A sexualidade só pode ser vivida em pleno se a aceitarmos e a valorizarmos sem sentimentos de culpa ou vergonha e isto não tem que ver só com sentirmo-nos bem com a nossa própria sexualidade, mas também com a dos outros.
Os especialistas chamam-lhe sexualidade positiva e é o conceito a seguir, afinal, leva-nos a aprender e falar mais sobre sexo, a gerir emoções ligadas à intimidade e a aceitar o nosso corpo e o das outras pessoas, bem como a suas escolhas.
Já muito se evoluiu neste campo, mas ideias preconcebidas continuam a persistir sobre um tema que deveria ser abordado do ponto de vista do prazer e do desejo, em vez do medo e do pudor.
Mais diversidade
O primeiro aspeto a ter em conta, diz a sexóloga Vânia Beliz, “é que a sexualidade positiva não se cinge só ao sexo, toca em vários assuntos, porque sexualidade é saúde, ou melhor, deve ser promotora de saúde e potenciadora de bem-estar. A forma como nos relacionamos com as outras pessoas também faz parte da sexualidade e é importante para uma cidadania ativa. Quem não vive a sexualidade de forma positiva não é feliz consigo nem com os outros”.
E não há uma só forma de viver a sexualidade, de nos relacionarmos ou de sentir, “a diversidade tem de ser respeitada”, frisa a especialista.
“Felizmente, hoje, as pessoas já encontram espaço para ‘sair do armário’ e assumir-se como são em vez de viverem na invisibilidade, como acontecia no passado, e isso é extremamente importante”, realça Vânia Beliz.
A educação sexual formal e informal é essencial para acabar com tabus. A primeira, aquela “que se dá nas escolas continua a basear-se no medo de uma gravidez indesejada, nos casos das relações heterossexuais, ou das doenças sexualmente transmissíveis. Nunca se fala da alegria, do desejo e do prazer, portanto, precisamos de refletir todos sobre o porquê de termos relações sexuais, o que significa a sexualidade na nossa vida e olhá-la do ponto de vista do prazer e não do medo”, refere Bel Olid, ativista, escritora e professora na Universidade Autónoma de Barcelona.
Tema a abordar
Já em casa, opta-se muitas vezes por não se falar do tema, embora “todos os dias surjam ocasiões para o debater, pois o sexo está presente em todo o lado, desde canções a filmes, sem esquecer os anúncios. E tudo isso são oportunidades para manter a via de comunicação aberta“, explica Vânia Beliz.
“Não precisamos de nos sentar a falar do tema, podemos aproveitar o facto de estarmos a ver um filme em família para o fazer. Por exemplo, se num filme se fala de violação, é a oportunidade para abordar comportamentos que implicam violência e que não podem ser normalizados nem fazer parte de uma sexualidade prazerosa; o mesmo acontece se houver uma cena em que alguém quer ter relações sexuais com outrem que está bêbado ou tenha consumido drogas. É fundamental lembrar que nesse estado ninguém está em condições de consentir o sexo.”
E o consentimento é parte fundamental da sexualidade positiva. “O sexo tem de ser consentido por todas as partes e, abordando estes assuntos, previne-se também a violência sexual e a violência de género”, acrescenta a sexóloga.
A sexualidade deve ser olhada do ponto de vista do prazer, do desejo e da alegria e não do medo e da vergonha
Sem vergonha
“O sexo é uma das dimensões da vida e das pessoas, logo, creio que para se ter uma vida plena é importante olhar para a sexualidade e para o nosso corpo com generosidade”, afirma a escritora.
É preciso, por isso, acabar com ideias preconcebidas do que deve ser a vida sexual, e foi com base nesta ideia e a pensar nas perguntas que os filhos adolescentes lhe poderiam colocar que Bel Olid escreveu o livro Foder? (Pergaminho), onde questiona o que a sociedade pensa sobre a sexualidade, sobre o que se gosta, sobre desejo e sobre o que nos dá ou não prazer.
“Temos de ter a possibilidade de explorar e questionar o que nos dizem ser a sexualidade, que muitas vezes não coincide com a realidade. E o que acontece é que em vez de acharmos que é a ideia preconcebida que está errada, achamos que somos nós que estamos equivocados”.
Vânia Beliz salienta que “não há qualquer problema em comprar um brinquedo sexual ou em ir à farmácia comprar uma caixa de preservativos. Não há motivo para as pessoas terem vergonha, nojo ou culpa”.
Desejos e escolhas
Aceitar e respeitar nosso corpo e o da pessoa com quem estamos é outro passo imprescindível. “Ter uma sexualidade gratificante é não estar presa a estereótipos associados ao corpo e sentir-se pressionada por eles. Temos de aceitar que os corpos não são todos iguais e o ciclo de vida e as mudanças corporais fazem parte desse processo”, assevera Vânia Beliz.
E é desde a mais tenra idade que se deve transmitir esta ideia. “Há duas coisas que podemos passar desde bebés: que o corpo pertence a cada pessoa e que só cada pessoa sabe o que fazer com o seu corpo. Ao transmitirmos esta mensagem, estamos a fazer com que se protejam de abusos, mas também que respeitem o corpo dos outros”, diz Bel Olid.
A ativista espanhola lembra ainda que “uma boa sexualidade não é ter mais ou menos prática com mais ou menos pessoas; uma boa sexualidade é aquela que nos faz sentir satisfeitos com o que fazemos e, para isso, é imprescindível conhecer o nosso corpo e amá-lo, escutar o nosso desejo e reconhecer o que nos dá prazer. Tudo isto significa explorar, porque se não o fizermos não saberemos do que gostamos”.
Bel Olid aconselha fazer um exercício: “Questione-se sobre sexo, se o faz porque lhe apetece, com quem lhe apetece, porque lhe dá prazer ou porque é uma rotina derivada de ter um/a parceiro/a ou se se o faz porque socialmente lhe disseram que é isso que tem de fazer. As respostas parecem evidentes, mas infelizmente muitas pessoas estão desconectadas do próprio prazer, porque estão acostumadas a viver em função do desejo dos outros”.