Maynara Fanucci: “O feminismo não é mais do que igualdade”
Aos 28 anos, a designer brasileira é uma voz forte entre as feministas e não se fica por teorias, quer que as mulheres olhem para si mesmas e para as que estão ao seu lado e percebam a força que têm.
Há cinco anos nunca tinha ouvido falar de feminismo, hoje, é uma voz marcante na luta pela igualdade de género, que “não é mais que a igualdade de direitos”, como realçou na conversa que teve connosco quando veio a Portugal lançar o seu livro Empodere-se! 100 Desafios para as Mulheres Reconhecerem a sua Força (Oficina do Livro).
Com este, tal como já fazia e continua a fazer nas redes sociais, a partir de Londres, pretende que as mulheres percebam o seu potencial, usando uma linguagem acessível a todas e longe de teorias feministas que “muitas nem percebem. É preciso mostrar como é que as ideias do movimento têm uma concretização no nosso dia a dia, daí que tenha lançado os 100 desafios, que se encaixam no nosso quotidiano”.
O primeiro é perdoe-se, ou seja, “pare de se culpar pelos abusos que sofreu, por não ter feito algo, por os seus filhos não atingirem determinado objetivo. Permita-se errar e depois perceba a força que tem e dê força às mulheres que estão ao seu lado”.
Por que é que decidiu escrever o livro Empodere-se!?
Surgiu de um desafio que postei nas redes sociais, 100 dias de empoderamento. Sempre que via um desafio nas redes sociais, principalmente se direcionado para as mulheres, tinha muito a ver com a nossa aparência, com o começar uma nova dieta na segunda-feira, com o iniciar uma rotina de exercícios.
Comecei a pensar, então, que seria interessante desafiar as mulheres partindo dos conteúdos que produzo na página @empodereduasmulheres, lançando um desafio por dia que fizesse as mulheres olharem para si mesmas.
Nunca pensei que viria a tornar-se um livro, mas é mais uma forma de inspirar outras mulheres.
E nos 100 desafios há algum mais importante do que os outros?
Não consigo destacar nenhum, cada mulher vai-se identificar com alguns dos 100, mas este também não é um livro para ler de uma vez só. A ideia foi criar algo que se adapte a diferentes vidas e que seja um manual que se aplique de forma prática no dia a dia.
Às vezes, sinto que, quando se fala de teoria feminista, não é necessariamente acessível, mas quando falamos de amor-próprio, de uma mulher ter força para sair de um relacionamento abusivo, de perceber que tem capacidade para levar a cabo os projetos que deseja, aproximamo-nos das mulheres.
Tudo começou com o #empodere2mulheres, a ideia era chegar às mulheres que estão ao nosso lado?
Sim. Se cada mulher empoderar duas e essas mais duas e assim sucessivamente estamos a criar uma corrente. Quero que as mulheres entendam que têm poder de transformação no meio onde estão inseridas, seja em casa ou no trabalho, e que não são inimigas umas das outras.
E é fácil empoderar mulheres de diferentes gerações?
A minha avó, que não cresceu com mensagens feministas, foi das primeiras a ler o meu livro e entendeu o seu conteúdo e até partilhou comigo uma história da sua vida.
Ela veio de uma família muito simples, mas queria estudar para ser professora e, para o conseguir, teve de esperar o autocarro sozinha numa estrada no meio do mato e nunca desistiu. É bom perceber que as gerações passadas se empoderaram antes de se falar em feminismo.
E, em relação às mais jovens, é fácil chegar até elas?
Nesta minha passagem por Portugal, estive num evento de liderança jovem feminina e estive a ouvir as experiências que vivem enquanto mulheres jovens e ainda é triste termos de falar de certos assuntos.
Uma das meninas estava a dizer que o sonho da vida dela é ser diplomata, mas como gosta de vestir calças e usar ténis, a mãe diz-lhe que assim nunca o será. Temos de continuar a incentivar as gerações mais novas a perceber que não há nada de errado em querer ser, por exemplo, piloto de aviões ou em não usar saltos altos.
Porque ainda vivemos numa sociedade muito machista…
Exato. É uma onda que temos de continuar a empurrar para que se fale cada vez mais em igualdade, afinal, nós mulheres somos metade da população mundial.
A grande mensagem a passar é que as mulheres não podem deixar que lhes sejam impostos limites de género?
Claro. Às vezes, trabalhamos contra nós mesmas, acabamos por ter medo e vergonha de fazer as coisas porque somos mulheres e acabamos por querer responder às expectativas dos outros.
Nesta época das redes sociais, onde tudo é uma foto bonita, um corpo escultural e felicidade, mesmo que acordemos às 5h da manhã para fazer exercício físico, é importante nadar contra a corrente. Falar das questões que não são perfeitas na nossa vida, de autocuidado e de feridas que podem ser trabalhadas. Mas muitas mulheres ainda têm vergonha de se dizerem feministas…
Acho que existe um conceito muito errado de feminismo. Por exemplo, quem diz que não é feminista, mas acredita que todas as pessoas têm de ter direitos iguais, é o mesmo que dizer não bebo água, mas H2O.
O feminismo não é mais do que igualdade, mas algumas pessoas continuam a dizer que ser feminista é não se depilar, andar nua, não usar maquilhagem. Estereótipos que resultam da ignorância.
Como é que se começou a interessar pelo feminismo?
Foi em 2014, quando descobri um grupo feminista no Facebook e comecei a ler os depoimentos das mulheres. Nunca tinha ouvido falar deste tema, até porque nasci numa cidade do interior de São Paulo, estudei num colégio católico e nunca foi uma conversa que tive dentro de casa.
Ao ler aqueles relatos foi como se estivesse a juntar peças num quebra-cabeças. Até então, vivia um pouco na escuridão e tive vergonha de nunca ter feito nada, é óbvio que já tinha ouvido histórias do género ‘o marido bate-lhe, mas ela deve ter feito alguma coisa para o merecer’.
E como olha para o futuro?
Espero que as próximas gerações tenham mais espaço e mais voz, porque a questão da defesa dos direitos é um trabalho inacabado.
Está a fazer referência ao que está a acontecer no Brasil?
Não é um assunto fácil e sinto que a onda conservadora que temos hoje no País é uma resposta ao facto de as pessoas terem acordado para certas coisas e começaram a reivindicar os seus direitos. Isso assusta os conservadores, que ainda acham que falar de direitos é coisa da esquerda.
O que é para si saber viver?
É reconhecermo-nos como pessoas atuantes no lugar onde vivemos e percebermos que podemos fazer a diferença, mesmo que não tenhamos meio milhão de seguidores nas redes sociais.