Paula Santos e Paula Peres di Salvatore são mães de crianças em idade escolar. A primeira é responsável nacional pelo desenvolvimento de novos negócios de uma multinacional e tem três filhos. A segunda é psicóloga clínica com um consultório privado em Lisboa e tem um filho.
Consegue adivinhar qual delas escolheu a escola pública e qual elegeu o ensino privado?
Valores vs missão
Paula Peres di Salvatore, 40 anos, é psicóloga clínica e tem um rapaz de 9 anos a frequentar o 5º ano numa escola privada que segue, do ponto de vista pedagógico, o movimento educativo Escola Moderna.
Diz que na área de residência em Lisboa há ótimas escolas públicas “que costumam ficar nos primeiros lugares do ranking”, mas que isso não chega para a formação de uma criança que quer que seja mais completa. “Prefiro uma escola que valoriza a componente humana, a interajuda, que tem projetos para intervenção social e uma forte ligação à comunidade.”
Paula Santos, 41 anos, é responsável de área de novos negócios de uma empresa multinacional a operar em Portugal. Os três filhos – de 11, 10 e 5 anos – frequentam todos a escola pública. A mais nova entrou este ano no pré-escolar, a do meio está no 5º ano e o mais velho no 6º ano de escolaridade.
Paula Santos afirma que poderia pagar uma escola privada para cada um dos filhos, no entanto, não despreza a folga financeira que retira da frequência do ensino público. Porém, não foi essa razão primordial para esta escolha.
Paula sente-se um produto acabado do elevador social que quer que a escola pública seja. “A minha família tinha baixos recursos e se não fosse a existência de uma escola pública de valor eu não teria chegado aonde cheguei. Foi o facto de poder estudar, de os meus pais não terem que pagar as mensalidades que os colégios privados exigem e depois ter entrado para a Universidade pública, que me permitiu estudar e melhorar o meu nível de rendimento, se o comparar com o dos meus pais. Se eu tivesse que pagar, não teria tido a possibilidade de estudar.”
Paula Santos entrou em 1995 para o curso de Gestão de Empresas no ISCTE, que esse ano teve a média de entrada mais elevada entre os cursos congéneres. “Se a escola pública me deu isto – a possibilidade de uma boa carreira, com uma experiência internacional pelo meio – eu também me sinto na obrigação de retribuir, colocando os meus filhos no ensino estatal e sendo exigente com a escola pública.”
Apesar de ter colocado o filho num colégio privado, Paula Peres di Salvatore afirma ser uma feroz defensora da escola pública. Mas a “sucessiva mercantilização do sistema nacional de ensino” fê-la escolher outro modelo.
Como psicóloga clínica com trabalho realizado em contextos escolares, algumas vezes em intervenções de emergência, diz conhecer bem o estado das escolas em Portugal. “Nas aprendizagens é que se vê a diferenciação,” refere e indica que a escola pública é muito “ancien regime”, com uma forte componente repetitiva.
A maior lacuna que Paula Peres di Salvatore aponta à escola pública é mesmo a emocional. A psicóloga defende que as escolas precisam de ter mais interdisciplinariedade e mudar a forma de avaliar as crianças.
Para alterar os defeitos que consegue identificar na escola pública, Paula Peres di Salvatore afirma que é preciso um processo de reflexão política e ideológica sobre a escola pública. Ela encontra mais essa “discussão constante” sobre o que deve ser a escola e o estado social no colégio privado que escolheu para ensinar o filho e afirma que os pais fazem também o seu trabalho de reflexão com as crianças sobre o mundo querem no futuro e sobre as assimetrias sociais.
“Os rankings são uma treta”
Se a ideia cada vez mais disseminada de que as escolas públicas são piores do que as privadas no que diz respeito à qualidade de ensino, e se saem a cada ano estudos e rankings que parecem demonstrar isso mesmo, Paula Santos faz uma leitura contundente.
