Porque é que é importante haver homens feministas?

Respondemos à pergunta que tantas vezes é tema de conversa. Tentámos ainda desmistificar e simplificar o conceito de feminismo, essencial para um futuro assente na igualdade de género.

Por Mai. 22. 2019

Os direitos humanos correspondem aos direitos básicos de todos os seres humanos, ao nível civil, político, económico, social e cultural. Partindo desta premissa, torna-se mais fácil explicar o verdadeiro significado de feminismo. Isto porque ambos caminham lado a lado em busca do mesmo objetivo.

O que significa ser feminista? Qual o papel do homem na defesa dos direitos da mulher? Qual a diferença entre feminismo e machismo? Damos resposta a tudo e ainda listamos 9 perguntas que pode fazer ao seu companheiro, amigo ou colega para descobrir se é ele ou não feminista.

Para além disso, estivemos à conversa com Mónica Canário, coordenadora nacional do HeForShe Portugal, e Diogo Faro, o comediante português que invadiu recentemente as redes sociais com o movimento #NãoÉNormal.

O que é ser feminista?

Muito se tem falado sobre feminismo mas poucos são os que verdadeiramente compreendem o seu amplo significado.

“Feminismo: movimento ideológico que preconiza a ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher ou a igualdade dos direitos dela aos do homem”, lê-se no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Com origem no séx. XIX, o movimento ganhou força com a reconhecida queima de soutiens, um dos momentos históricos da emancipação feminina. As mulheres saíram à rua e lutaram pelo direito à educação, ao voto, ao divórcio, à igualdade de salários, ao aborto, entre outros.

As palavras de nomes como a filósofa francesa Simone de Beauvoir, uma das mais importantes representantes mundiais do feminismo, ou de Emma Watson, embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas (ONU) e porta-voz internacional do movimento HeForShe, ficam para a história.

O empoderamento feminino tem dado muito que falar em todo o mundo, mas mais ainda desde o discurso histórico de Watson. Em 2014, na sede da ONU, em Nova Iorque, a atriz britânica até então conhecida pelo seu papel nos filmes da saga Harry Potter, falou perante dezenas de homens e mulheres sobre feminismo e igualdade de género no mundo do trabalho.

“A igualdade de género e o feminismo não pedem a superioridade de um sexo sobre o outro. Pedem, sim, igualdade de direitos e oportunidades sem nunca esquecer que, biologicamente, homens e mulheres são diferentes.”, afirma Mónica Canário, coordenadora do HeForShe Portugal.

A mesma acredita que “ainda existe uma conotação negativa associada ao termo ‘ser feminista’, talvez porque os homens sempre acreditaram que seria só e apenas um lugar seguro para o sexo feminino, e por ser, efetivamente, um espaço de desabafo, partilha e luta das mulheres.”

Estes temas fraturantes, do feminismo à igualdade entre géneros, passando pelos direitos das mulheres, continua nas bocas do mundo. A verdade é que vivermos, ainda, numa sociedade patriarcal, que coloca o homem como figura de poder e liderança.

Quanto mais falo sobre feminismo, mais percebo que a luta pelos direitos das mulheres é, para muitos, sinónimo de odiar os homens. Se tenho a certeza de alguma coisa é de que isto tem que acabar – Emma Watson, embaixadora do HeForShe 

Defender os direitos das mulheres “é uma questão de direitos humanos cujo interesse é de todos. Falamos em direitos das mulheres em contraponto com os direitos dos homens porque as mulheres são histórica e sistematicamente discriminadas há séculos. Se o mundo fosse um sítio mais em condições, não teríamos de falar em direitos em função do género, mas apenas enquanto pessoas. Não sendo, temos todos de lutar por atingir esse patamar”, afirma o comediante português Diogo Faro.

Assim, feminismo é muito mais do que só e apenas a luta pelos direitos das mulheres. É também uma luta pela igualdade de género e pelos direitos humanos.

Qual é o papel do homem nesta onda feminista?

Dificilmente se conquista a igualdade de género se os homens não compreenderem a importância de eles próprios serem feministas. E como usarem a sua voz e poder em prol desta causa que vai além dos direitos das mulheres. É uma luta de direitos humanos.

Perpetuar comportamentos sexistas, como o assobio na rua ou o piropo, contribuem para a ideia, muitas vezes tida como garantida pelas próprias mulheres, de que isso é normal. Que é assim desde sempre e que não há nada de errado com isso. Mas há, e um homem feminista sabe disso.

Para o comediante Diogo Faro, um homem assumidamente feminista e que dá voz a esta causa, reconhecer as diferenças de tratamento entre géneros foi crucial para abraçar de corpo e alma esta nova missão. ”Nunca fui discriminado com base no meu género, nunca fui assediado nos transportes públicos, não tenho de ouvir comentários ridículos na rua consoante a roupa que tenho vestida. Ser um homem que acredita na igualdade de género não pode ser difícil. Difícil é ser mulher em quase todos os países do mundo”, confessa.

