O prazer feminino continua a ser um palco misterioso onde a subjetividade e a complexidade se erguem como estandartes contra todos os clichés.
É do foro sexual, mas também psicológico, sofre influências históricas, reflete o contexto económico e até cultural. Basta dizer que até há bem pouco tempo a anatomia do clitóris permanecia desconhecida até da classe médica.
“Como não estava envolvido no parto ou na reprodução, não valia a pena estudá-lo pois não servia para nada”, revela a psicóloga clínica e terapeuta sexual Joana Almeida.
Desejo, excitação e orgasmo são também partes deste alfabeto que pode explorar em escala linear ou a improvisar. Seja como for, ter prazer é algo que também pode recusar.
“A sexualidade tem um papel importante no bem-estar, mas não tem de ser para todos. Vivemos numa sociedade muito sexualizada, há uma pressão enorme para sermos bombas sexuais, ir às sex shops, experimentarmos tudo, às tantas isso vira-se contra nós e é mais uma coisa em que temos de ser produtivos e competentes”, aponta especialista.
Desejo e excitação
Não é à toa que se diz que o cérebro é o maior órgão sexual. Os mecanismos do desejo são subjetivos e dependem muito do imaginário erótico de cada um.
Fantasias, sensações, experiências, filmes, livros, tudo pode contribuir para criar o mapa individual que tece a nossa predisposição para o sexo.
Quando é ativado, o corpo responde com excitação: “As pupilas dilatam, a respiração fica ofegante, os mamilos eretos, a vagina e estrutura interna do clitóris são irrigados fazendo com que a sua parte externa fique ereta, e a lubrificação flui das glândulas de Bartholin na vagina”, refere a fisioterapeuta pélvica Ana Gehring, no e-book O Prazer.
Muito pode acontecer a partir daqui. Continuar nesta exploração, atingir o orgasmo ou avançar para a penetração são possibilidades sem ordem nem regra.
Avançando para a penetração, geralmente, “o corpo da mulher tem uma curva de excitação mais lenta, o que significa que precisa de cerca de 20 minutos de preliminares para a penetração se tornar realmente satisfatória”, ressalva Ana Gehring.
O clitóris e o ponto G
Ter uma imagem mental do que acontece quando o corpo é estimulado pode ajudar a potenciar o prazer. Só a mulher tem o privilégio de ter um órgão cuja única função é de proporcioná-lo.
Talvez não saiba que, tal como o pénis, o clitóris é um órgão erétil e que a zona saliente também se chama glande e está coberta por um prepúcio.
Esta ‘pérola’ com um a dois centímetros é apenas a ponta de uma estrutura com dois ‘braços’, os corpos cavernosos, que internamente percorre o comprimento dos grandes lábios, estendendo-se por oito a dez centímetros.
Esta estrutura invisível conta com milhares de terminações nervosas e constitui o tecido mais inervado do corpo humano. “Para ver a saliência exterior, basta afastar os grandes e pequenos lábios e puxar a sua pele para cima”, sugere Ana Ghering.
Já o ponto G “é um mito, mas procurá-lo é ótimo e dará imenso prazer a muitas mulheres”, graceja Joana Almeida. Os orgasmos vaginais são outro. Hoje, “sabemos que o clitóris tem um papel em todos os orgasmos”.
Anatomia do orgasmo
O orgasmo pode ser descrito como uma sensação de euforia, beatitude ou mesmo uma petite mort, na expressão francesa, mas a verdade é que não há um igual. Pode ser um fogo de artifício ou um ligeiro formigueiro.
Para algumas mulheres permanece inatingível – 31,6%, segundo o estudo Episex, o maior feito até à data em Portugal –, para outras é fundamental. “Há uma sensação ‘oceânica’, o corpo tensiona-se, havendo um aumento da irrigação sanguínea na pélvis, seguido de cerca de 15 contrações involuntárias do útero, vagina e pavimento pélvico que vão diminuindo de intensidade. Em média, dura cinco a dez segundos, depois o corpo relaxa”, disseca Ana Gehring.
Outros fenómenos ocorrem em simultâneo: “O muco uterino é expulso do útero e mais lubrificação pode sair das glândulas de Bartholin, responsáveis pela lubrificação vaginal. Pode haver ainda a saída de líquido pelas glândulas de Skene, responsáveis pela lubrificação da uretra”.
A função deste fenómeno de ejaculação feminina não está esclarecida. Especula-se que possa ter a função de proteger a uretra de infeções.
Já os orgasmos múltiplos, que cerca de 20% das mulheres refere ter no Episex, “são na realidade ecos mais pequenos do primeiro”, diz Joana Almeida.
Contra as dificuldades: mais curiosidade
Tabus, falta de autoconhecimento e ansiedade são fatores que podem perturbar a vida sexual. A distração cognitiva também.
Ocorre quando as distrações mentais interferem na capacidade de estar presente no momento. Afeta mais as mulheres e parece ser muito motivada pela preocupação com a aparência, segundo um estudo publicado no Journal of Sex Research, em 2017.
Com a idade, pode piorar. “Há uma pressão grande para a juventude e esta visão negativa afeta a forma como nos entregamos. Depois da menopausa, a vagina fica menos elástica, é preciso mais lubrificação, mas não há menos desejo ou excitação. Mais do que a idade, a relação pode fazer diferença. Recebo mulheres que depois de um divórcio descobrem um sexo que nunca tiveram e dizem ‘meu Deus, como foi possível estar este tempo todo na escuridão?.’”