Maria João Bastos: “Tenho mesmo paixão por ser atriz e sei que é isso que me alimenta”
O seu nome é incontornável na ficção nacional – não existem dúvidas. Maria João Bastos mantém o carisma que fez dela uma das figuras públicas mais reconhecidas. Além da sua beleza e elegância, tem o talento e a humildade como grandes aliados.
Quer na televisão, quer no grande ecrã, já a vimos em muitas personagens diferentes, mas quem é Maria João Bastos quando despe o papel de atriz?
Acessível e descontraída, deixa a conversa fluir com naturalidade por memórias, pelo estado da sociedade e pelo universo do cinema, cuja paixão deixa preto no branco.
A representação é a sua grande paixão, mas não põe de parte a realização, até porque na sua cabeça “está sempre a a imaginar personagens, histórias e como as realizaria”.
Fique a conhecê-la um pouco mais.
Entrevista a Maria João Bastos
Ao longo do seu percurso, interpretou personagens muito diferentes. Em Três Mulheres, encarnou a jornalista contestatária Vera Lagoa, em Destinos Cruzados, foi a cantora de música pimba Liliane Marise e, mais recentemente, em Rabo de Peixe, deu vida a uma detetive misteriosa. Qual foi a personagem que mais a marcou?
Isso é sempre uma pergunta muito difícil de responder, uma vez que o meu percurso tem sido marcado por personagens diferentes e, por serem grandes desafios para mim, acabam todas por me marcar pelas suas particularidades. Ainda por cima, estes são três exemplos de personagens que foram mesmo muito marcantes.
A Vera Lagoa, por ter vivido uma personagem real – como foi um trabalho biográfico, foi extremamente difícil; enquanto atriz, enfrentei enormes desafios.
Assim como a Liliane Marise, que também foi um trabalho incrível e exigiu que fosse para outros universos, acabando por ter uma repercussão imensa perante o público. Essa ligação com o público durante aquele ano foi muito marcante.
E Rabo de Peixe, que tem uma visibilidade mundial e também está a ter uma repercussão enorme junto do público. Considero que poderá ser um ponto de viragem para a ficção em Portugal por abrir portas para um mercado internacional à nossa ficção.
Portanto, por motivos diferentes, são as três personagens, no meio de tantas, que poderia escolher.
Talvez faltasse a Ann [Jameson], do Equador, por ter sido a primeira grande série feita em Portugal, pela dimensão, investimento e produção. Mas, como se vê, não consigo escolher só uma.
Revelou várias vezes que apenas aceita papéis que a desafiam e de que gosta. Como vê esse ‘privilégio’?
É um privilégio que vem de uma escolha, de dizer ‘não’ a algumas coisas. E a verdade é que já disse ‘não’ a muitos projetos que até poderiam ser interessantes, mas que seriam muito semelhantes a algo que já tinha feito e, para poder ter a oportunidade de escolher outros caminhos e outras personagens que me trouxessem novos desafios, já tive de dizer ‘não’ muitas vezes. Mas como procuro essa diversidade, exige um critério de escolha.
Já fez telenovelas, televisão, cinema, já cantou para milhares de pessoas num palco. Há algum sonho ou alguma ideia na gaveta que ainda não tenha concretizado, a nível profissional?
Há várias coisas. Um ator tem uma imaginação muito extensa, muito rica e desafia-se constantemente para dar asas à criação através das suas personagens. Há sempre personagens desafiantes por interpretar.
Queria ter feito uma personagem biográfica – já fiz a Vera Lagoa, mas não me importaria de fazer outras porque é um trabalho de que gosto mesmo muito.
Tenho mesmo paixão por ser atriz e sei que é isso que me alimenta, mas sou muito movida pela curiosidade
É um enorme desafio para um ator porque é uma personagem que existiu, que é real e quando se trata de alguém com alguma presença, como a Vera Lagoa – por ter vivido num período recente da nossa História e ainda estar muito viva na memória das pessoas –, é um trabalho extremamente difícil.
Realizar também é outra coisa que gostava de experimentar, viver essa experiência, não que tenha o sonho de ser realizadora… tenho mesmo paixão pela profissão de atriz e sei que é isso que me alimenta, mas sou muito movida pela curiosidade e gostava de saber como é realizar, até porque a minha cabeça está sempre a imaginar personagens, histórias e como as realizaria.
Já foi o rosto de uma linha de maquilhagem. Em que papel sentiu que a maquilhagem fazia mais diferença?
Isso é importantíssimo. A caracterização, o guarda-roupa, todo esse trabalho de composição é extremamente importante para entrarmos dentro das nossas personagens.
Na Liliane Marise, demorava imenso tempo a caracterizar-me, cerca de 1h30, mas era muito importante, porque toda a expressão corporal dela tinha que ver com aquela roupa, unhas, cabelo e forma de andar.
© Carlos Teixeira.
Na Vera Lagoa, também era importantíssimo. Aliás, quando me comecei a preparar [para interpretar a personagem], procurei a família dela e tive muito apoio, desde sempre, através de material que me forneceram, entrevistas dadas na altura, nas revistas, jornais e programas de televisão em que participou.