Ainda há muitos homens com medo de se assumirem como feministas, mas está na altura de isso começar a mudar – Diogo Faro, comediante e ativista

O papel de um homem feminista é lutar contra a objetificação da mulher, é reivindicar a liberdade de expressão e lutar pela igualdade salarial e de oportunidades. É nunca virar as costas nem permanecer calado perante comentários sexistas ou em ambientes tóxicos e desrespeitosos. É contribuir para o fim da cultura machista, criando novos valores morais assentes na igualdade.

Assim, a partir do momento em que o sexo masculino compreender que o feminismo não é contra os homens mas a favor da igualdade, independentemente do género, orientação sexual, religião ou etnia, estaremos prontos para viver numa sociedade justa e igualitária.

Feminismo vs machismo

Ao contrário do que se pensa, o feminismo não é um movimento exclusivo das mulheres. Muito menos é machismo ao contrário.

Embora o nome possa induzir muitos em erro, o feminismo não é responsável por muitas das situações que ainda se verificam em pleno séc. XXI, como a desigualdade salarial, a diminuição do papel da mulher na sociedade ou os inúmeros crimes de violência sexual e doméstica contra o sexo feminino (bastante superiores do que os cometidos contra o sexo masculino). Mas o machismo é.

Considerado um dos grandes problemas enraizados na sociedade, o machismo é responsável por estas e outras situações que se verificam constantemente na nossa cultura, maioritariamente machista.

Definição de machismo no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa: “atitude de prepotência ou dominação do homem em relação à mulher; sexismo assente na noção de uma suposta superioridade do sexo masculino face ao feminino; doutrina que rejeita a igualdade de direitos entre homens e mulheres.”

Sobre as diferenças reais entre feminismo e machismo, a blogger e jornalista Paula Cosme Pinto, cronista do jornal Expresso, explica que “o machismo é um comportamento e ideologia que ainda considera a mulher inferior ao homem, seja em termos de direitos, oportunidades, capacidades e, até mesmo, dignidade. E, por tudo isto, subordinada ao homem.”

No livro Afinal as Feministas até Gostam de Homens, de Patrícia Motta Veiga, a autora reforça também que o machismo “recusa a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres. O machismo objetifica a mulher e pretende dominá-la. O machismo é contra as mulheres, mas o feminismo não é contra os homens.”

Patrícia Motta Veiga acrescenta ainda que “o machismo defende o direito do homem sobre o corpo da mulher, indulgência o abuso sexual e o assédio. Decide quando ela deve ou não ter filhos, quando e como deve ter sexo, com quem (de preferência com o machista) e com ou sem vontade.”

Vários homens só compreendem a questão da desigualdade de género quando são pais de raparigas ou quando as suas ilhas são confrontadas com situações desagradáveis – Mónica Canário, coordenadora da HeForShe Portugal

Certo é que o machismo já matou várias mulheres em Portugal ao longo dos últimos anos. De janeiro a fevereiro de 2019, 11 mulheres foram vítimas de violência doméstica, contra zero homens. E é por isso urgente travar esta doutrina que incentiva o poder de um homem sobre o corpo e as escolhas da mulher.

Nas palavras de Diogo Faro, “é da consciência cívica de todas as pessoas, homens e mulheres, ser feminista. Acho até que, não o ser, só pode revelar um profundo egoísmo e uma falta de empatia muito grande pela vida que não a sua. Ainda há muitos homens com medo de se assumirem como feministas, mas está na altura de isso começar a mudar e de mostrarem, sem medo, que consideram que qualquer mulher, seja ela a sua mãe, filha ou uma desconhecida, merece viver com os mesmos direitos que ele.”

Como identificar um homem feminista em 9 respostas

Ser um homem feminista passa por ter consciência de que “pode sempre fazer-se mais e ser ativo nas suas crenças, mesmo que em apenas pequenas atitudes no dia a dia“. Exemplos? “Chamar à atenção um amigo que manda um piropo na rua, ou não compactuar (o silêncio também é uma forma de compactuar) com um chefe que faz comentários inapropriados sobre uma colega ou que a discrimina laboralmente.”, descreve Diogo.

Reunimos um conjunto de perguntas que deve fazer para descobrir se os homens da sua vida são feministas.

1. Alguma vez participou numa marcha ou manifestação cuja causa estivesse relacionada com direitos humanos?

2. Qual a sua opinião sobre a Michelle Obama ser candidata a presidente dos EUA?

3. Costuma fazer tarefas domésticas em casa? Divide-as com a mulher?

4. Qual é a sua realizadora feminina preferida? Porquê?

5. Alguma vez assobiou para uma mulher na rua?

6. O que acha de movimentos como #HefoShe ou #NãoÉNormal?

7. Qual é a sua super-heroína preferida?

8. O que faria se visse um homem a bater numa mulher ou vice-versa?

9. Incomoda-o se a sua mulher ganhar mais?

Se as respostas forem de acordo com os princípios essenciais do feminismo, parabéns, acabou de encontrar um homem feminista!

Caso contrário, pode estar em maus lençóis. Mas não se preocupe, ainda há esperança.

