Conheça os direitos das mulheres pelo mundo
No caminho para a igualdade de género, muito há a fazer, mas olhámos para os últimos 12 meses e encontrámos alguns factos que merecem o nosso aplauso e nos fazem refletir sobre o que é ser mulher nos dias de hoje.
No mês em que se assinala o Dia Internacional da Mulher, olhámos para pequenas grandes vitórias que aconteceram desde 8 de março de 2020 na defesa dos direitos femininos e que testemunham as diferentes velocidades a que caminham os países neste tema.
Num período particularmente difícil, dado o contexto de pandemia, muito há por fazer em prol da igualdade de género. O The Global Gender Gap Index 2020, realizado pelo Fórum Económico Social, estima que, ao passo atual, a igualdade de géneros só seja atingida na Europa daqui a 54 anos, 59 na América Latina, 71,5 no sul da Ásia, 95 na África subsariana, 107 na Europa do Leste e na Ásia Central, 140 no Médio Oriente e África do Norte, 152 na América do Norte e 163 na Ásia Este e Pacífico.
A Islândia ocupa, pelo 11.º ano consecutivo, a liderança deste ranking que mede o grau de igualdade entre homens e mulheres através de indicadores como participação económica, oportunidade, educação, saúde, esperança média de vida e participação política. Seguem-se a Noruega, Finlândia, Suécia e Nicarágua.
Portugal encontra-se na 35.ª posição. O Iémen é, há 13 anos, o pior país para se ser mulher, antecedido pelo Iraque, Paquistão, Síria e República Democrata do Congo.
O The Global Gender Gap Index estima que só daqui a 54 anos é que a igualdade de géneros será atingida na Europa
Um ano difícil
Para Carolina Pereira, ativista dos direitos humanos e fundadora do HeForShe Portugal, quando se fala “de conquistas de direitos das mulheres, todos os anos são importantes”, no entanto, os últimos 12 meses, “de uma maneira geral, foram difíceis para as mulheres… pois são estas que, em muitos países, sofrem mais diretamente as consequências de uma pandemia e da falta de acesso à saúde”.
No caso específico de Portugal, a ativista diz que “ainda é cedo para fazer uma avaliação geral do progresso ou retrocesso dos direitos das mulheres”, mas lembra que, “até setembro de 2020, foram recebidas mais 24.709 denúncias por violência doméstica, mais 8% face a 2019. Até ao dia 15 de novembro, tinham sido assassinadas 30 mulheres, sendo que 16 foram em contexto de relações de intimidade e 12 em contexto familiar”.
Do lado positivo, realça o segundo lugar de Ana Gomes nas Presidenciais, sendo a primeira mulher a consegui-lo e a que obteve mais votos no Portugal democrático.
Olhando para 2021, Carolina Pereira refere que “os reforços nacionais e internacionais devem estar direcionados para a contestação do poder e privilégio em relação à igualdade de género na saúde, tanto no acesso como na liderança. Além disso, é importante reforçar os sistemas para combater a violência baseada no género e apoiar as vítimas, bem como a igualdade no local de trabalho (tanto no recrutamento como na progressão de carreira), e a equidade na educação”.
Apostar no digital
No campo educacional e laboral, a eurodeputada e membro da Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade dos Géneros Maria da Graça Carvalho aponta a pouca participação de mulheres no mundo digital como uma área prioritária.
“A nível europeu, apenas 18% dos profissionais das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) são mulheres e, se nada for feito, a tendência não é para melhorar, visto que só 17% dos alunos universitários nessa mesma área pertence ao sexo feminino”, afirma a eurodeputada, que acrescenta que “os números, em Portugal, são muito semelhantes aos europeus”.
De acordo com a antiga ministra da Ciência e do Ensino Superior, esta situação “é muito injusta para as mulheres. Tem uma implicação no fosso salarial, já que é nestas áreas e em outras que exigem competências digitais que se encontram os melhores salários, além de que, muito em breve, perfarão 90% dos empregos. Portanto, não ter estas competências é uma discriminação como era, até há pouco tempo, não saber ler nem escrever”.
