Nascidos entre 1995 e 2010, fazem parte da geração mais qualificada e tolerante de sempre. Certamente que muitos deles não se vão lembrar do Myspace ou dos discmans que tantos millennials tiveram. Os jovens da geração Z são os primeiros a crescer na era dos smartphones.
Ativistas, inovadores e sem linhas tradicionais a seguir, vão ter de lidar com as questões do mundo moderno, sobretudo com os problemas relacionados com o aquecimento global. Afinal, o que podemos esperar destes jovens, que, de acordo com um estudo da agência de previsão e análise de tendências WGSN, são já cerca de dois mil milhões?
Crescidos e criados pelo digital
Para a geração Z, a vida antes da Internet é um local desconhecido e estranho. Em comparação com os millennials, esta geração está ainda mais conectada à tecnologia. “O que diferencia a nova geração da anterior é uma aceleração do processo tecnológico”, diz-nos Bernardo Coelho, sociólogo e investigador no Centro Interdisciplinar de Estudos de Género de Lisboa do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.
Nascidos num período em que as novas tecnologias estão completamente generalizadas, esta é a geração do imediato, que não tem tempo para esperar e que vive completamente no digital – desde a forma como se alimentam até à forma de como se divertem.
Nunca uma geração teve acesso à quantidade de informação que esta tem. No entanto, quanto mais informação há, maior é o risco de desinformação. “As questões de fake news colocam em evidência a importância da literacia tecnológica”, diz-nos Maria Manuel Vieira, coordenadora do Observatório Permanente da Juventude, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Igualdade para todos
Nesta geração, a igualdade de direitos está mais assumida do que nas gerações anteriores. No entanto, existe um risco de as questões relacionadas com a igualdade, como as questões de género ou de orientações sexuais diferentes, deixarem de ser uma preocupação.
A igualdade não deve ser vista como um dado adquirido porque “é algo sempre muito precário, sujeito a transformações políticas”, explica Bernardo Soares, sociólogo. Ainda existem muitas dimensões dentro desta área que devem ser aprofundadas. “Esta geração tem de ter consciência de que é preciso continuar a fazer essa luta, porque não é algo que terminou”, acrescenta o especialista.
Eu ou nós?
A incerteza criada pelos tempos de crise levou à necessidade de procurarem o seu lugar e de afirmarem a sua individualidade. “Ao contrário dos millennials, estes jovens são muito mais competitivos e gostam de trabalhar a nível individual. No fundo, são mais individualistas”, realça Solange Soares, team leader da Hays.
“Os jovens da geração Z tendem a procurar marcas que, assim como eles, valorizam a capacidade de autoexpressão e de autonomia. Não têm interesse nas que tentam agradar a todos e preferem aquelas que dão mais valor ao indivíduo”, lê-se no estudo A Equação da Geração Z, realizado pela WGSN.
A maneira como os jovens se relacionam uns com os outros também é um reflexo da própria valorização do indivíduo. No entanto, este é um processo de individualização que precisa sempre do outro para obter reconhecimento. “Quando um jovem tem muitos amigos no Facebook, isso mostra que é reconhecido e, portanto, precisa dos outros para reforçar a sua singularidade, tal como ter muitos likes no Instagram”, explica Maria Manuel Vieira.
O facto de terem nascido na era das redes sociais faz com que não se sintam confortáveis em receber feedback negativo. “Quando colocamos a nossa informação nas redes sociais, estamos sempre à espera de críticas positivas e, portanto, não lidamos tão bem com as críticas negativas. Neste sentido, a forma como os empregadores passam o feedback de desempenho deve também ser alterada”, sublinha Solange Soares.
A política das pequenas causas
Outro dos reflexos do individualismo desta geração é a forma como olham para a política e como poderão vir a fazer política no futuro. Hoje em dia, existem novas formas de ativismo político “menos institucionalizado, já não tanto em torno de partidos (…), mas em torno de causas”, explica Maria Manuel Viera.
