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O futuro é deles. Catarina Seabra: “Sem ciência não há medicina”

O futuro é deles. Catarina Seabra: “Sem ciência não há medicina”

Queremos mostrar o que de melhor se faz em Portugal, por isso não podíamos deixar de falar dos mais jovens. Damos-lhe a conhecer Catarina Seabra, uma das cinco mentes brilhantes portuguesas.

Por Jul. 12. 2020

Vêm de áreas diferentes – da literatura ao empreendedorismo, da ciência ao trabalho em ONG, sem esquecer a dança –, mas têm três coisas em comum: são jovens, fazem o que gostam e destacam-se no seu ofício, ou seja, o futuro é deles, sem sombra de dúvidas.

Catarina Seabra, cientista — 30 anos

O fascínio pela vida humana sempre esteve lá, mas foi uma aula de Biologia do ensino secundário que ditou as escolhas de Catarina Seabra, e as ‘culpadas’ foram as ervilhas de Mendel, o precursor da genética.

“Foi a primeira vez que tive contacto com o ADN e percebi o papel da hereditariedade na definição das nossas características”, diz a jovem cientista que, em 2018, ganhou a bolsa Marie Curie para realizar um estudo inovador sobre o autismo, no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra.

Começou por se licenciar em Ciências Biomédicas, seguindo-se o mestrado em Medicina Molecular, ambos na Universidade de Aveiro, e o doutoramento em Biologia Básica e Aplicada no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto. E foi este último que a levou até à Harvard Medical School para estudar a genética do autismo, juntando duas paixões, a neurociência e a genética.

Nos Estados Estados Unidos da América, encontrou uma realidade muito estimulante e completamente diferente da de Portugal, mas, neste momento, é no nosso País que quer estar.

“Temos a dificuldade da falta de financiamento, mas, por outro lado, somos muito bons em todo o planeamento prévio e em planos de contingência para o caso de alguma coisa falhar, dada a falta de meios”, sublinha.

Continuo a ter colaborações internacionais, mas quero trabalhar em Portugal – Catarina Seabra, cientista

Perceber o autismo

Mas voltemos ao seu trabalho atual, no qual está a implementar uma nova linha de investigação com organoides cerebrais – modelos tridimensionais que imitam o desenvolvimento do cérebro humano – para perceber melhor o autismo.

“Estamos a trabalhar em parceria com o Hospital Pediátrico de Coimbra e recolhemos dentes de leite ou do siso de pacientes com e sem autismo para retirar pedaços da polpa dentária e transformar essas células em neurónios. Depois, observamos o comportamento dos neurónios durante o desenvolvimento desta estrutura, se há alteração na sua migração, ramificação e na forma como comunicam uns com os outros através dos impulsos elétricos”, descreve a cientista.

O objetivo futuro, refere, “é perceber o que se passa durante o desenvolvimento do cérebro dos autistas e fazer uma medicina mais personalizada, conseguir testar fármacos nestes modelos e reverter as alterações encontradas”.

Prazos para chegar à prática clínica ainda não consegue dar, mas o facto de estarem a trabalhar com células humanas é um grande passo. Além disso, já conseguiram “criar o primeiro biobanco de células estaminais dentárias para o estudo de doenças de neurodesenvolvimento em Portugal”.

Os resultados são sempre uma incógnita e podem até ser o oposto do esperado, mas, às vezes, é daí que surgem as grandes descobertas – Catarina Seabra, cientista

Curiosidades mil

A melhor coisa de ser cientista, sublinha Catarina Seabra, “é ir atrás das curiosidades, encontrar respostas para as questões que existem na vida e no mundo e enfrentar o desconhecido todos os dias. Os resultados são sempre uma incógnita e podem até ser o oposto do esperado, mas, às vezes, é daí que surgem as grandes descobertas”.

A pandemia da Covid-19 fez a sociedade olhar mais para a ciência, e a investigadora acredita que nunca a comunidade conseguiu perceber tão bem qual é o papel do cientista e a sua importância no evoluir da sociedade. “Sem ciência não há tratamentos, sem ciência não há medicina.”

Quanto a uma vacina contra o novo coronavírus, Catarina Seabra acredita que só para o início do próximo ano e mesmo assim isso só acontecerá “se se saltar alguns dos processos de segurança e qualidade, caso o risco-benefício seja vantajoso”.

Os favoritos de Catarina Seabra

Cientista: “Maria de Sousa, pioneira do estudo da imunologia em Portugal.”

Livro:The Reason I Jump, escrito por um menino de 13 anos que tem autismo e que encontrou uma forma alternativa para explicar o porquê do seu comportamento em determinadas situações.”

Sonho: “A descoberta dos 98% do ADN que ainda se desconhecem. Se isso acontecesse, provavelmente conseguiríamos compreender muitas doenças.”

Hobbies: “Gosto muito de fotografia e tenho um curso profissional de cabeleireiro.”

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 240, junho de 2020.
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