Atualmente, a Comissão Europeia apela para uma Europa com um impacto ambiental neutro até 2050, para que as consequências das alterações climáticas não venham a ser tão drásticas como se supõe que irão ser.
Entre os planos e as medidas para fazer frente a esta crise climática, está a regulação das emissões de carbono, que foi um dos temas mais discutidos na última cimeira da ONU sobre o clima (COP25), realizada em Madrid, em dezembro.
Contudo, este é um trabalho que compete a todos e não apenas às grandes indústrias poluentes e aos líderes políticos. A consciência parece ser um dos grandes temas de 2020, mas aparenta estar ainda muito longe de alcançar. Saiba o que pode esperar desta crise climática e como pode fazer a sua parte.
O retrato de um futuro não muito longínquo
Ondas de calor e chuvas torrenciais
Como será viver numa cidade, como Lisboa, em 2050? No verão, iremos ter períodos mais prolongados com temperaturas muito quentes e veremos algumas estações do ano a prolongarem-se.
Por exemplo, “os outonos começam a ser mais quentes, algo que já sentimos atualmente”, diz-nos Myriam Lopes, docente do Departamento de Ambiente e de Ordenamento do Mar da Universidade de Aveiro e investigadora do Centro de Estudos do Ambiente do mesmo estabelecimento universitário. O verão já não é tão quente como o outono e isto poderá ter consequências no próprio planeamento da vida das pessoas. Qual é o melhor mês para ir de férias e aproveitar o bom tempo? Agosto ou setembro? Já não se sabe.
Sabemos que as ondas de calor vão acontecer com mais regularidade e “se antes tínhamos cinco dias em que uma onda de calor persistia, agora vamos passar a ter dez”, completa a especialista. Com a subida da temperatura, o clima vai tornar-se também muito seco. Fora das cidades, enquanto tivermos floresta, esta vai arder e será cada vez mais difícil controlar os incêndios. E não será por falta de meios.
“Os australianos e canadianos são os peritos internacionais na questão do combate ao fogo e, no entanto, podemos ver o que está a acontecer nos seus países”, afirma Myriam Lopes. Obviamente que estas condições climáticas terão consequências para a saúde pública, como falaremos mais à frente.
Já no inverno, as temperaturas serão muito mais frias e, de uma forma geral, o número de dias de precipitação vai diminuir, mas “quando chover, vai chover muito”, diz-nos Myriam Lopes.
Com o aumento da quantidade de precipitação, aliado aos períodos de seca, irão acontecer cheias e enxurradas, tal como aconteceu recentemente, no rio Mondego. A perda de vegetação e a falta de permeabilidade nas cidades vão contribuir para que situações como estas aconteçam mais frequentemente.
Um problema de saúde pública
“Quando temos febre, precisamos de arrefecer o corpo. No início, o nosso organismo tem capacidade para combater temperaturas elevadas, mas não por muito tempo, e a partir dos 40 graus deixa de ter esse poder de autorregulação”, explica Myriam Lopes. Após um período de dias quentes, para que resista às temperaturas elevadas, o ser humano precisa de noites frescas e que o tempo arrefeça consideravelmente.
Claro que, nestas situações, os primeiros a serem prejudicados serão os países em vias de desenvolvimento, onde os sistemas de climatização não estão acessíveis a todos. Contudo, de uma maneira geral, as pessoas mais vulneráveis, como as crianças, os idosos e as grávidas estarão num risco de perigo mais elevado.
Mas, os efeitos das temperaturas elevadas podem começar logo antes do nascimento. Um estudo, publicado na revista Nature Climate Change mostrou que as altas temperaturas estão a ter um impacto no tempo de gestação do ser humano, fazendo com que nasçam, cada vez mais, bebés prematuros.
Relativamente às inundações, estas também poderão causar problemas ao nível da saúde. “Se não existir um bom controlo sanitário destas situações, poderemos ter problemas de contaminação (através do rebentamento de esgotos, por exemplo) e poderão desenvolver-se mais pragas”, afirma Myriam Martins.
Para o professor associado e convidado da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, António Tavares, a questão não está ao nível do aparecimento de novas doenças, mas sim de uma alteração da distribuição de algumas delas em locais onde anteriormente não existiam.
“Haverá um impacto significativo nas doenças infecciosas, salientando-se a influência das alterações climáticas na distribuição e concentração dos mosquitos, como o Anopheles, o Aedes Albopictus e o Aegypti, entre outros, o que influencia a distribuição daquele grupo de doenças”, explica-nos o professor.
A ecoansiedade
Um estudo realizado pela Universidade do Colorado veio mostrar que as alterações climáticas já estão a produzir consequências a nível psicológico. Os especialistas chamam-lhe ecoansiedade, que se traduz num sentimento desesperante de não conseguir fazer nada ou de se sentir totalmente impotente em relação às mudanças que já estamos a viver e que vamos viver no futuro.