Esta nova forma de agir na política “prende-se muito com o ativismo que está relacionado com a ‘minha construção identitária’, e menos com o desejo de levar o mundo todo”, adianta a socióloga. “As redes sociais permitem essa flexibilidade de construção e de diálogo entre ativistas de uma forma mais flexível do que as grandes instituições, como os partidos políticos”, diz-nos Maria Manuel Vieira.
Bernardo Coelho é da mesma opinião, exemplificando que “nos últimos tempos tem surgido uma multiplicação de associações, o que é também uma forma de participação política. Temas como a igualdade de género e o feminismo têm sido cada vez mais debatidos e têm vindo a crescer grupos e movimentos mais ou menos formalizadas nessa área”.
Esta “multiplicação das formas de participação cívica e política também está relacionada com a multiplicação de horizontes que as pessoas têm”, refere Bernardo Coelho. Ou seja, com os seus percursos pouco lineares.
Saúde psicológica frágil
As estatísticas indicam uma tendência para o aumento da depressão à medida que as gerações avançam. “Esta realidade merece uma preocupação muito especial se considerarmos que a geração Z constitui cerca de 30 por cento da população portuguesa atual”, diz-nos a psicóloga Rita Fonseca de Castro, que define a saúde mental destes jovens como sendo frágil.
O estilo de vida desta nova geração tem consequências na sua saúde mental. As principais queixas estão relacionadas com stresse, ansiedade, mas também com a falta de energia e a tristeza. Outros dos fatores a ter em consideração são as dificuldades de socialização e os sentimentos de insegurança e de indefinição (acerca do próprio, do mundo que o rodeia e do futuro), muito próprios do contexto em que esta geração nasceu e cresceu.
Mundo virtual ou real?
A sobrevalorização das redes sociais aliada ao seu uso abusivo contribuem para “um maior isolamento e escassez de ligações reais”, explica Rita Fonseca de Castro. A necessidade de aceitação e a procura constante por algo novo ou mais interessante também são alguns dos problemas causados pelo uso abusivo destes meios sociais.
“A contabilização e controlo do número de amigos, seguidores, de likes em fotografias e publicações podem assumir uma forma quase obsessiva e geradora de ansiedade”, esclarece a especialista.
Outra caraterística desta geração é o ‘FOMO’ (Fear of Missing Out), que é um estado de espírito de ansiedade e de insatisfação constantes. “Nunca se está satisfeito com o que se tem ou se está a fazer, porque pode sempre surgir algo melhor a apenas um clique de distância – um evento ou um programa que parece melhor do que aquele que acabou de se combinar, uma pessoa que nos parece muito mais interessante do que as que já conhecemos e a quem podemos ‘pedir amizade’ ou tentar um ‘match’”, assegura Rita Fonseca de Castro.
Sem tabus
Apesar de serem considerados impacientes (o que dificulta a gestão de frustrações), os jovens desta geração lidam com os problemas mentais de uma forma bastante mais aberta e descomplicada, quando comparados com as gerações anteriores.
“Recorrem com mais facilidade e de forma mais precoce a formas possíveis de resolução, encarando sem tabus a necessidade de recurso a psicoterapia ou o apoio psicológico – quando se tem queixas físicas, vai-se ao médico, quando o sofrimento é de natureza psicológica, procura-se um psicólogo ou um psiquiatra”, explica Rita Fonseca de Castro.
Nestas situações, as redes sociais assumem um papel positivo porque normalizam a necessidade de pedir ajuda. É comum, nos dias de hoje, vermos pelo Instagram páginas de empoderamento relacionadas com problemas psicológicos.
Estas iniciativas ajudam a desmistificar crenças que antes eram muito comuns, como, por exemplo: ‘sou só eu que tenho isto’, ‘ninguém passa pelo mesmo’ ou até ‘os psicólogos são para malucos’, preconceitos que, de acordo com a especialista, são quase inexistentes na geração Z.