Monogamia: estará esta forma de relacionamento perto do fim?
Em Portugal, 70 em cada 100 casamentos acabam em divórcio. É o número mais elevado da Europa. Isto levou-nos a questionar se continuamos a dar o nó porque é natural ou porque aprendemos que assim deve ser. O que aconteceu à monogamia?
Atendendo às crescentes taxas de divórcio na Europa e à quantidade de matrimónios falhados a nível nacional, será que a monogamia está a entrar em vias de extinção? Maria Joana Almeida, psicóloga clínica e terapeuta sexual, diz que não:
O que está a acontecer é que, em vez de mantermos uma relação exclusiva com uma pessoa toda a vida, como acontecia na geração dos nossos avós, agora temos “monogamias sequenciais”. Quer isto dizer que quando termina um relacionamento monogâmico, ele é seguido de outra ligação amorosa exclusiva. Seja em série ou não, a mais convencional configuração de relação tem vindo a ser posta em causa, ultimamente, sobretudo por pessoas “que defendem que a monogamia não é natural enquanto impulso biológico”, adianta a especialista.
A força da natureza
Um desses indivíduos é Christopher Ryan, coautor do livro Sex at Dawn. Na conferência TED Are We Designed To Be Sexual Omnivores? (2013), Ryan expõe a sua teoria de que a monogamia “só surgiu há 10 mil anos, com a revolução agrícola”. E que, inicialmente, essa relação não seria baseada no amor como hoje entendemos que deve ser. Na altura, teria motivações económicas. “Os homens como que alugavam o potencial reprodutivo das mulheres, prestando-lhes certos bens e serviços: alimentos, abrigo, proteção, etc.; em troca, as mulheres ofereciam-lhes fidelidade ou, pelo menos, uma promessa de fidelidade”, revela o autor norte-americano.
Antes de o ser humano se sedentarizar, vivia em grupos nómadas de caçadores-coletores, “que se caracterizavam por um igualitarismo feroz”. Em termos práticos, as crianças eram criadas pela comunidade toda, porque “o sexo não era exclusivo”. O que não significa que não existisse afinidade e amor entre eles, uma vez que “se conheciam desde sempre”, refere Ryan.
No sudoeste da China existe um povo para o qual a noção de relações exclusivas não faz sentido. “As mulheres têm centenas de parceiros. Ninguém comenta. Não é um problema. Quando a mulher engravida, a criança é criada por ela, pelas suas irmãs e irmãos. O pai biológico não é relevante”, relata Christopher Ryan. É o povo Mosuo e é conhecido como o Reino das Mulheres. Este exemplo, que Ryan relata na sua TED Talk, aproxima-se do modelo das relações poliamorosas.
De coração aberto
O que é o poliamor? É um modelo de relação não convencional, em que, nas palavras de Maria Joana Almeida, “vários indivíduos decidem manter um relacionamento amoroso”. No grupo, composto por sujeitos de sexos opostos ou do mesmo género, poderão haver diferentes “graus de ligação”. O que interessa aqui é que se trata de “uma relação aberta, em que as pessoas estão juntas porque gostam umas das outras e aceitam que não existe exclusividade”, afetiva ou sexual. Todavia, adverte a psicóloga, não podemos confundir o poliamor com a poligamia. Enquanto a primeira é uma “cultura que não tolera desigualdades de género”, a segunda baseia-se nessas disparidades.
No ponto de vista da psicóloga, talvez o poliamor seja “mais fiel àquilo que sempre quisemos: estar num relacionamento monogâmico, mas, às vezes, ter outras relações”. Dada a transparência que existe entre os elementos, pelo menos na teoria, este modelo pode salvaguardar melhor a saúde dos elementos da relação. Porquê? “Sempre existiram relações paralelas, secundárias a uma preferencial”, declara. O problema é que essa infidelidade pode trazer outras surpresas, mais desagradáveis, como afetar seriamente a saúde dos cônjuges.
Como a sociedade vê a monogamia
Apesar das traições, risco inerente à monogamia, Maria Joana Almeida declara que o nosso conceito do que é o amor ainda “vive muito do ideal monogâmico”. Potencialmente, será por esse motivo que continuamos a busca pela nossa cara-metade, a alma gémea que nos foi prometida pelos contos de fadas e pelos filmes românticos. “A Disney enganou-nos, porque serão mais raras que frequentes as relações que começaram com um amor à primeira vista e funcionam bem”, comenta a psicóloga.
Porém, não nos devemos deixar abater pelo número crescente de divórcios. Maria Joana Almeida incentiva-nos a olhar para o presente e para o futuro de forma mais otimista: “Nunca houve tanta liberdade para escolher outras formas de estar, outros modelos de relação”. O poliamor é exemplo disso mesmo, “uma manifestação dessa abertura social, cultural e histórica”. E, segundo a psicóloga, essa rede de afetos não é uma ameaça para o conceito tradicional da família, que “já está ultrapassado”. As relações poliamorosas oferecem a possibilidade de “uma criança poder crescer com várias figuras parentais”. De resto, é o que já acontece nas famílias onde os pais são divorciados e se casaram ou juntaram com outras pessoas.
Não estamos sozinhos
Segundo dados do Pordata, 70 em 100 casamentos terminaram em divórcio (dados de 2013). Somos o país europeu que apresenta o número mais elevado de matrimónios mal-sucedidos. Mas esta crise da conjugalidade parece ser uma tendência generalizada. Logo a seguir a Portugal aparece a Dinamarca, com 68,6 divórcios em cada 100 matrimónios e o Luxemburgo, com 67,5. É curioso haver este paralelismo entre países do norte, centro e sul da Europa. Embora estejamos na periferia, também estamos a viver um período de mudança, à semelhança de sociedades ditas mais evoluídas – como a dinamarquesa – onde as desigualdades entre géneros estão mais esbatidas.
Qual é a sua opinião sobre a monogamia? Acha que está em vias de extinção?