O “corpo ideal” não é um conceito novo. Pelo contrário, e como se costuma dizer, é do tempo da Maria Cachucha (não sabemos bem quem ela é, mas temos a certeza que terá sofrido dos mesmos males que nós). Ainda assim, duas pessoas não saberiam definir o corpo perfeito de forma consensual. Não é um acaso – ele não existe!
O que se observa neste conceito é que, de uma forma ou outra, acompanha as tendências da moda e, ao longo de décadas, tem estado ao serviço da sociedade patriarcal e do capitalismo para explorar as mulheres.
Independentemente do padrão a seguir, há sempre uma indústria pronta a lucrar. As dietas, os comprimidos para emagrecer ou engordar, as cirurgias plásticas e outras tantas práticas destrutivas a trabalhar em prol da figura ideal.
Nos loucos anos 20, o desejo de magreza foi usado pela Lucky Strike a favor do tabagismo com a campanha “Reach for a Lucky instead of a sweet”, apelando a que, em vez de comer um doce, se fumasse um cigarro.
Mais tarde, já nas décadas de 70 e 80 as roupas justas pediam um corpo atlético. Assim, a estética assumiu um papel ainda mais importante na vida das mulheres e assistiu-se à popularização das cirurgias plásticas e das dietas.
Nos últimos anos, vimos o rap e hip-hop a ganhar mais espaço na cultura mainstream e, logicamente, os padrões corporais acompanharam. Encabeçada pelas Kardashians, vimos acontecer, mesmo em frente aos nossos olhos, a histeria dos BBL (Brazilian Butt Lift). O procedimento consiste em retirar gordura de uma parte do corpo e transferi-la para o rabo e coxas, com o objetivo de esculpir o corpo num formato de ampulheta – cintura fina e ancas largas.
Os dedos das mãos não chegam para contar a quantidade de celebridades que aderiu a esta moda corporal, mas são muito poucas as que admitem tê-lo feito. Em vez disso, publicam vídeos no ginásio e pregam que com esforço, uma alimentação saudável e apenas seis horas diárias de ginásio, qualquer um pode ter o corpo perfeito. Parece fácil, certo?
Se pesquisarmos BBLs no Twitter ou Tik Tok apercebemo-nos que as celebridades estão a reverter o efeito das cirurgias
De acordo com um artigo do The Guardian, o BBL é a intervenção estética mais perigosa atualmente. Ainda assim, segundo um estudo da International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS), foi a que registou maior aumento de procedimentos em 2019.
Agora, a tendência parece querer inverter-se outra vez. Se fizermos uma pesquisa rápida sobre BBLs no Twitter ou Tik Tok, apercebemo-nos que, lenta e discretamente, as celebridades estão a reverter o efeito das cirurgias, regressando a corpos mais naturais (entre muitas aspas).
Esta mudança de sentido tem levado os media e o público a discutir o regresso do “Heroin Chic” – um look rebelde, caracterizado pela magreza extrema e um aspeto ligeiramente adoentado, comummente associado a modelos de alta-costura, como é o caso de Kate Moss.
A estética foi altamente popular nos anos 90 e, de acordo com um artigo da CNN, coincidiu com os primeiros alertas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para um problema crescente na altura: a obesidade. A gordura, então associada a problemas de saúde, passou a ser um “bicho papão” e, a partir deste momento, passou a ser feita uma clara distinção entre o bom e o mau, o saudável e o prejudicial.
Assim, instalou-se a cultura da dieta, que se manifesta no medo de certos alimentos categorizados como “não saudáveis”. Este fenómeno associa magreza a saúde e vende a ideia de que “só é gordo quem quer”, associando a gordura ao desmazelo.
Sentir-se bem e sentir-se bonita é importante, mas cada pessoa deve ter a liberdade de o fazer nos seus próprios termos e condições
Compreensivelmente, o regresso deste ideal feminino tem gerado revolta nas redes sociais. Porque é que em 2022 ainda há meios de comunicação a promover padrões de beleza altamente perigosos? Porque é que ainda se promovem padrões de beleza de todo? Um padrão implica que haja quem fique de fora e essa mentalidade não é compatível com os movimentos body positive e de autoaceitação que se pregam por esse mundo fora.
Queremos acreditar que somos mulheres emancipadas, temos a mente aberta e pensamos por nós próprias. Mas vamos lá falar a sério! Continuamos a sentir aquela ansiedade quando comemos algo que “não devemos” e às vezes até prometemos compensar mais tarde, com uma caminhada ou uma corridinha.
Continuamos a comentar que esta ou aquela pessoa precisa de emagrecer. No fundo, continuamos a submeter-nos a padrões em mudança constante e a investir tempo e dinheiro na busca pela imagem ideal – uma busca que inevitavelmente nos vai levar ao desespero e à frustração.
Sentir-se bem e sentir-se bonita é importante, mas cada pessoa deve ter a liberdade de o fazer nos seus próprios termos e condições, sem que se acabe presa dentro dos limites invisíveis que todos os dias nos são impostos.
Nada de bom pode acontecer quando tentamos ser o que não somos – a individualidade é importante e devemos celebrá-la! Por isso mesmo, daqui em diante, os padrões só podem ser aceites numa blusa espampanante.