Sociedade

Sara Matos: "Dá-nos um propósito de vida muito importante sermos mães"

Entre personagens e metamorfoses, Sara Matos é uma atriz – e mulher – que abraça cada desafio e faceta da sua vida. Aos 35 anos, Sara tem a sua estreia internacional com a série Ponto Nemo. Numa conversa íntima, partilha connosco a sua carreira, as mulheres que a inspiram e como a maternidade a mudou, numa reflexão profunda sobre a importância de seguirmos o nosso próprio caminho sempre atentas ao que estamos a viver, o presente.

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Sara Matos: Sara Matos:
© Frederico Martins
Escrito por
Abr. 22, 2025

Neste editorial especial, dedicado à Mulher, Sara Matos veste diferentes papéis e prova, mais uma vez, que não tem medo de se reinventar. Num momento alto da sua carreira – a atriz destaca-se com a estreia internacional da série Ponto Nemo, na Prime Video – promete um 2025 repleto de novos projetos – da ficção científica às séries de época, poderemos vê-la no pequeno ecrã e nos palcos do teatro. Sara Matos encontra na formação o seu grande alicerce, estudando bastante e adaptando-se fisicamente (sem reservas) a cada personagem.

Numa conversa exclusiva, revela como o presente se tornou a sua maior fonte de energia e inspiração, uma forma de estar. Procura sobretudo, manter-se fiel a si mesma enquanto evolui em cada nova fase da sua vida

Entrevista a Sara Matos

Já estreou a “sua” primeira série internacional, onde podemos vê-la em grande destaque. Como surgiu esta oportunidade? O que a atraiu neste projeto?

Na verdade, foi uma grande aventura. É o meu primeiro projeto internacional e surgiu de uma forma muito inesperada, como já aconteceu a outras tantas pessoas e a mim lá mais para trás também, a nível nacional. Realmente, surgiu numa altura em que eu estava disponível e disse logo que sim. Já queria muito ter esta experiência de trabalhar fora do meu país, com outro idioma, e embora o convite tenha surgido como uma personagem portuguesa que também fala espanhol na série, eu falo português precisamente para cruzar as duas línguas. Era exatamente isso que procuravam. Mas claro que estando três meses fora, a dinâmica de estar e de representar muda… também consoante os atores e por ser noutra língua, portanto foi uma experiência nova em muitos sentidos.

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Como foi preparar-se para este papel? Na sua personagem, vê algum reflexo de outras mulheres que já tenha interpretado ou foi algo que criou de raiz?

Nunca fiz nada parecido, porque é uma série de ficção científica. É uma série que não aprofunda muito a parte humana das personagens, digamos assim. Ou seja, o foco está na ficção científica, na aventura, na história, no mistério. Não se trata de um trabalho como às vezes temos, mais profundo, mais humanizado, realizado. Foi realmente uma experiência nova também por isso mesmo. De repente, fazer um trabalho com efeitos especiais e tudo o mais foi uma grande novidade.

É reconhecida no seu trabalho por uma capacidade camaleónica de dar vida a personagens muito distintas, por vezes até em simultâneo num mesmo projeto. Considera que é a sua grande força?

Em relação à mudança do visual? Sim, acho que me ajuda o facto de realmente não me levar muito a sério na questão visual. Eu estou 100% disponível para mudar sempre que a personagem me exigir. Não tenho qualquer problema, qualquer pudor. Nunca acho ridículo transformarmo-nos visualmente para estarmos mais próximos das personagens. Em relação à questão, de facto, de ser camaleónica nos diversos trabalhos que já apresentei, acredito que sou eu e tenho a impressão de que muitos atores e atrizes também fazem o mesmo; faz parte do nosso trabalho.

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Como é que ser atriz influenciou a forma como vê a beleza, as pressões da idade, a relação com a imagem, com o corpo?

Tenho uma relação muito saudável com o meu corpo, aliás sempre tive. E também não sinto o meu corpo a envelhecer. Comecei a representar aos 19 anos, hoje tenho 35 anos e sinto-me mais saudável do que nunca. E isso é o mais importante. Sinto que tenho uma mente muito sã e que abraço o todo muito bem. Preocupo-me em cuidar do meu corpo e da minha saúde mental, tenho um compromisso comigo mesma: treino, leio bons livros, presto atenção a coisas que são simples, vivo o presente, sinto-me grata por tudo o que tenho experienciado. Tudo isto ajuda nesse equilíbrio de corpo saudável e mente sã.

