No icónico filme de Wim Wenders As Asas do Desejo, lançado em 1987, um anjo apaixona-se por uma trapezista e abdica da imortalidade para satisfazer a sua paixão.
Neste filme, o desejo é mais forte do que a razão, e o anjo acaba por ser vítima dessa vontade incontrolável. Já para Sigmund Freud, pai da psicanálise, o desejo reside no nosso inconsciente desde que nascemos, nomeadamente o desejo sexual, a que chamou libido, e que surge através de pulsões de energia.
O desejo sexual é, pois, uma das fases do ciclo de resposta sexual humana, associada a um estado psicológico ou subjetivo ligado à motivação que conduz a comportamentos sexuais, que culmina no prazer e na satisfação.
Assim sendo, esta energia, que funciona como um gatilho para que uma relação aconteça, pode sofrer alterações ao longo da vida, em função de inúmeras variantes.
Apesar de existirem alguns padrões mais comuns, nomeadamente no que diz respeito à sexualidade feminina, como os ligados à idade, esta não é, de forma alguma, determinante para ativar o desejo sexual.
No que diz respeito a libido, a idade não é tudo
Para Cristina Mira Santos, psicóloga, terapeuta sexual, coach e autora do livro O Melhor Sexo do Mundo (A Esfera dos Livros), o desejo sexual é a ativação da energia erótica e acontece quando há uma tomada de consciência da vontade de acionar os recetores do prazer.
Há muitos fatores que influenciam este despertar e que não passam necessariamente pela idade – no caso da mulher, fala-se sempre da menopausa. Muitos acreditam que a mulher perde naturalmente o desejo nesta fase por questões hormonais.
A psicóloga explica que, apesar de haver efetivamente uma redução de estrogénios, que pode ter impacto ao nível da secura vaginal, essa situação pode também acontecer em qualquer altura da vida, podendo estar ligada a um processo defensivo, seja, porque a mulher foi traída ou porque não quer assumir as suas necessidades sexuais
Treinar o desejo
Ao longo da vida, a redução da libido pode ter a influência de inúmeras questões, ambientais ou não. “É o cérebro que comanda tudo no desejo é e isso que vai fazer a diferença, porque a ativação erótica está muito dependente da nossa vontade e pode ser reprimida ou alimentada”, diz Cristina Mira Santos.
Por isso, a especialista defende que “o desejo é treinado. Em muitas alturas da nossa vida, surge de forma espontânea, sobretudo na adolescência e juventude, mas na grande maioria das vezes tem de ser trabalhado, como todas as outras coisas”.
Aconselha aquilo a que chama Ritual do Amor Erótico, que define como um kit sempre pronto para criar um ritual de ativação, pondo ao serviço do erotismo todos os sentidos.
Fala, por exemplo, em ter um elemento, como uma toalha em cima da cama, que, só de olhar para ela, possa espoletar o desejo, ou usar um óleo de coco em massagens que, posteriormente, ao sentir esse mesmo aroma, possa despertar a vontade.
A psicóloga defende que, para manter viva a chama do erotismo, tem de se investir, tem de se colocar o assunto na agenda e não esperar apenas que o desejo surja de forma espontânea. “Se quero comida gourmet, tenho de investir tempo na preparação e não ficar à espera de comer fast food, que a longo prazo acaba por ser prejudicial”, refere fazendo uma analogia com a comida.
Da pandemia aos filhos
Para Vânia Beliz, psicóloga e sexóloga, autora de três livros sobre sexualidade, sendo Chamar as Coisas pelo Nome (Arena) o mais recente, refere que o estilo de vida atual, muito stressante, repleto de ansiedade, tem trazido muitas dificuldades aos casais. Por exemplo, em pandemia, a saúde mental piorou e, com as crises de ansiedade e a medicação associada, as pessoas estão menos propensas a ativar o desejo sexual.
“Para termos desejo, temos de estar bem, relaxadas e no meio de tanta confusão, como é que as pessoas encontram espaço para isso?”, questiona a sexóloga.
Por outro lado, os filhos, por muito desejados que sejam, alteram sempre a dinâmica do casal e, por isso, verifica-se também uma redução do desejo na fase pós-maternidade. “Nota-se ainda um decréscimo da atividade sexual ao longo da relação. Mas a ideia de que, se não há sexo, não há amor não corresponde à verdade”, explica.
Mais do que sexo
Segundo Vânia Beliz, as mulheres não se devem culpabilizar pela sua falta de desejo, pois têm de perceber que há alturas em que são mais ativas do que outras e não há problema nisso. “As pessoas associam sempre a sexualidade ao sexo, mas existem muitas formas de intimidade que não passam apenas pela relação sexual. Há mulheres que dão muita atenção a outras coisas, como a proximidade, a atenção que lhes é dada, e isto é também satisfatório na sua relação. Intimidade é entrega, é investimento, e não tem de estar relacionada unicamente com a prática sexual”, refere a sexóloga.
Segundo Vânia Beliz, “nas mulheres, o desejo está muito ligado à autoestima, à imagem, se nos sentimos ou não desejáveis. Há ainda uma grande pressão social sobre o envelhecimento, e isso tem um peso muito grande na forma como vivem a sua sexualidade”, afirma.
Também para esta especialista, a ideia de que, à medida que as mulheres vão envelhecendo, vão perdendo a libido nem sempre corresponde à realidade.
Há situações de mulheres que, “enquanto férteis, tinham muito receio de uma gravidez e que na menopausa, passaram a viver a sua sexualidade de uma forma mais plena. Normalmente, quando sentem alterações do desejo sexual no envelhecimento, está quase sempre associado à sua imagem física”, explica.
Por isso, um dos conselhos que deixa é que cuidem da autoestima, pois uma mulher que não está segura de si não lida bem com a sexualidade, independentemente da idade que tem.
“Cuidar da sua vitalidade, alimentar-se bem, ter tempo para dormir, fazer exercício, tudo isto contribui para a melhoria do desejo sexual. O desejo cultiva-se. As mulheres fantasiam pouco, mas a fantasia pode ser estimulada. Aconselho a literatura erótica, que ajuda a pensar em sexo. Andamos com o pensamento tão ocupado que nos esquecemos que a leitura tem um poder muito forte no desejo”, remata Vânia Beliz.
O que inibe a libido
São muitas as variantes que podem contribuir para a falta de desejo sexual.
- Stresse profissional e preocupações várias do dia a dia.
- Cansaço generalizado.
- Dormir pouco.
- Baixa autoestima.
- Medicamentos, como ansiolíticos, antidepressivos e outros destinados a doenças crónicas.
- Questões hormonais.
- Relações sexuais dolorosas ou não satisfatórias.
- Meio ambiente em que se vive, nomeadamente a temperatura do ar.
- Educação e questões culturais ou religiosas.
- Demasiado tempo de exposição às novas tecnologias, redes sociais, entre outros.
- Pouco tempo dedicado a si própria ou ao casal.
- Consumo excessivo de álcool, tabaco ou drogas.