desejo sexual hipoativo, pelo contrário, quando há adição sexual, denomina-se desejo sexual hiperativo.
Durante a avaliação é também importante perceber que fatores de contexto podem estar a afetar o desejo sexual, tais como: idade, saúde, circunstância de vida.
2. Excitação
Distingue-se aqui uma perturbação relacionada com a incapacidade para atingir uma adequada resposta de excitação sexual de lubrificação e intumescimento (inchaço natural do órgão) até se completar a atividade sexual.
Pode-se expressar por uma ausência subjetiva de excitação, por uma falta de lubrificação genital, ou outras respostas somáticas.
3. Orgasmo
Pode ocorrer um atraso ou ausência de orgasmo persistente ou recorrente, a seguir a uma fase de estimulação e excitação sexual suficientes, que cause perturbação sexual.
A capacidade do orgasmo é inferior ao que seria razoável para a sua idade, experiência sexual e adequação da estimulação sexual que a mulher recebe.
Na avaliação é preciso despistar crenças e a forma como o orgasmo ocorre ou não, visto que muitas mulheres não atingem o orgasmo durante o coito por uma estimulação insuficiente do clitóris – 70% das mulheres atingem o orgasmo apenas com o estímulo clitoriano e não com a penetração.
4. Outras
Para além destas disfunções, pode identificar-se igualmente as disfunções da dor sexual, por exemplo a dispareunia, caracterizada por dores genitais persistentes ou recorrentes, antes, durante ou após a atividade sexual.
Já no vaginismo, a mulher tem espasmos involuntários recorrentes ou persistentes da musculatura perineal, que envolve o terço externo da vagina, e que interfere com a atividade sexual. Pode causar medo e até evitamento da relação sexual.
No final destas distinções, a terapeuta salienta que “sempre que se identifica um funcionamento sexual anormal, é importante um despiste médico e psicológico para que a intervenção possa ser o mais adequada possível ao caso”.
Várias disfunções, várias causas
As disfunções sexuais femininas podem dever-se a diferentes causas, destacando-se:
Nível físico
• Condições médicas. Podem diminuir o desejo sexual, como a diabetes, doenças cardíacas, neurológicas, consumo de drogas e álcool.
• Medicamentos. Podem afetar o desejo e causar disfunção, como antidepressivos ou alguns métodos hormonais de contraceção.
Nível psicológico
• História de vida da mulher. A relação com o seu corpo, autoestima, forma de se relacionar e comunicar.
Nível social
• Crenças e educação. Podem gerar bloqueios e culpa. Destaca-se a vivência da sexualidade feminina, a masturbação, o sexo oposto.
Uma questão de culpa
Tal como foi referido, muitas vezes as disfunções sexuais femininas têm bases emocionais e psicológicas. As crenças têm aqui um papel fundamental.
“A sexualidade está, por uma questão cultural/religiosa, associada a culpa quando falamos no feminino”, alerta-nos Catarina Canelas Martins.
“As crenças que tem sobre a sua sexualidade, ou seja, aquilo que acredita, sobre o que é certo ou aceitável, sobre o que é desejável, sobre como se deve comportar durante o ato sexual, influenciam em grande parte a forma como a mulher vive o seu corpo e as suas relações”, continua prontamente.
Nestes casos, o que fazer? Através de um acompanhamento especializado, é necessário investigar a fundo estas questões, mas também é urgente promover a autoestima, a aceitação do corpo, a comunicação das necessidades – muitas vezes nem reconhecidas pela própria. Como? Já lá iremos.
Mais autoconhecimento, mais probabilidade no pedido de ajuda
Questionamos Catarina Canelas Martins sobre que mulheres procuram mais esta ajuda especializada.
“Nem sempre a sexualidade é o principal objetivo terapêutico identificado pela mulher que procura a consulta”, começa por nos explicar, referindo que quando isto acontece, normalmente, é porque já existiu uma avaliação médica prévia que indicou este acompanhamento psicológico.
“Por vezes, a insatisfação com os relacionamentos, consigo mesma, a falta de autoestima ou as memórias traumáticas são os motivos que levam a mulher a procurar a consulta”, pelo que só posteriormente é identificada a disfunção ao nível da sexualidade.
No entanto, e de uma forma geral, “a mulher que procura aumentar a satisfação com a sua sexualidade e que procura a consulta com esse objetivo, já é alguém com algum autoconhecimento e com vontade em melhorar a relação consigo mesma, os seus relacionamentos amorosos”.
O psicólogo e nós
Essencialmente, pretendemos saber junto da nossa terapeuta se faz sentido uma intervenção em casal nas questões sexuais.
“A intervenção individual acabará por interferir na dinâmica de casal, até porque muitas vezes um dos objetivos primordiais além do autoconhecimento é a comunicação”, elucida-nos.
Isto é, “a capacidade de comunicar sobre o tema poderá ser altamente desbloqueadora de muitas das dificuldades identificadas”.
Assim, “a intervenção em casal poderá fazer sentido quando existem questões de relacionamento, como padrões disfuncionais, feridas do passado que não foram ultrapassadas, entre outros aspetos, que acabam por ter impacto no relacionamento e também se refletem na satisfação sexual dos casais”, conclui Catarina Canelas Martins.
As opções são muitas
Relativamente ao tratamento, este deverá pautar-se, primeiramente, por uma avaliação multifatorial, e só depois é estabelecido um plano.
Apesar de, regra geral, as disfunções sexuais femininas estarem associadas a questões psicológicas – sendo importante desbloquear, em terapia, a vivência e expressão da sexualidade – é importante não esquecer os fatores clínicos que podem influenciar a resposta sexual. Aqui, o tratamento médico, como por exemplo a terapia hormonal, pode ser mais adequado.
Também ao nível da fisioterapia pélvica existe um papel cada vez maior na avaliação e tratamento de algumas disfunções sexuais, como na dor.
Um conselho…
“Quem sofre com estas questões tem, por norma, dificuldade em falar sobre o assunto”, refere a psicóloga, no final da nossa conversa, quando pedimos um conselho último a quem lida com a disfunção sexual.
“Diria que a melhor forma de aconselhar quem manifesta dificuldades ao nível da sexualidade é com informação, aquilo a que chamamos de psicoeducação”.
“Todas as restantes formas de ajuda ou aconselhamento deverão ser feitas por um profissional especializado, visto tratar-se de uma área de tamanha complexidade e com imensas ramificações – autoestima, vivências passadas, crenças, questões de relacionamento”.