É um ato de intimidação, de violência física ou psicológica, e até de coerção que não deve, em qualquer circunstância, ser tolerado. Direta ou indiretamente, já ouvimos falar de vários episódios de bullying em que muito poucas vezes se soube o que fazer, como agir, como denunciar e, principalmente, como parar.
Ainda que seja mais comum em grupos de crianças ou jovens, o bullying estende-se até à idade adulta e não é exclusivo no ambiente escolar. “Fala-se muito de bullying nas escolas mas pode acontecer em academias e locais onde decorrem as atividades extracurriculares, dentro da família, família alargada ou até grupos de amigos”, diz-nos Ana Moniz, psicoterapeuta na Psinove e autora do livro Este livro não é para fracos: como agir com coragem está ao alcance de todos.
Se os pais tiverem de lidar com uma situação destas, então o primeiro passo “será apoiar a criança ou o adolescente a pedir ajuda ou tomar a iniciativa de contactar os adultos responsáveis no contexto onde o bullying aparece”.
A desvalorização, neste caso, é a atitude proibida e que deve ser repudiada. A fim de se sentir mais segura e compreendida, a criança deverá sentir-se apoiada a fim de poder contar o que se passa e, possivelmente, quem são os agressores.
“O facto de serem ouvidas e terem apoio em vez daquela triste frase ‘deixa-os lá, não ligues’ já permite continuar a acreditar que quando é preciso é possível pedir ajuda e, por isso, pode-se confiar nos outros”, explica a psicoterapeuta.
“Por vezes os pais ficam aflitos e vão à escola ameaçar que vão chamar a polícia, e atenção que eu entendo que haja casos em que os pais devem mesmo chamar a polícia, mas os adultos envolvidos têm de colaborar na resolução do problema e a pior maneira de começar a lidar com uma situação destas é pela procura do culpado e por ameaças.”
Os sinais de alerta de bullying a que deve estar atenta
Ana Moniz deixa-nos alguns alertas a que os pais devem atentar.
• As crianças deixarem de querer ia a uma atividade, na qual mostravam entusiasmo;
• Irritação;
• Tristeza;
• Dores de cabeça ou sinais físicos repetidos de desconforto.
Atitudes que devem ser continuadas
• Perguntar como correm as coisas, mesmo que a resposta seja “está tudo bem”;
• Observar e questionar as pessoas à volta se notam alguns sinais na criança;
• Irem mostrando que aceitam as dificuldades dos filhos e que, por vezes, é melhor não pertencer a um grupo que nos trata mal do que fazermos tudo o que está ao nosso alcance para que os outros gostem de nós.
O papel das escolas e dos educadores
A prevenção e as campanhas contra o bullying têm sido um dos planos de ataque das escolas para alertar e combater o problema.
Tem sido eficaz? Segundo o inquérito TALIS (Teaching and Learning International Survey), de 2019, levado a cabo pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), o bullying nas escolas portuguesas do ensino básico desceu para metade em cinco anos, além de que apenas 7,3% das escolas reportaram pelo menos um episódio por semana de bullying ou intimidação entre estudantes.
Estarão as pessoas mais conscientes? “Não só estão mais conscientes como estão a agir mais, os pais e professores estão mais atentos e apoiados. O programa Escola Segura da PSP é uma mais valia e também a existência de mais psicólogos nas escolas que funcionam como um apoio de primeira linha”, responde Ana Moniz.
A resposta imediata é, desta forma, essencial para não deixar perpetuar uma situação que pode ser silenciosa e, na maioria das vezes, gradual. Cabe, não só às escolas, mas a todos os envolvidos na vida de uma criança fazer um controlo destes atos e agir em conformidade.
“Professores e auxiliares, tal como os treinadores, chefes de escuteiros ou familiares que interagem diretamente e frequentemente com as crianças têm um enorme poder para mudar a situação”, menciona a psicoterapeuta. Porém, os pais devem intervir se presenciarem alguma atitude de bullying.
“Há uns meses, uma mãe contava que o filho de 10 anos no seu grupo de amigos usava a palavra ‘gay’ como insulto, mas que ela sabia que ele não era preconceituoso, só o fazia para fazer parte do grupo. É neste género de situações que começa a intervenção, muito antes de se usar sequer a palavra bullying.”
Os pais devem ainda estar atentos às escolas ou instituições onde colocam os filhos. Ana Moniz aconselha os pais a perguntarem diretamente como é que lidam com situações de bullying, e a não aceitarem respostas como “isso agora é uma moda” ou “isso eles resolvem entre eles”.
A perspetiva do bully
O que leva uma criança a coagir outra pode depender de muitos fatores. Porém, é também preciso aprender a lidar com alguém que seja o agressor e não a vítima.
“As razões para alguém humilhar ou agredir outro serão diversas, mas costumam estar associadas a sofrimento emocional”, indica Ana Moniz.
“É preciso mostrar que não é admissível e simultaneamente dar condições para a mudança de comportamento. Uma criança ou adolescente que faz bullying muito provavelmente estará em sofrimento e precisa de apoio psicológico”, completa.
A psicoterapeuta, afirma ainda que é frequente as vítimas de bullying acabarem também por fazer bullying. É imprescindível que os adultos à sua volta não permitam que tanto uma criança como adolescente ganhe poder sob outro e que o use como forma de humilhação.
“Os casos que aparecem nas notícias de adolescentes em atos extremamente violentos não aparecem de um dia para o outro, são a ponta do iceberg de um padrão competitivo e violento de nos relacionarmos uns com os outros. E são também resultado daquela ideia de ‘se não for contigo, não te metas’. É na base do iceberg que é preciso fazer as mudanças”, diz Ana Moniz.
As possíveis soluções
Ainda que mudar de escola, de atividade ou de ambiente possa ajudar muito a criança ou o adolescente a começar de novo, pode não chegar para ultrapassar o trauma que já sofreu no passado.
“Esta mudança de ambiente por si só não chega, se estamos sempre a retirar uma criança de situações de bullying sem lhe dar ferramentas para resolver problemas, melhorar a sua autoconfiança e saber proteger-se, corremos o risco de estar a manter as condições”.
Algumas ferramentas que podem ser úteis:
• Ensinar as crianças a darem a sua opinião quando não concordam com algo;
• Ajudar a aceitar as suas diferenças e as diferenças dos outros;
• Atividades físicas também podem ajudar a desenvolver a autoconfiança e a coragem física;
• Acompanhamento psicológico.
Se algum dia presenciar uma situação destas, recorde-se que há a possibilidade de fazer uma denúncia anónima. Fechar os olhos nunca será solução.
“É como sociedade que se pode fazer a prevenção do bullying, na responsabilidade individual e educação para o cuidado e respeito pelos outros. Parece um cliché, mas é por alguma razão que eles existem”, remata a psicoterapeuta.