Neste estudo, foram entrevistados estudantes daquela universidade, tendo a maioria afirmado já se ter sentido ansiosa devido às alterações climáticas e, também, desconfiada em relação às fontes utilizadas pelos meios de comunicação.
A Associação Americana de Psicologia criou um guia de 70 páginas sobre saúde mental e alterações climáticas que ajuda a perceber como é que esta crise pode gerar sentimentos de stresse, de ansiedade e, em casos mais graves, de trauma e choque.
“Há vários estudos que mostram que a taxa de suicídio aumenta em períodos muito quentes. O calor excessivo aumenta os níveis de stresse, principalmente em pessoas que já são afetadas por essa condição. Este aumento de temperatura também leva a que, em países menos desenvolvidos, como a Índia por exemplo, existam perdas na agricultura. Como, nesses países, a maioria das pessoas vive dessa atividade, quando perdem tudo, acabam por cometer o suicídio”, conta-nos Myriam Lopes.
Os velhos culpados e as soluções
O consumo inconsciente
“É muito fácil dizer ‘os carros poluem’, mas quem conduz os carros somos nós. As fábricas poluem, mas os consumistas somos nós. Somos uma sociedade de consumo e somos muito influenciados”, diz Myriam Lopes, enquanto fala sobre as soluções para esta crise climática.
Todos nós temos de fazer a nossa parte, mas enquanto os grandes emissores de gases de origem fóssil não tomarem medidas, nada mudará. “Só os países do G8, mais os do E7 (países emergentes) são responsáveis por 84 por cento do total das emissões de origem fóssil”, indica Carlos Antunes.
Portugal tem uma contribuição muito pequena e “estima-se que a nossa contribuição para o aquecimento global até ao final do século seja inferior a 0,1 por cento”, acrescenta o especialista, que diz não acreditar na abordagem ascendente de iniciativa individual, por achar que esta não é suficiente e não funciona à escala global.
Carlos Antunes defende que o Estado tem um papel fundamental neste combate. “Em vez de nos culpar do consumo de carne de vaca, do uso de plásticos, de carros a diesel, etc., o Estado deve exercer mais e melhor o seu papel de legislador, regulador e fiscalizador”, afirma.
Para o especialista, a ciência e a tecnologia não têm todas as soluções necessárias. Para fazer frente às alterações climáticas, será necessário um conjunto de medidas que vão abranger todas as áreas de governação.
Esta adaptação irá exigir respostas estruturais, institucionais, económicas e sociais. “A eficácia destas respostas dependerá da disponibilidade financeira adequada, de uma capacidade adaptativa (do País e dos municípios), de uma vontade política e de uma boa governança. Por isso, uma adaptação às alterações climáticas exige primeiro uma ‘casa arrumada’ e só se adaptará bem quem estiver mais bem preparado para o fazer”, explica Carlos Antunes.
Planeta vs. humanidade. Quem irá ganhar?
Para as expectativas de sustentabilidade, Carlos Antunes diz temer o pior. “Se fosse possível uma mudança, esta já deveria ter ocorrido. Andamos há mais de 30 anos a tentar resolver o problema da sustentabilidade e os problemas climáticos e ambientais que criámos. Para se alcançar a meta de 1,5 °C de aquecimento, os modelos de projeção socioeconómica que desenvolvo indicam que deveríamos eliminar por completo o uso de fontes fósseis já a partir de 2030 (algo que é impossível)”, esclarece.
Myriam Lopes diz ter uma visão um pouco diferente de alguns dos seus colegas. “O planeta já passou por quatro grandes extinções em massa, a última foi a dos dinossauros. A nossa grande preocupação não deve ser a sustentabilidade do planeta, porque este pode evoluir para outro estágio, com outras espécies – algumas delas vão cá ficar, nós é que podemos não sobreviver. A minha opinião é que o planeta Terra não vai acabar, vai evoluir para um novo estágio de equilíbrio”, diz-nos a especialista.
Comece já a fazer a sua parte
Myriam Lopes e Carlos Antunes indicaram-nos um conjunto de soluções que contribuem para um planeta mais sustentável:
• Viajar menos (dentro e fora do País);
• Reduzir as compras de produtos vindos de fora e comprar mais produtos nacionais;
• Aumentar a reutilização (de equipamentos, roupa, utensílios, etc.);
• Reduzir na generalidade e significativamente o consumo;
• Poupar no consumo de água;
• Para as pequenas deslocações, evitar o carro e andar mais a pé;
• Fazer pressão perante os governos locais para se fecharem as ruas ao trânsito, de forma a que as pessoas possam circular em áreas ajardinadas destinadas aos peões;
• Fazer uma alimentação à base de produtos frescos. Evitar comer tantas vezes produtos de origem animal (veja como ter uma alimentação mais amiga do ambiente);
• Tornar-se mais ativa publicamente e informar-se sobre o tema das alterações climáticas, evitando o radicalismo.