Estou há 12 dias sem sair de casa e ainda não estou farta. Não, não estou louca, e claro que era bom poder sair à rua quando quisesse, olhar para o Tejo como fazia sempre que saía de casa, ir para a redação e ter o prazer de voltar a pé, ir lanchar ou jantar fora, estar com a família e com os amigos, mas neste momento a única coisa que importa é travar a curva ascendente desta pandemia, e para isso temos de ficar em casa.
E sabem por que não estou farta? Porque, primeiro, gosto de estar em casa – mesmo em tempos normais é sempre o meu porto de abrigo; segundo, tenho a sorte de me poder resguardar entre quatro paredes e há quem não o possa fazer.
Penso nos sem-abrigo, nos migrantes e nos refugiados, que estão sempre no fim da linha; penso nas pessoas que não podem ficar em casa, ou seja, médicos, enfermeiros e demais pessoal hospitalar e nas que estão a trabalhar para manter o país a funcionar, sem falar dos doentes que, em casa ou no hospital, estão a passar por tão difícil momento.
Portanto, antes de se queixarem tanto e irem para a rua só porque sim, pensem em todas essas pessoas e fiquem em casa. Desde domingo, houve 16 detenções por desobediência das restrições impostas pelo estado de emergência e eu pergunto: como é possível tamanha irresponsabilidade?
O meu único contacto com o exterior são as minhas janelas. Abro-as todos os dias mal me levanto, não vejo quase ninguém, até porque não tenho vista para a rua, porque moro num típico pátio lisboeta e é este que vejo, e os vizinhos também se têm resguardado, parece-me.
Oiço os pássaros, as gaivotas (o rio está perto) e, por vezes, algumas crianças, passei a adorar estender a roupa, escolho a hora em que bate o sol na janela e estou ali uns minutos a fazer um pouco de fotossíntese. De resto, eu workaholic me confesso (mas, atenção, já o era antes da quarentena), tenho trabalhado muitas horas, logo não me tem sobrado muito tempo para outras coisas, nem para tédios.
Há duas coisas para a qual reservo sempre tempo: ver os noticiários (de manhã, ao almoço e à noite, o resto do dia oiço rádio e vou espreitando as notícias online) e cozinhar. Cozinho sempre para o dia seguinte e a explicação é simples, vivo sozinha e enquanto não passarem os 14 de dias de quarentena voluntária a que me propus, há sempre o receio de estar infetada, por isso, mais vale prevenir do que remediar. Hoje estou bem e tenho energia, amanhã não sei.
Talvez por estar muito ligada a Itália (tenho vários amigos transalpinos, estudei italiano e é o país que melhor conheço depois de Portugal) e ter o hábito de dar uma olhadela diária aos jornais italianos, comecei a ver o cenário dantesco um pouco antes da maioria das pessoas que me rodeavam. A acrescentar a isto, no ano passado foi-me diagnosticada uma doença autoimune, caso de estudo como diz uma das médicas que me acompanha, portanto sei que todo o cuidado é pouco.
Perante estes dois cenários, dei por mim a discutir com várias pessoas que desvalorizavam o coronavírus, que não lavavam as mãos com mais frequência, que diziam ser uma doença de velhinhos, como se fosse normal que uma patologia dizimasse as pessoas só por já terem ultrapassado uma determinada idade.
Mas voltando ao início, ainda não estou farta de estar em casa, mas quero que isto acabe depressa (e estou consciente de que ainda pode demorar), quero voltar aos lugares que amo e a conhecer outros, porque viajar é a minha grande paixão; quero voltar a abraçar as pessoas de quem gosto e olhem que não sou pessoa de muitos abraços.
Até lá, o telefone e o computador dão para matar as saudades, dar gargalhadas e dizer muitas piadas, a maioria de humor bem negro (até a minha mãe já vai aderindo a esta tática), porque rir é sempre o melhor remédio, mesmo no meio do caos.
Protejam-se, porque a Covid-19 não é uma doença que só acontece aos outros, e cada um de nós tem de fazer a sua parte na contenção da pandemia.