Como atriz, é muito interessante conseguir aproveitar esta minha faceta – a de gostar de treinar. Vou começar a gravar uma série de época e assim que passei nos castings, eu e o meu PT – o Pedro Medeiros – começámos de imediato a adaptar o meu treino. As personagens de época não são atléticas e eu tenho um corpo atlético, devido a anos de prática de exercício. Trabalhar a parte física na construção de uma personagem também é algo muito interessante e desafiante.

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O treino é, portanto, algo de que não abdica diariamente?

Dou muita importância ao exercício físico. Treino diariamente e vou alternando entre ioga, treinos de força, corrida na Natureza. E sinto que é algo que me prepara para qualquer projeto que possa surgir. A minha última descoberta foi a musculação e percebi quão importante era hormonalmente e que tinha impacto muito positivo ao nível mental. Essa descoberta devo-a ao meu PT, que me acompanha há já três anos.

Nas fotos deste editorial dedicado à Liberdade, à Mulher, também assumiu várias facetas… ora mais romântica e delicada, ora mais irreverente, empoderada, ousada… Na sua vida, como é que estas facetas/formas de estar todas se conjugam?

É um crescimento que vou fazendo de mãos dadas comigo mesma e, naturalmente, de uma forma equilibrada. Depois, tendo bons hábitos, como eu sei que tenho. Há espaço para ser tudo isto e para assumir os diferentes papéis: mãe, filha, irmã, atriz, atleta, amiga… Obviamente, consoante o tempo e as fases da vida. Às vezes distancio-me mais de uma faceta do que outra, aproximo-me mais ali e acolá, e assim vou aprendendo…

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Vê a maternidade como uma forma de empoderamento, algo que a fortaleceu?

Sim, sem dúvida. Para já, tem sido uma enorme aprendizagem, é das maiores aprendizagens que uma mulher pode ter. E o facto de nascerem tantas emoções diferentes… O medo já existia, a frustração já existia, a felicidade, só que aqui – com o ser mãe – tudo se potencializa, digamos assim, porque há outro ser que depende de nós e hoje em dia já não me questiono só enquanto mulher, questiono-me enquanto mãe, enquanto filha que fui, e esse processo é muito interessante e é um crescimento diário.

Portanto, empoderou-me muito porque trouxe-me muitos mais medos, muitos mais receios. Tornou-me uma pessoa muito mais corajosa ao mesmo tempo, e acho que é isso que as pessoas às vezes têm de valorizar: a coragem também vem com o medo. Estão sempre ligados um ao outro e é fazer um balanço diário disso. Por isso, dá-nos aqui um propósito. Dá-nos um propósito de vida muito importante sermos mães.

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Como mãe de um menino, de um rapaz, que aprendizagens e valores acredita serem mais importantes de lhe transmitir?

Sinto que tenho de ser com o meu filho a pessoa que eu já quero ser comigo mesma, ou seja, não há uma pressão maior. Obviamente, sabemos que estamos a ser olhados pelo ser humano que estamos a criar, mas o nosso maior compromisso é connosco próprios. Por isso, o meu primeiro trabalho é comigo mesma, é estar ligada, mente, corpo, alma, energia e sentir que todos os dias quero ser uma pessoa que está o mais conectada possível a si mesma e aos outros, ser atenta, ser uma pessoa dedicada, sensível.

Acho que ao ter este maior compromisso comigo, vou ser sempre um exemplo para o meu filho. Quer fosse menino ou menina. E isso é o mais importante. É estarmos ligados connosco próprios, estarmos ligados ao mundo. Trabalharmos essencialmente a empatia para com o outro. E eu acredito que este é o maior valor, dos maiores valores que eu posso passar ao meu filho.

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Quem são as mulheres que a inspiram? Como é que moldaram a sua visão sobre a vida e o empoderamento feminino?

Tantas mulheres… As minhas maiores referências eram os livros que lia, mas, sem dúvida, gosto ainda mais destas mulheres que ainda hoje se estão a construir, que vejo errarem diariamente, mas a olhar para os seus próprios erros e a crescer com eles. E, neste caso, tenho duas pessoas sempre muito próximas de mim – a minha mãe e a minha melhor amiga – que são pessoas que se abrem, que ficam vulneráveis comigo e que vejo crescerem comigo. E isso, para mim, é a minha maior referência. Quando vejo um ser humano a querer mudar, a querer crescer, a olhar para trás, a fazer as pazes com o passado e a querer olhar para o futuro.

