Faltam 217 anos para deixarmos de celebrar o Dia Internacional da Mulher
Estamos em 2234. Homens e mulheres estão em pé de igualdade ao nível da educação, saúde, oportunidades económicas e participação política. O género feminino tem os mesmos direitos que o masculino. A luta chegou ao fim. Não assinalaremos o Dia da Mulher.
O Fórum Económico Mundial previu, em 2017, que apenas em 2234 iremos atingir a igualdade de género ao nível global. Isto significa que faltam 217 anos para que mulheres e homens tenham os mesmos direitos, em termos económicos.
E se pudéssemos entrar numa máquina do tempo e voar até esse futuro perfeito? Será que ainda vamos celebrar o Dia da Mulher? Que preocupações feministas fariam manchetes dos jornais (em qualquer versão que eles possam existir nessa altura!)? Que lutas ainda estariam por travar?
A estas perguntas pertinentes juntámos as respostas de Paula Cosme Pinto, autora da crónica do jornal Expresso A vida de Saltos Altos e ativista, que nos ajudou a ter uma visão mais clara sobre o que o mundo vai enfrentar daqui a mais de uma centena de anos. Tal como nos disse (e brincou), encarnou o papel de futurista e entrou no nosso desafio. A partir de agora, damos um salto até 2234 para percebermos qual virá a ser o papel da mulher na sociedade.
“Depois de um caminho que imagino que será feito em esforço, com protestos crescentes, debates a nível internacional, violência gratuita por parte dos opositores à falta de argumentos, múltiplos escândalos que vão abalar as estruturas dos poderes instituídos (…), 2186 culminará numa era de mudança de paradigma a nível mundial”
O papel do feminismo e o Dia da Mulher em 2234
“Idealmente, viveremos num mundo onde a palavra feminismo deixou já de ser uma bandeira de ativismo e uma palavra mal-interpretada e repudiada. Porquê? Porque será uma ideologia compreendida e aceite por uma maioria da população mundial. Além disto, será considerada uma necessidade ultrapassada”, explica Paula Cosme Pinto à Saber Viver.
A palavra feminismo, em si, parece ser ainda um problema. No final de 2017 foi eleita a palavra do ano pelo dicionário Merriam-Webster, por inúmeras razões. Primeiro, porque foi uma das palavras mais pesquisadas no site do próprio dicionário. Depois, por todos os acontecimentos que marcaram o último ano, de que é exemplo o movimento #MeToo, referente aos escândalos de assédio sexual em Hollywood. Porém, parece que há ainda algum constrangimento por parte de homens e mulheres em se autointitularem feministas.
Há precisamente um ano, a 8 de março, Dia da Mulher, Kathy Caprino, escritora e conselheira de carreira, escreveu um artigo para a Forbes. Ali explicava o porquê da palavra feminismo ser um bicho de sete cabeças nos dias de hoje. As razões eram simples: a palavra está associada a mulheres fortes, mas revoltadas; as pessoas acreditam que os homens vão perder força, influência e autoridade; e, por último, temem que o feminismo traga mudanças negativas aos relacionamentos, à cultura e sociedade no geral.
O fim das concepções de género
“Existirão museus que vão contar a história dos direitos das mulheres em diferentes contexto culturais, tal como os manuais escolares – de formato digital – passarão a conter esta informação como parte essencial da evolução da espécie humana. Uma espécie que por essa altura, muito provavelmente, já terá esbatido as concepções do género: isto do feminino, do masculino e do trans, enquanto identidades sociais, já não farão sequer sentido. Contudo, tal como nos mostra a História da Humanidade, todos o avanços são feitos também de ciclos de retrocesso, e as questões da igualdade de género acredito que não serão exceção”, refere a ativista.
Os obstáculos que a sociedade irá enfrentar até chegar aqui
“Depois de um caminho que imagino que será feito em esforço, com protestos crescentes, debates a nível internacional, violência gratuita por parte dos opositores à falta de argumentos, múltiplos escândalos que vão abalar as estruturas dos poderes instituídos, alterações concertadas às leis de cada país quando a autorregulação não funcionar e remodelações essenciais no formato tradicional da educação escolar (que passará a ter a cidadania, a sexualidade e a gestão de emoções como disciplinas obrigatórias), 2186 culminará numa era de mudança de paradigma a nível mundial, e o feminismo tornar-se-á, por fim, obsoleto.”
Os novos problemas do fim da desigualdade de género
“Consigo imaginar movimentos de defesa à ideologia patriarcal a ganharem forma e a tentarem conquistar seguidores. Isto recorrendo às fragilidade que a concepção da masculinidade poderá ter em algumas franjas da sociedade, por essa altura. Franjas essas que, embora não tenham por ameaça direta o sexo feminino, precisarão de atribuir as suas frustrações pessoais a alguma mudança estrutural de um passado recente, e a igualdade de género será, obviamente, uma delas”, acrescenta.
Acreditando que um dos maiores problemas sociais do século XXI possa realmente chegar ao fim, a cronista explica que outros surgirão. Paula Cosme Pinto alerta para o surgimento de um movimento conservador, que pode ter consequências sérias na sociedade, “não querendo soar demasiado a Margaret Atwood” – autora do livro The Handmaid’s Tale, que deu origem a uma série na Netflix, diz-nos.
“O crescimento de grupos extremista religiosos, associados a essa necessidade de regresso ao conservadorismo machista – enquanto ideia falaciosa de salvação dos valores morais perdidos numa sociedade cada vez mais liberal e abrangente – também me parece algo possível. Leis e direitos adquiridos poderão voltar a ser postos em causa ao mínimo revés do equilíbrio social. Isto com tentativas de chegada ao poder por parte dos grupos mais tradicionalistas”, explica-nos.
A reação da sociedade
Porém, os padrões da sociedade mudarão e a sua forma de reagir também. Os braços não ficarão cruzados e a vontade de mudar já estará enraizada neste novo mundo. Paula Cosme Pinto não nega uma lógica ativista que será intrínseca a todos. Mas será suficiente?
“Essas movimentações provocarão a incredulidade global, parece-me claro. Mas dentro deste exercício de futurologia, falta-me conseguir imaginar até que ponto teremos por essa altura uma maior capacidade de questioná-los [a esses grupos mais tradicionalistas] desde o início e de os combater ativamente em vez de assistirmos ao seu crescimento de forma passiva”, afirma.
Acha que ainda se vai celebrar o Dia da Mulher em 2234? Saiba ainda como lidar com o assédio sexual.