Faltam 217 anos para deixarmos de celebrar o Dia Internacional da Mulher

Faltam 217 anos para deixarmos de celebrar o Dia Internacional da Mulher

Estamos em 2234. Homens e mulheres estão em pé de igualdade ao nível da educação, saúde, oportunidades económicas e participação política. O género feminino tem os mesmos direitos que o masculino. A luta chegou ao fim. Não assinalaremos o Dia da Mulher.

Por Mar. 8. 2018

O Fórum Económico Mundial previu, em 2017, que apenas em 2234 iremos atingir a igualdade de género ao nível global. Isto significa que faltam 217 anos para que mulheres e homens tenham os mesmos direitos, em termos económicos.

E se pudéssemos entrar numa máquina do tempo e voar até esse futuro perfeito? Será que ainda vamos celebrar o Dia da Mulher? Que preocupações feministas fariam manchetes dos jornais (em qualquer versão que eles possam existir nessa altura!)? Que lutas ainda estariam por travar?

A estas perguntas pertinentes juntámos as respostas de Paula Cosme Pinto, autora da crónica do jornal Expresso A vida de Saltos Altos e ativista, que nos ajudou a ter uma visão mais clara sobre o que o mundo vai enfrentar daqui a mais de uma centena de anos. Tal como nos disse (e brincou), encarnou o papel de futurista e entrou no nosso desafio. A partir de agora, damos um salto até 2234 para percebermos qual virá a ser o papel da mulher na sociedade.


 

“Depois de um caminho que imagino que será feito em esforço, com protestos crescentes, debates a nível internacional, violência gratuita por parte dos opositores à falta de argumentos, múltiplos escândalos que vão abalar as estruturas dos poderes instituídos (…), 2186 culminará numa era de mudança de paradigma a nível mundial”

Foto: Pau Storch

O papel do feminismo e o Dia da Mulher em 2234 

“Idealmente, viveremos num mundo onde a palavra feminismo deixou já de ser uma bandeira de ativismo e uma palavra mal-interpretada e repudiada. Porquê? Porque será uma ideologia compreendida e aceite por uma maioria da população mundial. Além disto, será considerada uma necessidade ultrapassada”, explica Paula Cosme Pinto à Saber Viver.

A palavra feminismo, em si, parece ser ainda um problema. No final de 2017 foi eleita a palavra do ano pelo dicionário Merriam-Webster, por inúmeras razões. Primeiro, porque foi uma das palavras mais pesquisadas no site do próprio dicionário. Depois, por todos os acontecimentos que marcaram o último ano, de que é exemplo o movimento #MeToo, referente aos escândalos de assédio sexual em Hollywood. Porém, parece que há ainda algum constrangimento por parte de homens e mulheres em se autointitularem feministas.

Há precisamente um ano, a 8 de março, Dia da Mulher, Kathy Caprino, escritora e conselheira de carreira, escreveu um artigo para a Forbes. Ali explicava o porquê da palavra feminismo ser um bicho de sete cabeças nos dias de hoje. As razões eram simples: a palavra está associada a mulheres fortes, mas revoltadas; as pessoas acreditam que os homens vão perder força, influência e autoridade; e, por último, temem que o feminismo traga mudanças negativas aos relacionamentos, à cultura e sociedade no geral.

O fim das concepções de género

“Existirão museus que vão contar a história dos direitos das mulheres em diferentes contexto culturais, tal como os manuais escolares – de formato digital – passarão a conter esta informação como parte essencial da evolução da espécie humana. Uma espécie que por essa altura, muito provavelmente, já terá esbatido as concepções do género: isto do feminino, do masculino e do trans, enquanto identidades sociais, já não farão sequer sentido. Contudo, tal como nos mostra a História da Humanidade, todos o avanços são feitos também de ciclos de retrocesso, e as questões da igualdade de género acredito que não serão exceção”, refere a ativista.

Os obstáculos que a sociedade irá enfrentar até chegar aqui

“Depois de um caminho que imagino que será feito em esforço, com protestos crescentes, debates a nível internacional, violência gratuita por parte dos opositores à falta de argumentos, múltiplos escândalos que vão abalar as estruturas dos poderes instituídos, alterações concertadas às leis de cada país quando a autorregulação não funcionar e remodelações essenciais no formato tradicional da educação escolar (que passará a ter a cidadania, a sexualidade e a gestão de emoções como disciplinas obrigatórias), 2186 culminará numa era de mudança de paradigma a nível mundial, e o feminismo tornar-se-á, por fim, obsoleto.”

Leis e direitos adquiridos poderão voltar a ser postos em causa ao mínimo revés do equilíbrio social, com tentativas de chegada ao poder por parte dos grupos mais tradicionalistas

Os novos problemas do fim da desigualdade de género

“Consigo imaginar movimentos de defesa à ideologia patriarcal a ganharem forma e a tentarem conquistar seguidores. Isto recorrendo às fragilidade que a concepção da masculinidade poderá ter em algumas franjas da sociedade, por essa altura. Franjas essas que, embora não tenham por ameaça direta o sexo feminino, precisarão de atribuir as suas frustrações pessoais a alguma mudança estrutural de um passado recente, e a igualdade de género será, obviamente, uma delas”, acrescenta.

Acreditando que um dos maiores problemas sociais do século XXI possa realmente chegar ao fim, a cronista explica que outros surgirão. Paula Cosme Pinto alerta para o surgimento de um movimento conservador, que pode ter consequências sérias na sociedade, “não querendo soar demasiado a Margaret Atwood” – autora do livro The Handmaid’s Tale, que deu origem a uma série na Netflix, diz-nos.

O crescimento de grupos extremista religiosos, associados a essa necessidade de regresso ao conservadorismo machista – enquanto ideia falaciosa de salvação dos valores morais perdidos numa sociedade cada vez mais liberal e abrangente – também me parece algo possível. Leis e direitos adquiridos poderão voltar a ser postos em causa ao mínimo revés do equilíbrio social. Isto com tentativas de chegada ao poder por parte dos grupos mais tradicionalistas”, explica-nos.

A reação da sociedade 

Porém, os padrões da sociedade mudarão e a sua forma de reagir também. Os braços não ficarão cruzados e a vontade de mudar já estará enraizada neste novo mundo. Paula Cosme Pinto não nega uma lógica ativista que será intrínseca a todos. Mas será suficiente?

“Essas movimentações provocarão a incredulidade global, parece-me claro. Mas dentro deste exercício de futurologia, falta-me conseguir imaginar até que ponto teremos por essa altura uma maior capacidade de questioná-los [a esses grupos mais tradicionalistas] desde o início e de os combater ativamente em vez de assistirmos ao seu crescimento de forma passiva”, afirma.


 

Acha que ainda se vai celebrar o Dia da Mulher em 2234? Saiba ainda como lidar com o assédio sexual.

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