Essas consequências negativas sentem-se também “nas pensões e reformas e as mulheres reformadas são o grupo mais sujeito à pobreza”, esclarece Maria da Graça Carvalho, que indica ainda que este fator faz com que “se desperdice uma bolsa de talentos, que representa mais de metade da população mundial, numa área tão importante para a competitividade e afirmação da Europa e Portugal no mundo”.
Plano de ação
Para que esta tendência seja alterada, é preciso um esforço conjunto, realça a eurodeputada, que, em janeiro, apresentou um relatório no Parlamento Europeu sobre este tema: “Temos de acabar com os estereótipos que afastam as mulheres das TIC” e nisso têm um papel preponderante “a família, o sistema de ensino e os meios de comunicação”.
Maria da Graça Carvalho dá o exemplo do que foi feito para aproximar as mulheres da ciência no nosso País com muito bons resultados: “Agora temos de fazer o mesmo com as TIC e é necessário também que nos media surjam mais casos de sucesso de mulheres que trabalham na área, bem como personagens de filmes e de jogos. Tudo isto pode incentivar as meninas a escolher as TIC” e também a não desistir quando são selecionadas para estudar ou trabalhar, que é “outro fenómeno comum a todas as áreas onde não há massa crítica feminina”.
Conquistas rumo a uma maior paridade de género
Legalização do aborto na Argentina
Foi no penúltimo dia de 2020 que a Argentina descriminalizou o aborto até às 14 semanas, depois de oito tentativas falhadas. Até então, a interrupção voluntária da gravidez só era permitida em casos de violação ou de risco para a saúde e vida da mãe, mas nem essa lei era cumprida, e os abortos ilegais eram responsáveis por cerca de 40 mil hospitalizações anuais.
O lenço verde que as mulheres usaram nas manifestações já se tornou o símbolo de todas as mulheres da América Latina que lutam pelo mesmo direito.
A Coreia do Sul e a Tailândia também descriminalizaram o aborto no início de 2021. No campo oposto, encontra-se a Polónia, que retrocedeu nesta área. A interrupção voluntária passou a ser proibida quando há malformações no feto.
Na Dinamarca, não é não
O Parlamento dinamarquês, no final do ano passado, aprovou uma lei que pune como violação qualquer relação em que não haja um consenso explícito. Este desfecho tem a mão da Amnistia Internacional, que, durante dez anos, batalhou para modificar a norma vigente, já que na Dinamarca existia uma cultura de violação que passava impune.
De acordo com esta ONG, apenas quatro em dez violadores iam a tribunal. A Dinamarca tornou-se o 12.º país a reconhecer o sexo sem consentimento como violação, juntando-se à Bélgica, Croácia, Chipre, Alemanha, Grécia, Islândia, Irlanda, Luxemburgo, Malta, Suécia e Grã-Bretanha.
A lei de violência sexual também mudou no Paquistão, com a introdução de tribunais especiais para julgar os casos em quatro meses. A nova lei foi fruto da mobilização nacional, após uma mulher ter sido violada por um grupo quando ficou sem gasolina numa estrada, em setembro. Neste país, apenas menos de 3% dos casos de violência sexual são condenados.
Teste de virgindade ilegal no Paquistão
Um tribunal regional paquistanês decretou, no início de janeiro, que o teste de virgindade é ilegal. O juiz Ayesha Malik realçou, na sua decisão, que este teste, que consiste na introdução de dois dedos na vagina, é humilhante e irrelevante.
Em setembro, este foi um tema também discutido em França, porque alguns futuros maridos de comunidades islâmicas requerem-no para atestar a pureza da noiva. A Organização Mundial da Saúde anda, desde 2018, a tentar a eliminação deste teste, comum em países como o Afeganistão, Brasil, Egito, Índia, Indonésia, Irão, Iraque, Jamaica, Jordânia, Líbia, Marrocos, Palestina, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Zimbabué.
À semelhança de França, esta prática tem crescido na Bélgica, Canadá, Países Baixos, Espanha e Suécia.
Produtos menstruais gratuitos na Escócia
Pensos e tampões passaram a ser disponibilizados gratuitamente em centros comunitários, associações juvenis e farmácias da Escócia em novembro passado.
Esta medida, a primeira do mundo, quer combater a pobreza menstrual, que leva tantas jovens e mulheres a faltar à escola ou ao trabalho por não terem acesso a tais produtos de higiene em muitos países, como alerta a Plan International. Uma realidade que aumentou durante a pandemia em muitos pontos do globo.
