Vêm de áreas diferentes – da literatura ao empreendedorismo, da ciência ao trabalho em ONG, sem esquecer a dança –, mas têm três coisas em comum: são jovens, fazem o que gostam e destacam-se no seu ofício, ou seja, o futuro é deles, sem sombra de dúvidas.
Afonso Reis Cabral, escritor — 30 anos
Sempre viveu rodeado de livros, mas foi a morte da maior fadista portuguesa, em outubro de 1999, que o levou a escrever poesia aos 9 anos.
“Falou-se tanto da Amália que fui obrigado a ouvi-la e descobrir os grandes poetas na voz dela, foi quase uma chamada e o perceber que a poesia e a literatura existiam”, conta.
Afonso Reis Cabral lembra-se perfeitamente de na altura ter escrito o primeiro poema de rajada e, desde aí, nunca mais parou de escrever, por isso, “ser escritor foi algo que aconteceu naturalmente”.
A necessidade de escrever todos os dias mantém-se. “Isto não quer dizer que o faça. Há períodos de seca e de grandes dificuldades de escrita, mas a necessidade está lá”, diz.
Realidade e ficção
A poesia, que até tinha dado origem ao livro Condensação, foi substituída pela prosa e com a publicação dos livros surgiram os prémios literários e os aplausos da crítica, que apelidava a sua escrita de madura para a idade.
De promessa da literatura portuguesa, com o romance O Meu Irmão (Leya), galardoado com o Prémio Leya, em 2014, passou a certeza com Pão de Açúcar (Dom Quixote), com o qual ganhou o Prémio Literário José Saramago, em 2019.
No primeiro, retrata o tema sensível da deficiência, que lhe é caro já que tem um irmão com síndrome de Down. O livro, como diz, “não tem nada de autobiográfico, mas seria estúpido não aproveitar um tema que me foi entregue de bandeja para contar uma história”.
No segundo, Afonso Reis Cabral parte do caso de Gisberta, uma transexual brasileira brutalmente assassinada no Porto, depois de ter lido uma reportagem que assinalava os dez anos daquela morte.
Nos dois livros, realidade e ficção andam de mãos dadas, mas o escritor acredita que “isso é transversal a todos os escritores”.
“O que se passa hoje em dia é que temos mais acesso à informação e conseguimos estabelecer mais facilmente ligações, mas de certa maneira todos os escritores se esventram pela escrita. A realidade é uma âncora para a minha escrita”, garante e será assim também com o próximo livro, que talvez saia em 2021.
“Quem escreve tem de ir ao encontro daquilo que lhe interessa. Sem entusiasmo e paixão não chegamos ao amor e, se assim for, não resulta”, sublinha.
A caminhada
Em 2019, Afonso Reis Cabral publicou o quarto livro, Leva-me Contigo (Dom Quixote), um diário que escreveu durante a travessia a pé da mítica Estrada Nacional 2, que liga Chaves a Faro.
Não sabe bem porque se meteu nesta aventura, mas enumera uma série de fatores que podem ter contribuído para tal: “Gostar muito de andar a pé, ter tempo, saber que ainda ninguém tinha feito aquela estrada sozinho e estar a precisar de um ritual de passagem, já muito fora do tempo” (risos).
Fisicamente foi difícil, mas tudo resto deixa-lhe saudades. “Vi um Portugal cheio de entusiasmo para crescer e cheio de entrega, porque estamos a falar da EN2, que ultimamente foi reabilitada e é quase uma marca. Acho que mais do que uma estrada é um rio, porque nas margens dos rios há muita vida a fervilhar e a EN2 está a ser transformada nesse sentido”, relata.
“Não saber quem ia descobrir em cada dia” foi uma motivação extra e o título do livro é um exemplo desses encontros: “Estava a sair do Torrão, no Alentejo, quando apareceram três rapazitos que não falavam português, mas lá tentei falar com eles e dizer-lhes que tinham de voltar para junto da família, porque ia continuar a caminhar, e o mais pequenino, conseguiu dizer-me num português perfeito ‘leva-me contigo’. Palavras que me constrangeram o peito.”
Confinamento social
Para terminar a conversa, perguntámos a Afonso Reis Cabral se o confinamento teria sido bom para escrever, mas o autor nega: “À partida, poderia parecer que sim, mas não, isto mirra a cabeça”.
Já para a leitura foi benéfico. “Neste momento, de um ponto de vista muito prosaico e no contexto do confinamento, os livros são uma libertação. Desde que começou o isolamento social, li uns 18 ou 19 livros de enfiada”.
A par da leitura, o escritor encontrou na horta que resolveu fazer no jardim abandonado do prédio dos pais uma fuga à atualidade. “Vim para casa deles para os ajudar no que fosse possível e, como sou muito ativo e irrequieto, aquilo começou a incomodar-me, então, comprei uma enxada e limpei tudo. Terminada essa tarefa, percebi que a melhor opção seria fazer uma horta e esta dá muita sanidade mental, porque o esforço acalma o cérebro”, remata.
Os favoritos de Afonso Reis Cabral
Livro: “Não consigo escolher um favorito, mas A Leste do Paraíso e as Vinhas da Ira talvez sejam aos quais mais volto.”
Escritor: “Também não tenho um favorito, mas, como referi aqueles dois livros tenho de dizer John Steinbeck, como aquele a que mais regresso.”
Hobbies: “Boxe, que tenho feito através do Zoom, e mergulho.”
Lugar: “Não será o meu lugar favorito, mas fui há poucos meses a Havana e tenho pensado muito na cidade, na sua vida de rua, na intensidade das pessoas, na arquitetura da ruína, na música em todo o lado. Havana respira energia e beleza.”