Crónica. A vulva é um lugar especial para o nosso prazer e felicidade
Aprenda a Saber Viver sem tabus. Todos os meses, a sexóloga Vânia Beliz promete falar abertamente sobre sexualidade, com o propósito de desmistificar questões associadas ao sexo e à intimidade, e para a fazer pensar e refletir sobre temas que podem, mesmo, mudar a sua vida.
Há uns tempos vi um estudo que referia que 30% das mulheres nunca viu a sua vulva. Não duvido deste número, mas preocupa-me que depois, as que olham para ela, não pareçam ficar satisfeitas.
As cirurgias íntimas são cada vez mais procuradas pelas mulheres. O acesso à Internet e à pornografia faz com que muitas se comparem e queiram aproximar-se das genitálias que julgam perfeitas, claras, com lábios vaginais simétricos, com pouco volume.
O tamanho dos lábios vaginais, a remoção de pele do clitóris, a redução da gordura da púbis e até a reconstituição do hímen são exemplos das intervenções mais solicitadas.
Se em alguns casos as cirurgias podem até melhorar a qualidade e conforto na intimidade, como, por exemplo, a diminuição dos lábios vaginais, na maior parte das vezes o motivo é puramente estético.
Muitas mulheres referem sentir vergonha da sua genitália e não gostar do seu aspeto. Não nos esqueçamos que a toda a hora nos fazem crer que a vulva é um sítio fedorento que devemos higienizar sem dó nem piedade. Um lugar que não se toca.
A pressão pelo corpo perfeito chega agora à zona mais íntima e parece estar a condicionar a intimidade de muitas mulheres que, insatisfeitas, referem falta de desejo e prazer.
Na maior parte dos casos, as consultas deviam ser acompanhadas por uma avaliação psicológica que determinaria as motivações para a intervenção, mas infelizmente nem sempre o processo passa por esta avaliação importante.
Se houver uma má formação ou algo que comprometa a sexualidade e qualidade de vida das mulheres, as intervenções podem até ser feitas no sistema nacional de saúde, mas as intervenções com motivações puramente estéticas passam muitas vezes para o privado, onde o desejo das mulheres é rapidamente satisfeito.
Com a gravidez e o envelhecimento existem alterações na vulva que são normais, como é o caso do escurecimento e da flacidez, mas as revistas e filmes insistem em mostrar vulvas quase desenhadas, quase inexistentes.
Nas sessões fotográficas onde se inclui a nudez, a área genital é muitas vezes retocada com recurso a ferramentas que cortam, diminuem e retalham os nossos corpos. Mas nós não somos assim! A vulva é uma zona de prazer, os lábios vaginais aumentam quando nos excitamos, o clitóris pode ser grande e proeminente, etc.
Tal como noutros procedimentos, existem muitos riscos associados, por isso seria importante explorar e sensibilizar as mulheres para o autoconhecimento e aceitação do seu corpo tal como é, único e especial, desconstruindo ideias e crenças erradas. Cuidar da autoestima é tão importante!
Quem quiser recorrer a estas cirurgias deve esclarecer-se e procurar médicos especialistas nestas intervenções. Muitas mulheres assumem que a sua intimidade melhorou porque estão mais felizes com o seu corpo, com a sua vulva.
A parte psicológica é sem dúvida muito relevante para o bem-estar das mulheres e, por isso, muitas vezes não se olha aos riscos, mas é importante compreender a origem do desconforto e descontentamento.
Cada vulva é única e especial. Se olhássemos para ela desde sempre, talvez não fosse tão difícil aceitá-la como um dos lugares mais especiais para o nosso prazer e felicidade.
Vânia Beliz licenciou-se em Psicóloga Clinica e da Saúde. Mestre em Sexologia e doutoranda em Estudos da Criança na especialidade de Saúde Infantil, participa em projetos no âmbito dos Programas de Educação para a Saúde (PES) e o Projeto de Educação Sexual “A viagem de Peludim”, para crianças. É autora do livro Ponto Quê?, sobre a sexualidade feminina, e de Chamar As Coisas Pelos Nomes, dirigido às famílias sobre como e quando falar sobre sexualidade.