“Os rankings são uma treta. Quando se começa a decompor aqueles números e a analisar os pressupostos em que são feitos, percebe-se que os rankings valem muito pouco. A escala tem em conta as médias de frequência do secundário. Mas comparando as médias da avaliação contínua com as médias dos exames, torna-se percetível que há uma série de escolas que dão notas de frequência acima das notas de exame, enquanto as notas médias de outras escolas são abaixo das notas médias de exame. O que é isto nos diz? Que há discrepância nas avaliações contínuas. Curiosamente, no grupo em que as notas da avaliação contínua são muito acima das notas de exame as escolas privadas estão em larga maioria.”
Paula Santos fundamenta as suas afirmações num artigo publicado pelo jornal Público, em fevereiro de 2018, com o título Inflação de notas: para além das médias.
Paula aponta ainda mais questões para a valorização do privado face ao público. “As escolas que estão no topo, muitas vezes, não admitem alunos a exame, exatamente para alcançar os melhores resultados.” Com isto a mãe de três quer dizer que alunos de rendimento escolar mais baixo não vão a exame para não baixarem a média de resultados dessas escolas.
Elites e elevadores sociais
As escolas privadas estão também, cada vez mais, associadas à formação das elites dirigentes. E vemos pais que diligentemente, desde a tenra idade dos filhos, usam os colégios privados como rampa de lançamento para boas relações sociais e profissionais. Paula Peres di Salvatore não faz parte desse grupo. Diz não ter tido esse intuito, mas reconhece que “a minha sensibilidade é um bocadinho diferente. Para nós, esse não foi um fator decisivo.”
Sobre a escola privada que o filho frequenta desde o ensino básico diz não ser elitista.
A psicóloga valoriza o facto de não haver entrevistas de seleção que tenham o intuito de analisar o contexto social de onde as crianças são originárias. “Esta escola pretende abrir os horizontes” às crianças para que elas desde cedo se apercebam que o mundo é diverso. No entanto, reconhece, que a maioria dos alunos não nasceu em famílias de rendimentos baixos.
Paula Santos, por seu turno, teme que a escola pública esteja a perder a sua capacidade de elevador social, uma posição concordante com os últimos estudos da OCDE.
“Quem é originário de uma família com posses parece hoje ter mais oportunidades, ter mais capacidade de chegar mais longe.” A gestora não vê, no entanto, que esse fenómeno possa vir a prejudicar os seus três filhos.
Paula Santos reconhece que o contexto socio-económico das escolas onde os seus filhos estudam (Oeiras é dos concelhos do País com rendimento per capita mais alto) pode facilitar o bom ambiente escolar. Mas afirma que conhece escolas noutros concelhos da grande Lisboa onde “pelos menos as primárias funcionam muito bem. A Venda do Pinheiro, por exemplo, tem uma primária estatal muito boa”.
O fator humano faz toda a diferença
Nos últimos anos, paralelamente à instabilidade sistémica provavelmente causada por reformas educativas sucessivas, os professores têm sido apontados como responsáveis diretos pela baixa qualidade do ensino público, num fogo cruzado entre associações de pais e ministérios.
Burnout, excesso de trabalho, greves, colocações em cima da hora, baixas fraudulentas na educação, incompetência são temas tratodos na imprensa com regularidade e, por vezes, com uma coincidência temporal que não será fruto do acaso. A desmotivação dos professores é um dos tópicos mais recorrentes nesta linha de pensamento, que parece ser nacional, que vem diminuindo a importância social do ensino.
Paula Peres di Salvatore, que enquanto psicóloga acudiu a muitas escolas públicas, confirma essa ideia. “Conhecendo o terreno, posso dizer que há muitos professores desmotivados na escola pública.” E acrescenta que a forma como o Estado recruta estes profissionais faz com que não esteja “a recrutar as pessoas melhores nem as mais adaptadas à função.”
A mãe de três que frequentam três escolas públicas diferente afirma o contrário: “Nestes 6 anos de escola só tenho a dizer bem dos professores. Tive um problema concreto com um professor de educação física, no ano passado, mas até aqui tirando essa questão pontual, de falta de capacidade para se fazer respeitar, não tenho razões de queixa.”
