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Diga adeus aos millennials. Conheça as caraterísticas da geração Z

Diga adeus aos millennials. Conheça as caraterísticas da geração Z

São chamados individualistas, gostam de astrologia e substituíram a televisão pela Netflix. Não têm qualquer tabu em assumir distúrbios mentais e procuram cada vez mais soluções alternativas para os seus problemas. Já percebeu sobre quem estamos a falar? Dos novos jovens – a geração Z.

Por Nov. 28. 2019

Nascidos entre 1995 e 2010, fazem parte da geração mais qualificada e tolerante de sempre. Certamente que muitos deles não se vão lembrar do Myspace ou dos discmans que tantos millennials tiveram. Os jovens da geração Z são os primeiros a crescer na era dos smartphones.

Ativistas, inovadores e sem linhas tradicionais a seguir, vão ter de lidar com as questões do mundo moderno, sobretudo com os problemas relaciona­dos com o aquecimento global. Afinal, o que podemos esperar destes jovens, que, de acordo com um estudo da agência de previsão e análise de tendências WGSN, são já cerca de dois mil milhões?

Crescidos e criados pelo digital

Para a geração Z, a vida antes da Inter­net é um local desconhecido e estranho. Em comparação com os millennials, esta geração está ainda mais conectada à tec­nologia. “O que diferencia a nova geração da anterior é uma aceleração do processo tecnológico”, diz-nos Bernardo Coelho, so­ciólogo e investigador no Centro Interdis­ciplinar de Estudos de Género de Lisboa do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

Nascidos num período em que as novas tecnologias estão completamente genera­lizadas, esta é a geração do imediato, que não tem tempo para esperar e que vive completamente no digital – desde a forma como se alimentam até à forma de como se divertem.

Nunca uma geração teve acesso à quantidade de informação que esta tem. No entanto, quanto mais informação há, maior é o risco de desinformação. “As questões de fake news colocam em evidência a importância da literacia tecnológica”, diz-nos Maria Manuel Vieira, coordenadora do Observatório Permanente da Juventude, do Instituto de Ciências Sociais da Uni­versidade de Lisboa.

Igualdade para todos

Nesta geração, a igualdade de direitos está mais assumida do que nas gerações anteriores. No entanto, existe um risco de as questões relacionadas com a igualdade, como as questões de género ou de orientações sexuais diferentes, deixarem de ser uma preocupação.

A igualdade não deve ser vista como um dado adquirido porque “é algo sempre muito precário, sujeito a transformações políticas”, explica Bernardo Soares, sociólogo. Ainda existem muitas dimensões dentro desta área que devem ser aprofundadas. “Esta geração tem de ter consciência de que é preciso continuar a fazer essa luta, porque não é algo que terminou”, acrescenta o especialista.

Eu ou nós?

A incerteza criada pelos tempos de crise levou à necessidade de procurarem o seu lugar e de afirmarem a sua indivi­dualidade. “Ao contrário dos millennials, estes jovens são muito mais competitivos e gostam de trabalhar a nível individual. No fundo, são mais individualistas”, realça Solange Soares, team leader da Hays.

“Os jovens da geração Z tendem a procurar marcas que, assim como eles, valorizam a capacidade de autoexpressão e de autonomia. Não têm interesse nas que tentam agradar a todos e preferem aquelas que dão mais valor ao indivíduo”, lê-se no estudo A Equação da Geração Z, realizado pela WGSN.

A maneira como os jovens se relacionam uns com os outros também é um reflexo da própria valorização do indivíduo. No entanto, este é um processo de individua­lização que precisa sempre do outro para obter reconhecimento. “Quando um jovem tem muitos amigos no Facebook, isso mos­tra que é reconhecido e, portanto, precisa dos outros para reforçar a sua singularida­de, tal como ter muitos likes no Instagram”, explica Maria Manuel Vieira.

O facto de terem nascido na era das redes sociais faz com que não se sintam confortá­veis em receber feedback negativo. “Quan­do colocamos a nossa informação nas re­des sociais, estamos sempre à espera de críticas positivas e, portanto, não lidamos tão bem com as críticas negativas. Neste sentido, a forma como os empregadores passam o feedback de desempenho deve também ser alterada”, sublinha Solange Soares.

