Sociedade

O nosso país visto por 5 portugueses de diferentes áreas

Pedimos a cinco portugueses de diferentes áreas para olharem para o Portugal de hoje a partir do seu percurso profissional. Em comum, têm um olhar positivo e olham para o País com esperança.

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O nosso país visto por 5 portugueses de diferentes áreas O nosso país visto por 5 portugueses de diferentes áreas
© unsplash
Rita Caetano
Escrito por
Jun. 13, 2023

Nem sempre as notícias quotidianas sobre o nosso País são animadoras. Da política à economia marcada pela inflação, da saúde à agricultura, sem esquecer a educação e a especulação imobiliária, são muitas as queixas ouvidas, mas também temos muito de bom.

No mês em que se comemora o Dia de Portugal, de Camões, e das Comunidades Portuguesas (10 de junho), conversámos com cinco portugueses que, a partir da sua área profissional, todas elas em crescimento, nos fazem um retrato do País com tudo o que tem de bom e de mau.

O realizador Augusto Fraga, que vai estrear uma série na Netflix; a diretora do Cooljazz, Karla Campos, que volta a trazer grandes nomes da música ao nosso País; a diretora do Hotel Hotel, Lúcia Cunha, que garante que a hotelaria do detalhe é o futuro; o chef Luís Gaspar, que realça o crescimento da nossa gastronomia, sem esquecer as nossas tradições; e a artista Ana Aragão, que vai expor no Japão, são os nossos guias nesta viagem pelo Portugal dos nossos dias.

Augusto Fraga

Foi sozinho, na sua casa em São Miguel, isolado pela pandemia, que Augusto Fraga decidiu escrever o argumento que daria origem a Rabo de Peixe, a segunda série portuguesa da Netflix, que estreou a 26 de maio.

Com ele, concorreu ao concurso da Netflix/ICA, mas sem grandes expectativas. A única certeza é que se tinha divertido muito a escrever o guião.

“Tentei criar uma série que gostasse de ver e que escolheria entre centenas de séries internacionais”, diz-nos. As plataformas de streaming, assegura, “vieram trazer mais audiência ao nosso mercado audiovisual e isso cria oportunidades a novos criadores. Um mercado mais alargado, também mais competitivo, torna-se mais exigente com a qualidade das ideias e com o craft das produções”.

Rabo de Peixe conta “a história totalmente fictícia de Eduardo, um jovem pescador, e os seus melhores amigos e as decisões que terão de enfrentar após uma tonelada de cocaína dar à costa de Rabo de Peixe. Partimos do evento real, bastante surreal, para criar uma história de ficção, a partir de uma pergunta: e se houvesse mais droga no barco do italiano do que aquela que foi encontrada?”, explica.

O evento real que deu origem a esta ficção – o barco carregado de droga que se avariou ao largo de São Miguel em 2001 – fazia parte da sua coleção de “ideias-para-desenvolver-um-dia” que podiam ser transformadas num guião. “Estou sempre há procura de histórias e os jornais são uma boa fonte de inspiração”, afirma.

Augusto Fraga diz-se sentir profundamente açoriano, apesar de já ter vivido em vários países. “Os Açores dão-me sentido de pertença, são as minhas raizes mais profundas. Mostrar os Açores ao mundo é, ao mesmo tempo, um orgulho e uma enorme responsabilidade.

Mas a série não é sobre os Açores ou sobre a comunidade de Rabo de Peixe; é uma visão pessoal. É uma reflexão sobre o destino e como fugir dele, sobre a natureza humana. A história de uma pessoa normal, perante circunstâncias extraordinárias”, refere.

Quando olha para os Açores, o realizador Augusto Fraga vê “uma terra muito especial. Pela beleza natural, mas sobretudo pela riqueza cultural e potencial humano. Terra de Vitorino Nemésio, Natália Correia, Teófilo Braga, Antero de Quental, Manuel Arriaga, Nuno Bettencourt, Onésimo Teotónio Almeida, Zeca Medeiros e tantas outras personalidades que se destacaram, em Portugal e no estrangeiro”.

Acredita que o isolamento que marcou a história açoriana “trouxe também uma enorme vontade de explorar o mundo. Temos uma enorme comunidade a viver fora das ilhas, do Havai ao Brasil, da Califórnia a Boston, de Toronto ao Quebeque. Uma comunidade que está cada vez mais unida e a criar laços artísticos e económicos que vão marcar o futuro do desenvolvimento social e humano do País”.