5 boas práticas para um homem feminista

1. Lutar por uma sociedade igualitária, onde os direitos humanos não olham ao sexo nem ao género;
2. Lutar para que as mulheres não se sintam uma minoria;
3. Lutar para mudar a imagem do homem machista;
4. Lutar pela justiça e igualdade salarial;
5. Lutar contra o sexismo e o assédio, contra a violência e violação associada ao poder patriarcal.

A importância de movimentos como HeForShe ou #NãoéNormal

Na última década, muitos foram os movimentos que surgiram com o propósito de alertar e consciencializar homens e mulheres para a importância da igualdade de géneros.

Um dos mais importantes a nível internacional é o HeForShe. Trata-se de uma iniciativa levada a cabo pelas Nações Unidas que visa alcançar a igualdade de género em todo o mundo até 2030.

“Quanto mais falo sobre feminismo, mais percebo que a luta pelos direitos das mulheres é, para muitos, sinónimo de odiar os homens. Se tenho a certeza de alguma coisa, é de que isto tem que acabar.” proclamou Emma Watson, no discurso de apresentação do HeForShe.

Em Portugal desde 2017, Mónica Canário, coordenadora portuguesa do movimento, falou com a Saber Viver para explicar qual a expressão do HeForShe em território nacional.

“O HeForShe acredita que é possível acelerar o processo de igualdade de género se existir união de esforços entre pessoas, organizações da sociedade civil, universidades, empresas e instituições governamentais. Trata-se de reconhecer que a capacitação das mulheres é fundamental para o crescimento económico inclusivo e coesão e justiça social, equilíbrio ambiental e para o progresso em todas as esferas da nossa vida.”, começa por explicar.

O HeForShe atua em seis áreas temáticas: identidade, violência, saúde, educação, política e trabalho.  Para Mónica, aquelas onde em Portugal se manifesta mais a desigualdade de género são a violência, a política e o trabalho.

“Continuamos com o dilema da maternidade, em que sabemos que é preciso renovar gerações, mas assistimos a vários casos de mulheres que adiam a maternidade porque acreditam que não é compatível com uma carreira profissional; a sociedade continua a não entender que, tal como existem homens que não põem a paternidade na equação, também existem mulheres que não querem ser mães. E está tudo bem com isso. Cada um(a) deve ser livre de fazer aquilo que o(a) fizer mais feliz e a sociedade deve respeitar as pessoas que não seguem o trajecto mais comum.”, realça.

Para Mónica Canário, movimentos como o HeForShe só deixariam de fazer sentido “quando as raparigas não se sentirem inseguras sozinhas nas ruas ou quando os rapazes puderem exprimir as suas emoções sem que sejam enxovalhados. Até lá, temos muito caminho por percorrer.”

Na perspetiva masculina, Diogo Faro explicou à Saber Viver como surgiu a ideia para o seu movimento #NãoÉNormal. Até à data, a iniciativa reuniu 16 mil seguidores no Instagram e mais de três mil depoimentos de mulheres vítimas de assédio ou violência doméstica.

“Inicialmente, a propósito do vídeo que estava a fazer – O Machismo Não É Grave Porque é Normal -, pedi que as mulheres que já tivessem sofrido assédio sexual de alguma forma e que quisessem participar, me enviassem um vídeo a dizer apenas “eu”. Mas com isso começaram a chegar relatos – perto de 3000 – de todo o tipo de situações de assédio sexual, violência doméstica ou violações.”, conta.

Com o impacto grandioso que o seu apelo teve nas redes sociais, Diogo sentiu que “não podia deixar aquelas histórias na minha caixa de e-mail” e foi partilhando algumas para que “toda a gente pudesse perceber a gravidade da situação que se passa constantemente debaixo do nosso nariz.”

 

“Muitos homens têm mostrado apoio e reconhecimento da importância do feminismo. Muitos outros preferem continuar nas suas cavernas.” – Diogo Faro, comediante e ativista

#NaoéNormal “foi uma espécie de catarse para todos e, acima de tudo, um abanão na sociedade, também pelos muitos homens que – tal como eu, até há pouco tempo – não faziam ideia do que todas as mulheres passam no dia a dia.”, explica Diogo Faro.

O que tem de mudar para alcançarmos a igualdade?

Segundo dados do Eurostat, por cada 1€ pago a um homem em Portugal em 2016, uma mulher recebia 0,82€. E, entre 2011 e 2016, a desigualdade salarial entre homens e mulheres em Portugal cresceu 4,6%, situando-se nos 17,5% em 2016.

Estes dados comprovam que em Portugal, a desigualdade salarial baseada no género continua a existir. Mais: de acordo com as estatísticas europeias, tem inclusive vindo a aumentar.

Até chegar o dia em que deixará de fazer sentido celebrar o Dia da Mulher, em que os direitos humanos são reconhecidos a nível global, em que o assédio e a violência contra as mulheres é inexistente, é importante que homens e mulheres se unam a uma só voz.

Fontes: Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego – CITE; HeForShe; Expresso;
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