Crónica: Ansiedade, semanas sem fim e Bruno Nogueira a dar-me alento
Temos vivido tempos estranhos, confusos, e não sabemos para onde caminhamos. Três palavras: ficar em casa. Embora sem enlouquecer.
Encontro-me sentada na cadeira da mesa de jantar, com uma sweatshirt da Barbie, calças largas que não usava desde 2005 e cabelo que não vê pente há duas semanas e meia. Desde que este episódio de Black Mirror (que não está disponível na Netflix) começou, houve muita coisa a mudar, muitas rotinas a serem alteradas, a sanidade mental tornou-se num bem precioso que precisamos de cuidar e damos por nós a tentarmos fazer futurologia, mas sem sucesso.
Encarei esta quarentena da mesma forma que muitas colegas e amigas minhas encararam, de forma positiva, com união e com o pensamento de que não nos mandaria abaixo. Começou bem. Estabeleci horários, comecei a fazer exercício físico em casa, comecei a ler muito mais (porque antes só lia antes de ir dormir), comecei ainda a ver uma série e tive de facto cuidado com a alimentação.
Duas semanas depois é este o retrato: acabei a série e não comecei a ver outra; acabei o livro e estou a meio de outro sem vontade de o ler; o último registo de exercício físico foi em 1983 e achei por bem comprar chocolates, bolachas e batatas fritas na minha última ida ao supermercado.
Além de todo este cenário apocalíptico, esperava encontrar uma velha amiga que decidiu voltar em força para me retirar equilíbrio. A ansiedade é um obstáculo difícil. Apareceu nesta terceira semana – que, entretanto, parece não ter fim – e veio com tudo: com taquicardias, com uma respiração mais acelerada, a atacar os meus pensamentos mais positivos e a tirar-me a motivação diária sem piedade. Eu sabia que ela estava a caminho, não sabia era que me iria atacar desta forma.
Como o positivismo é essencial nesta altura, tenho a certeza de que o slogan desta campanha mundial da Covid-19, “Vai ficar tudo bem”, faz todo o sentido. E acredito nele a 100%. Sei que daqui a uns meses vou poder abraçar as minhas amigas e família, voltar ao ginásio, beber um copo à noite algures em Lisboa e andar na rua sem medo de passar demasiado perto de alguém.
Até lá, procuro diariamente coisas que me consigam satisfazer a minha ânsia. O chocolate e as bolachas servem para camuflar o sentimento de desespero por não poder sair à rua nestes últimos tempos, mas quando vemos tantos países na Europa a sofreram tanto ou mais do que nós, e o nosso próprio País a tentar aguentar-se, é impossível não nos questionarmos: “quando é que tudo volta ao normal? Será que vamos ser os mesmos?”.
Não, não vamos ser os mesmos, nem podemos. Teremos de tirar algo desta jornada execrável que tem afetado toda a gente por todo o mundo. Somos fortes, estamos unidos, mas temos de continuar assim. Temos de encarar a vida de outra forma, agradecermos por tudo o que nos podem tirar em apenas algumas semanas. Um simples abraço tornou-se um privilégio. O toque humano é agora tido como uma recompensa que todos nós queremos ter. Vai tudo correr bem, tenho a certeza.
Uma pequena luz na escuridão
Recebi a notificação a dizer “corpodormente está agora em direto” há cerca de três semanas, ainda na época quando fazia exercício. Foi o meu primeiro direto do Bruno Nogueira. A partir daí, não parei mais.
É a rotina mais certa que tenho tido nos últimos tempos. Às 23h em ponto estou no Instagram à espera de ver Bruno Nogueira a receber os seus convidados – amigos e também eles humoristas – que nos fazem esquecer, durante duas horas, o que temos vivido no último mês.
Desde o karaoke amoroso, mas desafinado, de Nuno Markl às obras de arte de João Manzarra, aos dos pensamentos soltos de João Quadros, os temas passam obviamente pela Covid-19 (afinal, o bicho mexe?), pelas rotinas com os filhos e as preferências de cada um a nível de pornografia e masturbação.
O mais incrível desta tenebrosa viagem tem sido a prova de como a Internet pode ser utilizada de forma fantástica. Vemos sempre as redes sociais a serem escrutinadas e denegridas como um demónio que veio tirar tempo e sugar a alma das pessoas, mas esta é a revelação perfeita de como pode ser uma ferramenta muito mais do que útil – e também ela solidária.
No meio da minha ânsia diária encontro alguma paz neste momento do dia. Rio-me, vejo quem entra nos comentários e digo olá às amigas que por lá estão, possivelmente, à procura do mesmo que eu: algum conforto nestes dias cinzentos.
Temos ainda muito para enfrentar, não tenho dúvidas, mas acho que é possível sermos resilientes e tentarmos encontrar formas de resistir a uma das maiores ameaças que já enfrentámos.
Vai tudo melhorar, vai tudo correr bem.