À pergunta “pensa que os professores do ensino público estão todos desmotivados?”, Paula Santos responde peremptoriamente:
Paula Santos refere ainda o exemplo de um professor de Ciências Naturais que no fim da carreira continua a ter a capacidade de encantar os alunos: “O meu filho ficou zangado quando descobriu que este ano não ia ter o professor Celestino. O ano passado chegava a casa entusiasmadíssimo com as coisas que este professor lhes ensinava nas aulas.”
Em termos práticos
O filho de Paula Peres di Salvatore começa as aulas no colégio privado às 8h10. Tem uma tarde livre por semana e as outras são ocupadas por atividades letivas até às 17h00. A turma do 5º tem 27 alunos.
“Na escola privada que escolhemos há um cuidado muito maior e uma atenção muito maior com determinados aspetos: os horários, as ofertas das atividades extracurriculares que são imensas, e que se a direção pode decidir em função de pedidos dos pais, e das necessidades dos alunos; os tempos são ocupados, os espaços para eles estarem é grande e estão sempre acompanhados por um adultos responsáveis. Mesmo nas tardes em que não têm aulas, podem ir brincar e têm estruturas para isso; têm bibliotecas, salas de estudo, sozinhos ou acompanhados, e têm uma série de atividades que podem fazer como escola de música com oito instrumentos diferentes, expressões artísticas, desportos como judo, ginástica desportiva, ballet, ténis, dois coros com alguma importância a nível nacional e internacional, línguas estrangeiras, além das curriculares. De facto, essa oferta faz uma diferença e cria uma estrutura para a criança que é diferente”.
O filho mais velho de Paula Santos frequenta, no 6º ano, uma escola pública muito parecida com esta descrição: “A hora de entrada é às 8h15. A mais nova passa o dia na escola. Os mais velhos têm três tardes livres. Quando têm aulas à tarde, almoçam na escola. Se não, vêm para casa.”
Os filhos de Paula frequentam ainda atividades extra-curriculares nas escolas, que não são pagas. Da oferta destas escolas públicas no concelho de Oeiras, Paula Santos refere que há natação nas Piscinas do Jamor, surf, futsal, canoagem, hóquei em campo, basquetebol, clube de xadrez. Paralelamente, são desenvolvidos clubes de ciências, de matemática, de história, de arqueologia e um coro escolar. As crianças com dificuldades de aprendizagem têm ainda acesso a Salas de Estudo Acompanhado de Português e de Matemática, integrados no horário curricular. As escolas estão abertas até às 19h00 e a ocupação dos tempos livres é garantida por uma empresa que funciona dentro das instalações da Escola Básica e que tem o apoio da Câmara Municipal de Oeiras.
As instalações das escolas neste subúrbio de Lisboa é outra vantagem que Paula encontra.
O que mais difere na descrição destas mães das escolas que os seus filhos frequentam é a qualidade da cantina.
Na escola pública a comida é confeccionada por uma empresa externa e, quanto à qualidade, Paula Santos refere que “tem dias. Também teve os seus casos. Há fotografias de um frango que foi cru para a mesa. Mas não foi uma questão recorrente”.
Já Paula Peres di Salvatore refere que “a cantina tem comida cozinhada no lugar“.
A gestora Paula Santos reconhece ainda às privadas o mérito da segurança. Acredita que há mais vigilância no ensino privado, dentro dos estabelecimentos e relata casos de agressividade entre miúdos. “Ainda ontem um miúdo tentou bater no meu filho e esse mesmo miúdo hoje bateu num colega do meu sobrinho. Há rufias, sim.”
Paula Peres di Salvatore afirma que esse não é o caso do colégio do filho, onde, sempre que há crianças, há vigilância por parte de um adulto capaz e responsável.
Quanto a gastos, também há grandes diferenças: “Uma fortuna. O suficiente para não pensar em ter outro,” confidencia a psicóloga. “Só estas coisas da escola e das atividades externas, como a natação, gasto em mensalidades muito perto de mil euros.”
Paula Santos, a gestora, gasta com cada um dos três filhos 80 euros de CAF + 1,46€/almoço + 32 euros para a natação que fazem ao fim de semana. O resultado dessa conta é uma despesa fixa com os filhos de 435 euros.
Tem filhos a frequentar a escola? Conte-nos a sua opinião sobre o ensino público e o privado.