Fátima Lopes: “Hoje, sou muito mais segura e sei o que quero e o que não quero da vida”

Encontrar o equilíbrio físico, emocional e espiritual é o mote de vida de Fátima Lopes e, nesta entrevista, fala-nos dos desafios que encontrou nesse caminho, como o princípio de burnout, e nas estratégias que usa para equilibrar os pratos da balança.

Por Set. 15. 2023

Presença constante nas televisões nacionais há 30 anos, hoje em dia diz-se mais comunicadora do que apresentadora, porque alargou o seu campo profissional e apostou no desenvolvimento pessoal.

“O nosso bem-estar e saúde não nos caem do céu aos trambolhões, resultam muito das nossas escolhas diárias e daquilo que fazemos connosco em termos físicos, emocionais e espirituais”, realça.

Foi isto que levou Fátima Lopes a escrever o livro Simply Flow – Atreve-te a Abrandar, que é, nas suas palavras, “muito autobiográfico”, porque partilha com os leitores as histórias da sua vida.

Uma delas é o seu princípio de burnout, sobre o qual fala abertamente. “Acho que assim as pessoas percebem melhor estes temas e que podemos sempre fazer diferente e melhor”, diz.

“Escrevi sobre o que me vai na alma, mas curioso é que é o que vai na alma da maioria das pessoas, porque todos enfrentamos os mesmos desafios: queremos ser felizes, encontrar um propósito de vida, queremos amar e ser amados”, afirma.

Entrevista a Fátima Lopes

No seu novo livro convida a abrandar, mas será fácil fazê-lo nos dias de hoje? Há pessoas que para fazer face à crise económica até têm de ter dois empregos…

A pandemia deixou uma fatura enormíssima na saúde mental e ainda nem temos noção total dessa fatura. Contudo, acho que, depois dela, fomos à procura de um novo equilíbrio e não da vida que tínhamos, pois não somos as mesmas pessoas. Algumas perceberam que a vida tem de ser mais vivida, e conheço muitos exemplos que redefiniram a sua vida e organizaram-se para viver com menos ou de uma forma mais simples e desprendida, para que possam trabalhar menos e viver mais.

Simultaneamente, vivemos uma situação económica que é delicada e que faz com que algumas pessoas não tenham outro remédio do que ter mais do que um trabalho. Porém, acho importante, dentro dos vários quadros e das particularidades de cada um, ter o abrandar como o objetivo. Se só me restam 15 minutos, vou fazer com que sejam mesmo para mim. Temos de redimensionar as coisas conforme a vida que temos e não estar a fazer filmes cor de rosa.

Até porque os cenários perfeitos veiculados só fazem com que as pessoas se sintam culpadas por as suas vidas não serem perfeitas.

Exatamente. É tirar a realidade à vida e não ajuda ninguém. Tal como quando se vende o conceito do ‘foram felizes para sempre’ e se elenca uma série de regras para isso. A felicidade eterna só existe nos filmes da Disney. A vida é feita de desafios e de momentos que, às vezes, são dolorosos e toda a gente passa por eles. Não vale a pena andar a vender a banha da cobra de que há algumas pessoas que são privilegiadas, porque isso não existe. Daí ter necessidade de partilhar a minha história pessoal e de falar abertamente das minhas dores.

Hoje em dia considero-me muito mais uma comunicadora do que uma apresentadora, faço um trabalho mais completo do que só a apresentação de programas - Fátima Lopes
© D.R

Por isso, fala, entre outras coisas, do seu princípio de burnout?

Sim, até porque muitas pessoas não sabem que estão a chegar a esse ponto. Eu percebi, porque já tinha lido muito sobre o tema e comecei a reconhecer os sintomas.

Que sintomas foram esses?

Primeiro, uma exaustão total, física e mental. Qualquer coisa me cansava, como subir meia dúzia de degraus. A exaustão mental era ao ponto de, depois de ler dois parágrafos, já não me lembrar do primeiro. A memória estava totalmente afetada e tinha um sono de péssima qualidade, dormia hora e meia e, depois, acordava. Além disso, sentia uma tristeza profunda inexplicável e olhava para a minha vida e não encontrava uma razão para me sentir assim. Sentia uma apatia total e desinteresse por tudo. Além da ajuda do médico – no meu caso, tive de tomar medicação –, foi preciso introduzir uma série de ferramentas. O burnout não se corrige sozinho nem só com um comprimido.

Tem de se mudar o estilo de vida?

Tem de se mudar tudo. No meu caso, o que precisei de fazer foi reintroduzir tudo aquilo que fazia até essa fase da minha vida, ou seja, as práticas normais de autocuidado, porque fui sempre cuidadosa com a minha saúde física e mental. O que aconteceu foi que, num determinado período, coincidiram três projetos televisivos ao mesmo tempo e não tive a capacidade de dizer não. Trabalhava sete dias por semana.