Karla Campos

Quando o verão começa, Portugal rima com festivais de verão e nos recintos já são muitos os estrangeiros que veem o nosso País como destino de música.

Karla Campos é um dos rostos por trás destes grandes eventos. Foi dela que partiu a ideia para o Cooljazz, em 2004, e ainda hoje continua a liderar este festival.

Lionel Richie, Van Morrison, Norah Jones, Ben Harper, Snark Puppy, Kings of Convenience são os cabeças de cartaz do Cooljazz deste ano, que se realiza no Parque Marechal Carmona, em Cascais, de 8 a 29 de julho.

A música é uma paixão antiga de Karla Campos. “É a única arte que me traz para o presente, mas também me traz memórias, projeta-me emoções e abre-me para o processo criativo. A música é a melhor técnica de mindfulness que conheço. Quando estamos num concerto desconectamo-nos dos problemas, do stresse, da ansiedade. A música é uma linguagem universal”, afirma.

O que mais gosta de fazer é a contratação de artistas e garante-nos que não tem qualquer dificuldade em trazê-los a Portugal.

“Hoje em dia, é com os concertos que os artistas ganham dinheiro. Já passaram por aqui grandes nomes da música e assim vai continuar. Não há quem não goste de vir tocar a este festival. Como não há concertos em simultâneo, os artistas sabem que o público fica do início ao fim a vê-los”, realça.

No Cooljazz, o público estrangeiro atinge já os 15 a 20 por cento, como nos conta Karla Campos, que diz que as grandes vantagens de Portugal neste setor é o bom tempo e as boas praias. “As pessoas têm como ocupar os dias antes de entrarem nos recintos dos festivais”.

Já quando lhe pedimos para olhar para as desvantagens, a diretora do Cooljazz não hesita: “É o nosso poder aquisitivo reduzido, sobretudo devido aos baixos salários que temos. Isto faz com que os preços dos bilhetes sejam muito inferiores aos do resto da Europa.” E alerta, “o preço dos artistas não baixa por isso”.

É aqui que entram os patrocínios sempre tão visíveis nos recintos dos festivais. Karla Campos descreve essa parceria como “um win-win. As marcas querem estar presentes, porque interagem diretamente com o público, e nós precisamos desta base financeira para fazer face aos preços dos bilhetes mais baixos”.

Lúcia Cunha

Se há setor que vive tempos áureos em Portugal é a hotelaria, área pela qual Lúcia Cunha é completamente apaixonada. “A hotelaria corre-me nas veias”, diz a diretora do Hotel Hotel, que viu nascer desde o início, no final de 2021.

Mas, antes de liderar esta unidade hoteleira, Lúcia Cunha andou literalmente pelo mundo a abrir hotéis, sempre na liderança de spas. Passou pela Suíça, Espanha, Tailândia, Bali, Japão, China, Áustria.

Foram as saudades de casa que a fizeram voltar ao nosso País. No entanto, sabe que a pessoa que é hoje é fruto de todas essas vivências. “No final, somos todos pessoas, seja cá, seja na China, e eu sou feliz a fazer as pessoas felizes”, sublinha.

Amo o meu País e acho que a nossa grande vantagem na área onde trabalho é termos um coração do tamanho do mundo. As pessoas sabem que quando vêm cá são bem recebidas e é só isso que peço à minha equipa.”

Mas não é só com os hóspedes que se preocupa. “A minha equipa tem de estar feliz, por isso, no Hotel Hotel não se trabalha mais do que as oito horas diárias e as folgas são fixas. Quero que as pessoas tenham vida fora daqui”.

Pormenores como estes são aquilo a que Lúcia Cunha chama salário emocional. “Uma equipa feliz faz os clientes felizes e, ao fim do dia, não se resume tudo ao dinheiro”, garante.

Lúcia Cunha estudou Gestão Hoteleira e, depois de algum tempo a trabalhar na receção de hotéis, começou a pensar em mudar de área. “Na altura estava no Ritz e, quando o spa abriu, concorri ao lugar de assistant spa manager e, como não sei fazer as coisas sem ser ao mais alto nível, fui estudar para a melhor escola de spas de Banguecoque”, conta.

Mais recentemente, o salto para a direção de um hotel foi um acaso, apesar de muitas pessoas já lhe terem falado disso.

“O clique aconteceu quando uma amiga, que estava a ajudar a recrutar diretores de hotel, me perguntou se já tinha pensado nisso. Fui à entrevista e correu bem”, refere.