No Sri Lanka, onde apenas 30% das mulheres em idade fértil tem acesso a esses produtos, os mesmos irão ser distribuídos na escola. Neste país, o período menstrual é considerado algo impuro.
Uma mulher entrou na Ferrari em Itália
Maya Weug, de 16 anos, é a primeira mulher a entrar para a Ferrari Driver Academy, em Itália, uma espécie de viveiro de pilotos, da qual saiu, por exemplo, Mick Schumacher, filho do consagrado Michael Shumacher.
A jovem nascida em Espanha, de pai holandês e mãe belga, tem um contrato de um ano e vai correr na F4. Foi escolhida entre quatro finalistas do Girls on Track, iniciativa da Comissão de Mulheres no Automobilismo da FIA, para aumentar o número de pilotos mulheres.
Ainda no desporto, StéphaniFe rappart foi a primeira mulher a arbitrar um jogo da Liga dos Campeões, em dezembro passado. Mais recentemente, Sarah Thomas tornou-se a primeira mulher a arbitrar o Super Bowl, a final de futebol americano.
Mutilação genital feminina julgada em Portugal
Cinco anos depois da criação da lei do crime de mutilação genital feminina no nosso País, chegou a tribunal o primeiro caso. Uma mãe foi acusada de praticar ou permitir que a sua filha bebé fosse mutilada durante uma estadia na Guiné-Bissau. A mulher foi condenada a uma pena de três anos de prisão efetiva.
Só no ano passado foram detetados 101 casos de mutilação genital feminina, que consiste na remoção parcial ou total do clitóris e de parte dos lábios vaginais para que a mulher não tenha prazer sexual.
A primeira vice-presidente dos Estados Unidos da América
Depois de já ter sido a primeira mulher e negra procuradora distrital de São Francisco, primeira mulher e primeira negra procuradora-geral da Califórnia, Kamala Harris tornou-se a primeira mulher a ser eleita vice-presidente dos Estados Unidos da América.
A 7 de novembro, quando subiu ao palco em Wilmington, no Delaware, para o discurso da vitória, vestiu-se de branco numa clara declaração política a lembrar a cor dos movimentos de libertação das mulheres, que já vem do tempo das sufragistas, em Inglaterra.
Mas houve mais avanços no campo da política. A Estónia passou a ser liderada por duas mulheres, a presidente Kersti Kaljulaid e a primeira-ministra Kaja Kallas, algo que já tinha acontecido na Finlândia. A Nova Zelândia nomeou, pela primeira vez, uma mulher indígena para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em novembro, a maori Nanaia Mahuta.
Lei contra a violência doméstica no Kuwait
Em agosto do ano passado, o parlamento do Kuwait aprovou uma lei contra a violência doméstica pela primeira vez. A legislação incentiva as vítimas a fazerem queixas, bem como qualquer outra pessoa que seja testemunha, e criou refúgios para proteção das vítimas.
Neste país, as mulheres ainda precisam de um tutor que lhes assine o contrato de casamento, a possibilidade do divórcio ainda é muito restrita e podem perder a custódia dos filhos caso voltem a casar-se.
As mulheres ocupam 45,8% dos cargos de topo em França
O país gaulês é a grande exceção quando se fala no acesso aos conselhos de administração das grandes empresas. Desde a introdução de quotas em 2012, passou-se de uma percentagem de 12,5% para 45,8%.
“Em Portugal, as mulheres ocupam apenas 14% desses lugares e é algo generalizado nos vários países europeus”, salienta a eurodeputada Maria da Graça Carvalho. A Comissão FEMM – Direitos das Mulheres e Igualdade dos Géneros, da qual faz parte a nossa entrevistada, já incentivou a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, no âmbito da presidência portuguesa, a fazer avançar no Conselho Europeu a aprovação da diretiva sobre as mulheres nos conselhos de administração das sociedades cotadas, parada desde 2012.
No terreno empresarial, a eurodeputada diz que “é necessário mudar toda a cultura de trabalho e valorizar o papel das mulheres. Está provado que equipas com diversidade são mais inovadoras e produtivas”.