Também me emprestaram roupa e joias dela. Portanto, usei joias reais da Vera Lagoa e alguma da roupa da série é mesmo dela. Tudo isso ajuda muito a mergulhar no universo.
A partir do momento em que está caracterizada é mais fácil encarnar a personagem?
É um processo. Chego, começo a ser maquilhada, penteada… A personagem começa a acordar naquele momento também. Visto a roupa e, a partir daí, quando estou caracterizada, a personagem está ali, existe.
Depois, não é que fique o dia todo em personagem, mas de certa forma, ela está sempre comigo. A Soraia Chaves até brincava quando parávamos para almoçar porque falava comigo normalmente e eu respondia-lhe em Vera Lagoa.
Isto porque ela falava de uma maneira muito especial: os tempos, o ritmo nos fins das frases… Eu passava o dia assim e a Soraia ria-se e dizia: “larga a Vera Lagoa, deixa-me almoçar com a Maria João”.
Estou com ela, ali, o dia todo, até tirar a maquilhagem e desfazer o penteado, até a despir e ir à minha vida. É um processo muito interessante.
Quando cuida da sua imagem, está a fazê-lo pelos outros?
Não, até porque sou uma pessoa bastante prática no dia a dia. Gosto de levar a vida de uma forma relaxada e ando muito simples: de ténis, chinelos… Não ando com grandes produções, a não ser que a situação o peça.
O ser saudável não tem padrões.
Sempre me cuidei, desde muito nova, e sempre para mim, para me sentir bem comigo. E continua a ser por isso que tenho os meus rituais.
São momentos do dia em que tenho outro ritmo, em que paro, estou sozinha, medito e faço a minha rotina de beleza com tranquilidade. E são também os que me dão alguma serenidade para depois encarar a loucura do dia a dia.
E há algum cuidado ou rotina que não descure?
Não descuro, de manhã, lavar o rosto e cuidar da pele, assim como à noite não me deito maquilhada. Já o faço há muitos anos, desde que trabalhava como manequim.
Mas uma regra que impus a mim própria foi, por mais cansada que esteja, nunca me deitar maquilhada e cuidar sempre da pele antes de me deitar.
Ponho umas gotinhas de alfazema na almofada para dormir relaxadamente, faço alongamentos e respiro antes de dormir. São pequenos gestos de autocuidado, que são meus e que me fazem sentir muito bem.
Falava de quando era modelo. Apesar de a moda ser cada vez mais inclusiva, nesse mundo está-se sujeita a certas pressões. Sendo também atriz, e usando a expressão corporal como ferramenta, que impacto é que estas duas profissões tiveram na forma como lida com o corpo?
Nunca tive de condicionar muito a minha vida porque sabia que ser modelo era uma experiência transitória. Acabou por ser muito leve.
Nunca coloquei nenhum peso, exigência ou sacrifício, mas também me incentivou a ter o cuidado que tenho até hoje a todos os níveis: nos meus cuidados de beleza, alimentação e exercício físico.
© Carlos Teixeira.
A moda ensinou-me a aceitar o meu corpo e características, a trabalhar sobre elas e com isso sentir-me na melhor condição possível.
Então, sempre teve uma boa relação com o corpo?
Sim. Quando era mais nova e estava a começar a crescer, como era muito magrinha, na escola, queria ser mais gordinha, mas sempre de uma forma muito saudável.
Nunca tive questões com o meu corpo. Queria crescer rápido, aquela coisa normal das miúdas, isso sim.
A ideia do corpo perfeito, de sermos saudáveis ou magras é muito partilhada nas redes sociais, onde os jovens passam os dias. Como é que vê o impacto dessa ideia na saúde mental?
O ser saudável não tem padrões. Não tem de ser magro, não tem de estar dentro de padrões. De todo. Eu não tenho balança sequer.
Para mim, ser saudável é alimentar-me bem, fazer desporto todos os dias, fazer meditação, dormir bem, cuidar também da minha saúde mental, procurar coisas que me fazem bem, desde estar com os amigos, com a família, ter tempo para mim, para ler um livro. Isso, sim, é ser saudável.
Não tem só que ver com a parte física, que, infelizmente, é a realidade que existe hoje no Instagram. Parece que é a única coisa que importa. E é uma mensagem muito perigosa que se passa. O ser saudável vai muito além da parte física.
Mas os jovens, especialmente as mulheres, têm dificuldade em percebê-lo porque a imagem que veem nas redes sociais é sempre de raparigas magras…
É verdade. E não só magras, como também com uma enorme quantidade de filtros, peles fantásticas, caras que não são reais.
A deformação que existe no Instagram é muito perigosa para os jovens que recebem essa informação e acham que esses são os padrões a seguir. Mas não, os padrões somos nós que os fazemos. Ou devíamos ser nós a fazê-los com aquilo que para nós funciona.
Por outro lado, também vejo uma geração que me surpreende: há uma aceitação na diferença, e isso é bom.
Aceitam-se pessoas que têm outra forma de estar, outro corpo, outra forma de existir, de se apresentar… E há também cada vez mais jovens que se impõem nessa sua forma de ser e que se sentem bem. Isso, sim, é saudável.
Para si, saber viver é…
Estar de bem com a vida. É aceitar e agradecer. É clichê, mas é verdade.