Começou a trabalhar muito cedo, e já se tornou um rosto nacional, com uma carreira consolidada. Que conselho daria a jovens mulheres que desejem entrar no universo da representação agora?

Falando por experiência própria, acho que o melhor é começarmos por ter formação. Foi o que eu fiz, desde muito cedo, e isso obviamente deu-me ferramentas e bases para construir as diferentes personagens que abracei até hoje.

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Atualmente, fala-se da escolha de alguns atores em função do número de seguidores nas redes sociais. Sente que isto acontece?

Eu já trabalhei em projetos televisivos com personagens relevantes, em que fui protagonista… Quando comecei a trabalhar, ainda não tinha Instagram. Portanto, por experiência própria, e acho que e é nisso que tento focar-me… o mais importante é focar-me no trabalho e continuar sempre a querer aprender mais. Sempre. Ainda hoje, antes de começar esta série de época, estou a fazer uma peça de teatro ao mesmo tempo. E vou fazer personagens biográficas, que requerem muito trabalho, pesquisa, muito estudo, muito aprofundamento. E é nisso que eu me foco. Não fico focada no que é que poderia ser ou não…

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Mas como é que se posiciona em relação às redes sociais? Vê-as como um palco para dar voz a temas importantes ou procura afastar-se?

Na verdade, tem sido uma metamorfose. Acho que já estive muito mais próxima do que estou hoje em dia, mas não tem nada a ver com uma rejeição. Pelo contrário, tem só que ver com uma autoconsciência e com um caminho que estou agora a adotar, que passa muito por usar as redes sociais para mostrar às pessoas que me seguem o que é que eu estou a fazer agora, e agradeço imenso.

Acho que é muito importante ter noção de que foi o público que também me valorizou e quis olhar para mim e é graças a ele que eu estou no lugar que ocupo, neste momento, de reconhecimento. Mas é como tudo na vida, as coisas vão-se alterando, vão-se modificando e a verdade é que, hoje, as redes sociais ocupam um espaço profissional. E eu tenho muita vontade de partilhar com as pessoas aquilo que vou fazer.

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Como descreveria esta fase da sua vida?

Acho que, uma vez mais, me sinto uma sortuda, porque estou a fazer personagens muito diferentes umas das outras – vêm aí três grandes estreias como protagonista e são três estreias de que estou muito orgulhosa de fazer parte. A nível pessoal, vou mantendo sempre o meu caminho, procuro estar serena, tranquila, ligada aos meus, ligada ao mundo, ao que se passa na sociedade, mantendo sempre uma postura o mais empática possível, o mais grata. E é assim que me vejo a estar futuramente, sempre.

Gosto muito de ver o que é que a vida me aguarda. Gosto muito de não pensar no futuro e, ao mesmo tempo, sou muito focada. E gosto desta contradição que tenho. Eu sou muito focada, muito trabalhadora, mas ao mesmo tempo não sou ambiciosa ao ponto de “ainda quero conquistar isto”. Não. Eu só quero ter a certeza de que faço o meu melhor trabalho com aquilo que me aparecer.

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Como é que a sua visão sobre a vida e a carreira mudaram ao longo dos anos?

Vamos obviamente mudando, modificando-nos, crescendo, vamos percebendo melhor que áreas é que agora/neste momento queremos explorar. Ao mesmo tempo, sinto que não rejeito nada do que fiz até agora, mantenho-me muito grata. A verdade é que a minha relação com o meu trabalho sempre foi, digamos, saudável. Penso que, ao mesmo tempo, não passei limites, portanto não há pazes para serem feitas. E acho que não me agarro muito ao futuro, como nunca me agarrei a nada que eu quisesse mesmo conquistar.

As coisas foram acontecendo… Ou seja, eu não sou aquela pessoa que faz aquela introspeção no final do ano. Porquê? Porque vou fazendo diariamente. Vou abraçando as coisas que me vão aparecendo e faço-o de uma forma tranquila. Abraçamos o que temos.

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Saber viver é…

É saber estar… Estarmos connosco próprios, sabermos abraçar o bom e o mau relativamente a tudo na vida e eu diria que é agradecer e empatizarmos com o outro.

Créditos
Entrevista: Redação
Fotografia: Frederico Martins, assistido por Pedro Sá e Bernardo Guedes
Styling: Sérgio Onze
Maquilhagem: Tom Perdigão
Cabelos: Cláudio Pacheco, assistido por Eric Patrício

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº298, abril de 2025.

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