Luís Gaspar

A gastronomia portuguesa tem evoluído muito na última década e Luís Gaspar é um dos nomes que tem contribuído para isso.

Lidera a cozinha dos restaurantes Sala de Corte, Pica-Pau e Brilhante, do grupo Plateform, e tem uma grande paixão pela cozinha nacional, aquela que dá a provar nas mesas do Pica-Pau, o restaurante que sempre desejou ter: “Ter um restaurante de cozinha portuguesa, honesta, bem-feita, onde se valorizasse o pequeno produtor e o receituário tradicional, sem inovações e intervenções foi sempre um objetivo”, conta-nos.

“Restaurantes com intervenções e componente técnica, existem muitos em Lisboa. Era importante voltar às origens e respeitar, acima de tudo, o património gastronómico português”, realça Luís Gaspar.

Os três restaurantes que lidera, por serem tão diferentes entre si, representam a sua forma de estar como cozinheiro.

“A minha cozinha é, em primeiro lugar, de produto, de valorização de pequenos produtores, de produto de comércio justo, economia circular, sazonalidade para extrair as características dos alimentos ao máximo e, depois, gosto muito de trabalhar os pontos de cozedura, as técnicas, o detalhe”, explica.

Da sua profissão diz que é a mais fantástica do mundo, mas também uma das mais difíceis. Aos jovens que a querem seguir, garante que “é muito enriquecedor poder ver a satisfação de um cliente quando se faz um prato tecnicamente bem executado. É claramente uma profissão de reconhecimento, mas é preciso muito sacrifício e determinação, pois é muito exigente física e psicologicamente”.

O seu prato preferido é arroz de cabidela, “porque é uma memória de infância” e tem um dos produtos portugueses de que mais gosta, “o arroz carolino, mais precisamente das lezírias do Mondego, e também o galo caseiro, produto de subsistência de criação familiar”. Além disso, gosta da “sua acidez e versatilidade, pois é um prato muito completo e complexo, com muitos sabores”.

Ana Aragão

My Plan For Japan é o título da exposição que vai levar a artista Ana Aragão ao Japão. “Não é fácil um artista português expor no estrangeiro”, diz-nos, mas, no seu caso, é a segunda vez que leva o seu trabalho para o Oriente (na primeira, esteve em Macau), tendo tido também uma experiência em Londres.

“Desta feita, o convite partiu da Embaixada de Portugal no País do Sol Nascente como parte integrante do programa da comemoração dos 480 anos da chegada dos portugueses àquele país, depois de o embaixador Vítor Sereno ter visto a exposição No Plans For Japan, que esteve patente no Museu do Oriente, em Lisboa.

“Estive no Japão de férias em 2015 e, nessa altura, decidi que seria um tema para próximos trabalhos. Fiquei fascinada!”, conta.

Para a mostra, que estará patente na galeria Hillside Forum, em Tóquio, de 30 de maio a 4 de junho (depois, virá para o Museu do Oriente), Ana Aragão desenvolveu uma peça de grandes dimensões, intitulada Auto da Barca do Efémero, e é uma interpretação dos Biombos Namban, que representam a chegada dos Portugueses ao Japão.

“É uma grande nau, mas muito mais ligada ao sonho e à imaginação, que parece ter muitos arranha-céus pendurados. É um misto entre Alice no País das Maravilhas e referências à portugalidade”, explica.

Controlo e detalhe são as palavras que Ana Aragão usa para descrever o seu trabalho. “É muito bonito perceber que, pela nossa vontade, uma coisa que não existia passa a existir. Gosto muito desta ideia de fundar algo de novo e de convidar quem vê o meu trabalho a habitar outro mundo”, sublinha.

O maior elogio que podem fazer-lhe é reconhecer que o seu trabalho “leva a uma certa invasão à realidade”.

Com formação em Arquitetura, o seu lado artístico desenvolveu-se nas aulas de doutoramento. “As aulas eram longas e comecei a rabiscar no caderno alguns desenhos com casinhas emparelhadas, com muito de non sense, muita repetição, sobretudo a preto e branco. Foi uma coisa natural e espontânea, mas mereceu a atenção dos meus colegas. Depois disso, fiz um blogue muito amador, mas as pessoas começaram a comprar”, refere.

A inspiração vem de locais com grande densidade e zonas industriais. “O Porto acaba por ser a matéria-prima mais frequente, porque a minha vida é muito feita a pé, a calcorrear as ruas portuenses”, remata.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº276, junho de 2023.

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