Simply Flow, Fátima Lopes, 18,85€

Como é que alterou isso?

Falei com as minhas chefias para alterar a situação e recomecei a fazer desporto, a alimentar-me a tempo e horas, a ter uma higiene de sono e a rodear-me de pessoas que aumentassem a minha alegria e não me drenassem a energia.

Referiu que não teve capacidade de dizer que não no trabalho; quando teve de o fazer, como conseguiu?

Escolhendo-me, porque, quando não o disse, atropelei-me completamente. Se não o tivesse dito, não estaríamos a ter esta conversa ou estaríamos a ter outra bem menos positiva. É curioso que, mesmo que não nos digam, quando temos a coragem de dizer que não, porque nos escolhemos, do outro lado, admiram-nos.

O facto de ser uma pessoa muito entusiasmada com a sua profissão contribui para esse excesso de trabalho?

Digo muitas vezes nas palestras e formações que dou que o perigo de burnout é sempre maior nos entusiastas, porque adoram o que fazem e entusiasmam-se facilmente com novos projetos e desafios. Não correm os mesmos riscos as pessoas que não gostam de trabalhar e quem está desinteressado do trabalho.

A televisão ainda a entusiasma?

Sim, caso contrário, já não a fazia. Mas o que está a acontecer hoje é que outras áreas da minha vida me ocupam muito mais tempo e espaço em termos profissionais. Os livros, as palestras e as conferências ocupam dois terços do meu tempo, e a televisão um terço. É um caminho novo que construí porque me apercebi de que era uma área em que queria trabalhar mais.

Foi importante ter estado afastada da televisão para perceber isso?

Foi fundamental. Sem esse afastamento não teria percebido que tinha mais vontade de trabalhar como comunicadora do que como apresentadora.

Logo no início do livro diz que é uma mulher madura e bem resolvida. O que é que isso significa?

Quer dizer que sou uma pessoa muito mais segura e que sei o que quero e o que não quero da vida. Estou em paz com o meu caminho, que resultou das escolhas que fui fazendo. Umas vezes, correu bem, outras nem tanto, mas, mesmo quando não correu assim tão bem, tive grandes ensinamentos. Não posso ficar zangada com algumas coisas que vivi porque, se não as tivesse vivido, não era a pessoa que sou hoje. Estou bem resolvida com a vida e feliz por ter a idade que tenho. Acho muito importante que se desmitifique de uma vez por todas essa história da idade, sobretudo em relação à mulheres. A idade é apenas um número e ponto final.

Autocuidado: os rituais de bem-estar de Fátima Lopes

“Procuro fazer uma alimentação cuidada e equilibrada, mas que não me impede de estar com as outras pessoas e de fazer refeições com elas, pois não sou fundamentalista em nada”;

“Tento praticar exercício físico, três vezes por semana”;

“Sigo uma boa higiene do sono, evitando tudo o que a perturbe ao fim do dia, como alguns alimentos e tecnologia”;

“Meditar também é fundamental”;

“Procuro ter um hobby no qual vou à procura do meu lado mais criativo”.

Mas vivemos numa sociedade muito idadista.

Sim, em Portugal não nos podemos orgulhar de tratar bem os idosos. Existem bons exemplos, mas existem muito maus exemplos. Eu diria que a sociedade não está preparada para o envelhecimento. Há ainda o estigma em relação

às mulheres, que até uma certa idade têm de ser perfeitas; depois, passam a estar na reta descendente para o final,
o que é de uma ignorância sem tamanho. Passo a vida a pregar nesta área. Não se pode exigir a uma mulher de 50, 60 ou 70 anos que tenha o corpo de uma de 15. Os comentários gratuitos que se ouvem sobre as competências físicas e emocionais podem destruir.

No livro, fala muito de pessoas tóxicas. Afastarmo-nos dessas pessoas é fundamental para nos sentirmos melhor connosco?

As pessoas só têm o poder que lhes damos. Acho que as pessoas tóxicas não acrescentam nada e só nos drenam
energia, porque trazem-nos negatividade e beliscam a nossa autoestima. Positivas são as pessoas que nos sabem
ouvir e que nos acompanham, e não significa isso dizer sim a tudo o que fazemos. Cada um gere a sua vida da forma
como entende; os outros só têm de respeitar e estarem lá para nos apoiar, nos bons e maus momentos.

O que é para si saber viver?

É fazer as escolhas que me fazem feliz. É o que procuro fazer, nem sempre consigo, mas é sinal de que sou humana.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº279, setembro de 2023.
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