A política das pequenas causas

Outro dos reflexos do individualismo des­ta geração é a forma como olham para a política e como poderão vir a fazer política no futuro. Hoje em dia, existem novas for­mas de ativismo político “menos institu­cionalizado, já não tanto em torno de par­tidos (…), mas em torno de causas”, explica Maria Manuel Viera.

Esta nova forma de agir na política “prende-se muito com o ativismo que está relacionado com a ‘mi­nha construção identitária’, e menos com o desejo de levar o mundo todo”, adianta a socióloga. “As redes sociais permitem essa flexibilidade de construção e de diálogo entre ativistas de uma forma mais flexível do que as grandes instituições, como os partidos políticos”, diz-nos Maria Manuel Vieira.

Esta multiplicação das formas de participa­ção cívica e política também está relaciona­da com a multiplicação de horizontes que as pessoas têm, Bernardo Coelho, sociólogo

Bernardo Coelho é da mesma opi­nião, exemplificando que “nos últimos tempos tem surgido uma multiplicação de associações, o que é também uma forma de participação política. Temas como a igualdade de género e o feminismo têm sido cada vez mais debatidos e têm vindo a crescer grupos e movimentos mais ou menos formalizadas nessa área”.

Esta “multiplicação das formas de participa­ção cívica e política também está relaciona­da com a multiplicação de horizontes que as pessoas têm”, refere Bernardo Coelho. Ou seja, com os seus percursos pouco lineares.

Saúde psicológica frágil

As estatísticas indicam uma tendência para o aumento da depressão à medida que as gerações avançam. “Esta realidade merece uma preocupação muito especial se considerarmos que a geração Z cons­titui cerca de 30 por cento da população portuguesa atual”, diz-nos a psicóloga Rita Fonseca de Castro, que define a saúde mental destes jovens como sendo frágil.

O estilo de vida desta nova geração tem consequências na sua saúde mental. As principais queixas estão relacionadas com stresse, ansiedade, mas também com a falta de energia e a tristeza. Outros dos fatores a ter em consideração são as difi­culdades de socialização e os sentimentos de insegurança e de indefinição (acerca do próprio, do mundo que o rodeia e do futuro), muito próprios do contexto em que esta geração nasceu e cresceu.

Mundo virtual ou real?

A sobrevalorização das redes sociais aliada ao seu uso abusivo contribuem para “um maior isolamento e escassez de ligações reais”, explica Rita Fonseca de Castro. A necessidade de aceitação e a procura constante por algo novo ou mais interessante também são alguns dos pro­blemas causados pelo uso abusivo destes meios sociais.

“A contabilização e controlo do número de amigos, seguidores, de likes em fotografias e publicações podem assu­mir uma forma quase obsessiva e gerado­ra de ansiedade”, esclarece a especialista.

Outra caraterística desta geração é o ‘FOMO’ (Fear of Missing Out), que é um es­tado de espírito de ansiedade e de insatis­fação constantes. “Nunca se está satisfeito com o que se tem ou se está a fazer, porque pode sempre surgir algo melhor a apenas um clique de distância – um evento ou um programa que parece melhor do que aquele que acabou de se combinar, uma pessoa que nos parece muito mais interessante do que as que já conhecemos e a quem pode­mos ‘pedir amizade’ ou tentar um ‘match’”, assegura Rita Fonseca de Castro.

Sem tabus

Apesar de serem considerados impacientes (o que dificulta a gestão de frustrações), os jovens desta geração lidam com os proble­mas mentais de uma forma bastante mais aberta e descomplicada, quando compa­rados com as gerações anteriores.

“Recor­rem com mais facilidade e de forma mais precoce a formas possíveis de resolução, encarando sem tabus a necessidade de re­curso a psicoterapia ou o apoio psicológico – quando se tem queixas físicas, vai-se ao médico, quando o sofrimento é de natureza psicológica, procura-se um psicólogo ou um psiquiatra”, explica Rita Fonseca de Castro.

Nestas situações, as redes sociais assumem um papel positivo porque normalizam a ne­cessidade de pedir ajuda. É comum, nos dias de hoje, vermos pelo Instagram páginas de empoderamento relacionadas com proble­mas psicológicos.

Estas iniciativas ajudam a desmistificar crenças que antes eram muito comuns, como, por exemplo: ‘sou só eu que tenho isto’, ‘ninguém passa pelo mesmo’ ou até ‘os psicólogos são para malucos’, precon­ceitos que, de acordo com a especialista, são quase inexistentes na geração Z.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 233, novembro 2019.
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