Crónica. Quarentena ou a insustentável relatividade do tempo
Mais do que um desabafo, um pedido de ajuda, um apelo para fazermos um esforço conjunto e travar o que está a acontecer.
Ontem completei uma semana de quarentena voluntária. No entanto, no dia em que o fiz, o Presidente da República declarou estado de emergência. Isto significa mais duas semanas em casa, além desta que já passou.
O que mudou ao longo destes dias? Principalmente as pessoas. Em pouco tempo, assisti a um País unir-se de uma forma como nunca tinha visto, profissionais de saúde a mobilizaram-se, as pessoas a isolaram-se em casa, vizinhos a ajudarem-se, pais que voltam a reconetar-se com os filhos e, de repente, aprendemos a viver novamente. De uma forma mais plena, mais calma, menos preenchida por eventos, reuniões, listas de trabalho sem fim ou a correria do dia a dia.
As atividades desportivas tornaram-se algo divertido e não uma obrigação que temos de conseguir enfiar numa agenda já apertada, as refeições são preparadas com amor, a roupa é arrumada sem pressas e, de um momento para o outro, o tempo chega para tudo.
Mas o que é que mudou verdadeiramente? Novamente, as pessoas ou a falta delas. Nestes sete dias, sinto falta de ver rostos conhecidos, de abraçar as minhas amigas e rir-me perdidamente com elas, sinto falta dos jantares de família, de sair para a rua e aproveitar os dias que se tornam mais longos. Sinto um aperto no coração, sinto a saudade no seu sentido mais literal e tão português como se canta nos nossos fados.
De repente, esta quarentena obriga-nos a pensar, as prioridades mudam e começamos a questionar aquilo que é realmente importante.
Ao longo destes dias, consegui compreender que aquilo que tomava como garantido ganha agora outra relevância, um outro valor. Fez-me pensar sobre a importância de um sorriso, o peso esmagador de um abraço e a intensidade que um aperto de mão pode ter. Aqueles que nos rodeiam são tão importantes e, quando isto tudo terminar, é com eles que quero festejar e voltar a viver.
Porém, apesar de assistir ao esforço deste País para controlar o vírus, também vejo muito egoísmo por parte de indivíduos que desvalorizam esta pandemia e que, inevitavelmente, acabam por atrasar os avanços feitos por outros. Mais do que atrasar avanços, estes indivíduos representam um perigo para si mesmos, para a sociedade, para as suas famílias e todos que os rodeiam.
Como tantos já referiram, este inimigo é silencioso e os seus efeitos demoram a sentir-se. Este é o momento em que temos de pensar num bem maior, deixar os nossos desejos de lado e agir cada vez mais em prol da comunidade.
Se olharmos para o que está a acontecer em Itália, é impossível ficarmos indiferentes. Os casos aumentam de dia para dia, os médicos estão física e emocionalmente esgotados e existe um défice de recursos, mas as pessoas, apesar de se sentirem desesperadas, mantêm a esperança.
É comum acharmos que determinadas situações só acontecem aos outros, mas neste caso, a prevenção é fundamental para evitar que os nossos números aumentem exponencialmente. Isso e claro, manter a esperança de que melhores dias virão. Ninguém gosta de se sentir condicionado, mas é preciso compreender que a mudança para melhor depende unicamente de nós.
Nesta quarentena, temos de continuar a ser fortes, temos de continuar unidos, respeitar aquilo que nos pedem e tentar ao máximo não desobedecer, por muito que a saudade nos faça ter vontade de fugir para junto daqueles que gostamos. Só cumprindo estas regras é que nos poderemos todos ver mais rapidamente. Até lá, fiquem em casa.