Saber Viver é… Conquistar direitos para as mulheres
Já muito descobrimos, errámos, aprendemos, desaprendemos. Os clichés são verdade; a grande jornada da vida escreve-se certa por linhas tortas e, nestes 20 anos de existência, muito temos discorrido no papel (e online) sobre a forma como escolhemos viver a vida.
Não é por acaso que a entrada da história das mulheres e do género na historiografia é considerada uma das mutações mais profundas da historiografia ocidental desde os anos 50, como nos diz o estudo Género na Arte, trazido em 2019 pelo Faces de Eva (grupo de investigação criado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa).
Afinal, para que serve a História? O historiador Patrick Boucheron responde: “a História nem sequer merece uma hora da nossa atenção se esta não tem como objetivo emancipar a Humanidade” e é assim que escolhemos olhar para datas como 1974, quando, em teoria, os cidadãos passaram a ser iguais perante a lei portuguesa, ou 2007, ano em que a interrupção voluntária da gravidez (IVG) até às dez semanas foi legalizada em Portugal.
“Se nos reportarmos aos últimos 20, há alterações que até foram alavancadas pela alteração da legislação que se traduziram em melhorias avassaladoras para as mulheres e direitos das mulheres. Começando pelo acesso ao IVG, um avanço gigante no nosso poder sobre o nosso próprio corpo e sexualidade”, afirma Paula Cosme Pinto.
Para a comunicadora e autora das crónicas A Vida de Saltos Altos, no Expresso, as mudanças das duas décadas passadas encavalitam-se umas nas outras, num efeito dominó que não consegue desassociar um avanço do outro.
“É uma bola de neve, meninas sem educação têm oportunidades reduzidas no futuro e, com dependência económica, estão expostas a uma data de perigos, não sendo pessoas com poder de decisão sobre as suas vidas. Só o facto de o acesso igualitário à educação ser um dos grandes objetivos da agenda global denota a sua importância.”
Se olharmos para trás, veremos então mais mulheres com poder económico, o que traz acesso – ainda que a custo – a lugares de liderança e participação no poder político.
“Se pensarmos há 20 anos e o que é agora a representatividade feminina nos ministérios, parlamento, etc., e essa representatividade tem um impacto direto na vida das mulheres do nosso País. Ter mulheres a ajudar a construir as decisões que fazem o País andar obviamente que faz com que tenham mais em conta as preocupações e necessidades das mulheres que foram suprimidas durante séculos”, reflete Paula, que denota este poder estendido até outras áreas, como os dos estereótipos de beleza e o à-vontade com o corpo.
Perspetivando sobre o futuro e o que nos faz ainda arregaçar as mangas, a violência contra as mulheres continua a ser um dos maiores desafios, embora alguns passos tenham sido dados para quebrar silêncios históricos (o movimento #MeToo, que atingiu escalas mundiais é um bom exemplo).
“Muitos avanços têm sido feitos, mas acho que ainda estamos muito presas a toda esta herança histórica, social, económica, e religiosa, entre outras, que temos no nosso ADN. Presas a estereótipos que nos constituíram enquanto pessoas. Podemos ser tudo na teoria; na prática, ainda não somos. Gostava que daqui a 20 anos saber viver significasse espaço para sermos livres no que é a nossa verdade.”
Mariana Vieira da Silva, socióloga e ministra de Estado e da Presidência, referiu este ano que, segundo o Índice da Igualdade de Género promovido pela Comissão Europeia, Portugal está a progredir mais rapidamente do que a média da União, sendo o país que registou maior progresso desde 2010.
“As políticas públicas adotadas nos últimos anos foram decisivas para esta evolução. Essa evolução não acontece, como durante muito tempo julgámos, pelo passar do tempo”, acrescentou em discussão pública.
Estudos como As mulheres em Portugal Hoje, publicado em 2019 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, são também determinantes, revelando que fatores como a idade e o nível de escolaridade são decisivos na vida das mulheres e precisam de um olhar atento dos poderes públicos.
Mas também nos revela o que sentimos na pele: uma das conclusões da investigação foi a de que “a maioria das mulheres sente-se sempre ou quase sempre demasiado cansada” devido a um desequilíbrio permanente entre as horas de trabalho e familiares e as horas para si.
Esperamos que daqui a 20 anos tenhamos conquistado também o tempo necessário para saber viver connosco próprias.