John Kim: “Os homens são ensinados a suprimir os sentimentos”
John Kim é um terapeuta pouco convencional que quer ajudar os membros do sexo masculino a quebrar estereótipos e a acabar com a masculinidade tóxica que diz continuar a existir e a afetar homens e mulheres.
É terapeuta, mas não tem um consultório — encontra-se com os pacientes em cafés ou durante caminhadas —, e foi pioneiro no movimento online de coaching. Antes disso, John Kim geriu um famoso restaurante em Hollywood e foi guionista de cinema.
Foi um divórcio que o empurrou para uma nova vida, para uma nova forma de pensar e de agir.
Começou por escrever um blogue – The Angry Therapist –, mas depois de ter trabalhado numa organização sem fins lucrativos com adolescentes dependentes de droga e de ter percebido que muitos deles tinham em comum a ausência de uma figura paterna, decidiu escrever o livro Eu Costumava Ter Uma Vida F*dida (Harper Collins).
O objetivo é partilhar com outros homens (e mulheres também) o que aprendeu e mostrar que eles também podem e devem expor as suas emoções e que a definição de masculinidade tem de mudar.
Por que é que decidiu escrever o livro?
Porque quando trabalhei numa organização sem fins lucrativos com adolescentes toxicodependentes percebi que somos uma nação sem pais. Vi o impacto da ausência paterna, física e emocional, e o que isso provoca nas crianças.
Também estava a passar por uma fase de renascimento e queria criar uma nova definição de como o homem deve ser. Quis escrever para outros homens que também estivessem a viver a sua própria jornada e desafiá-los a criar as suas definições.
No título original do livro, apelida a sua vida de miserável, porquê?
Não estava contente com a minha vida. Não tinha direção nem propósito. Mas mais importante, não me conhecia nem gostava de mim. Estava desconectado de quem era e isso fazia-me sentir miserável.
Este é um livro escrito para homens que as mulheres também deveriam ler?
Sim. Apesar de ter sido escrito para homens, cria um diálogo com as mulheres e desafia as suas definições do tipo de homem que querem amar.
Ao longo do livro, usa o humor, tal como faz no blogue. É importante usá-lo para ultrapassar problemas?
Uso o humor para humanizar o terapeuta. Considera-se que o terapeuta é muito sério e quero acabar com essa perceção. Esta é uma bandeira que ostento há já dez anos, desde que criei o blogue The Angry Therapist.
O meu humor é sarcástico, negro e seco e não posso pedir aos meus pacientes que sejam verdadeiros se eu não o for.
Por que se refere a si como o ‘The Angry Therapist’ [terapeuta irritado, em tradução literal]?
Comecei o blogue quando me divorciei como forma de documentar o que estava a acontecer na minha vida. Pensei que seria engraçado que o terapeuta estivesse irritado. Mas achei que ninguém o iria ler.
Depois, percebi que estava realmente irritado com o sistema clínico e com a isolada e frustrante jornada de me tornar terapeuta.
Podemos dizer que é um terapeuta pouco convencional?
Sim, acredito que sim, até porque não tenho um consultório, encontro-me com os pacientes em cafés e parques.
Também sou pouco convencional na forma como apareço. Ando sempre vestido de forma casual e chego na minha mota. Pratico transparência e uso a Internet como ferramenta de terapia.
Acredito que, se vamos falar de vida, vamos produzir vida enquanto conversamos. Estas são todas as razões pelas quais o meu trabalho é fora da caixa, enquanto a terapia não tem mudado nada em todos estes anos.
Diz que o divórcio mudou a sua vida. Porquê?
Forçou-me a fazer uma viagem interior. Olhei para dentro e comecei a reconstruir-me. Passei a conhecer-me melhor. Deixei de ser um rapaz para ser homem e conheci uma nova definição de amor.
O divórcio afeta homens e mulheres da mesma forma?
Porque, no que diz respeito ao divórcio, a sociedade julga mais as mulheres do que os homens, penso que é mais difícil para elas ultrapassarem o estigma e a vergonha.
As mulheres interiorizam mais o divórcio do que os homens, acreditam que há algo de errado com elas e sentem vergonha de se terem divorciado.
Depois, há também a questão do relógio biológico; se querem ter filhos, a pressão aumenta. Tudo isto pode fazer com que a recuperação de um divórcio seja mais complicada para as mulheres.
Os homens continuam a ser educados para esconder as emoções? Em que medida isso afeta as suas vidas?
Os homens são ensinados a suprimir os sentimentos. A sociedade, os balneários, os meios de comunicação e os outros homens mostraram-nos sempre que expor as emoções é sinal de fraqueza.
O nosso trabalho é consertar, não sentir. Isto tem impacto direto na nossa vida e nos relacionamentos, porque não estamos habituados a falar de sentimentos. Por isso, ficamos irritados e reativos. Começamos a viver em volta do/a nosso/a parceiro/a em vez de viver com ele/a.
E o mais importante é que nos desconectamos de nós próprios. Ao não falarmos dos nossos sentimentos, não estamos a tomar conta de nós.
Continuam a sofrer em silêncio…
Embora os homens tenham percorrido um longo caminho desde os rígidos cânones traçados em 1950, continuamos a sofrer em silêncio. A masculinidade tóxica continua a existir e afeta todos.
Temos de quebrar estereótipos e definições antigas de como o homem deve ser. Os homens têm de olhar para dentro e permitir-se exprimir o seu estado, sem julgamentos. Precisam de ser mais gentis consigo próprios.
Como é que se tornou mais transparente emocionalmente?
Não me dei hipótese para não o ser. Não mostrar ou expressar as emoções era voltar à vida miserável. Pratique a vulnerabilidade e seja feliz.
E como é que cada pessoa pode descobrir o melhor dela?
Cada pessoa tem a sua própria viagem para se tornar melhor. Não existe um só caminho, depende da história de cada um. E essa jornada é infinita, porque estamos sempre a mudar, a crescer e a evoluir.
Nenhuma viagem começa se não quisermos ser melhores e diferentes, nem sem coragem ou esforço. Nada acontece se não fizermos um esforço consciente para olharmos para dentro. Isto significa estar ciente das nossas conexões, pensamentos e ações e como estes afetam os outros.
Quais são as características que todos os homens deveriam ter?
Acho que os homens deveriam responder em vez de reagir. Tentar entender em vez de tentar serem entendidos. Assumir os atos e, finalmente, serem honestos consigo.
No livro, diz também que cada pessoa é responsável pela sua felicidade…
O amor jovem, a codependência e a ausência de limites ensinaram-nos que se a pessoa que está connosco é infeliz, nós também o somos. Ou, se sou infeliz, ela também deverá ser.
Mas isso não é amor, isso é disfunção. Acredito que cada pessoa é responsável pela sua felicidade. É isto que cria duas pessoas inteiras em vez de pessoas comprometidas quebradas.