Muitas das criações mais relevantes e belas do mundo foram concebidas longe dos holofotes por espíritos quietos e introvertidos. Einstein, Newton, Chopin, Proust ou, mais recentemente, Steven Spielberg, Woody Allen, J.K. Rowling ou Meryl Streep são exemplos de sucesso com personalidades discretas, mas é inegável que a sociedade atual valoriza muito mais os extrovertidos.
Seja poderoso! Seja audacioso! Comece a sua empresa aos 19! Twitte os seus pensamentos para o mundo! As personalidades introvertidas não são apenas abalroadas com estas ideias, são estigmatizadas, defende a escritora e conferencista norte-americana Susan Cain.
A autora do best-seller Silêncio – O Poder dos Introvertidos num Mundo Que Não Para de Falar (Temas e Debates) lembra que precisamos urgentemente de redescobrir as virtudes dos temperamentos mais calmos sob pena de discriminarmos quase metade da população.
Alguns estudos estimam que os introvertidos correspondem a 30% a 50% das pessoas do mundo, o que talvez explique por que razão o livro de Susan Cain esteve sete anos na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times.
A realidade é que os introvertidos passam facilmente por menos competentes e têm vergonha de serem como são, apesar de muitas vezes virem deles as melhores ideias, afirma a conferencista que, entretanto, publicou também Poder Silencioso – As Capacidades Secretas dos Introvertidos, publicado pela mesma editora do anterior.
O introvertido não é antissocial, mas a forma de obter energia não passa pelo convívio
Formas de obter energia
Para piorar as coisas, os introvertidos são muitas vezes confundidos com os tímidos. “A introversão é um traço de personalidade, uma predisposição inata que se manifesta pela preferência por atividades que se pode fazer sozinho e um comportamento mais reservado. O introvertido não é uma pessoa antissocial, mas a forma de obter energia não passa pelo convívio. Por natureza, sente-se mais vivo e capaz em ambientes mais calmos. O convívio não lhe causa medo, não fica ansioso, mas sim cansado”, esclarece o psicólogo Fernando Magalhães.
Pelo contrário, “a timidez é um sintoma de insegurança, ligado à autoestima, em que ocorre um sentimento de vergonha ou ansiedade diante da experiência social por medo de parecer ridículo ou ser rejeitado. Um tímido tem necessidade de se expressar e integrar socialmente e sofre por não conseguir fazê-lo; um introvertido não sente essa necessidade, pois tende naturalmente a dar mais atenção ao interior e não procura muitas interações sociais nem está preocupado com o seu desempenho social”, explica o psicólogo.
A timidez patológica deve motivar a procura de ajuda psicológica, algo de que, à partida, um introvertido não necessitará, a não ser que também sofra de timidez, o que pode acontecer se for criticado e pressionado para ser diferente, a ponto de criar ansiedade social, lembra Susan Cain.
Sair da zona de conforto
Se é verdade que todos beneficiamos em desenvolver competências sociais, aceitar a personalidade que temos é essencial para manter a sanidade mental, realça a escritora.
“Não é uma coisa má se vamos a uma reunião e, mesmo sentindo-nos desconfortáveis, nos obrigarmos a falar. Todos temos de sair da nossa zona de conforto algumas vezes, mas não é saudável fazê-lo todo o tempo ou a maioria do tempo”, disse numa entrevista à Forbes.
A boa notícia é que os traços de personalidade que causam mais dificuldade aos introvertidos podem ser transformados. “É possível treinar alguns comportamentos e desenvolver mais interações sociais, o que pode beneficiar a vida social e profissional dos introvertidos”, garante Fernando Magalhães.
Se é o seu caso, acolha o seu lado bicho do mato e adote alguns truques que lhe vão facilitar a vida.
Transformações positivas
Nas relações
Os introvertidos podem ter mais dificuldades em promover relacionamentos e amizades por não serem tão ativos socialmente. A chave?
- Compreender as suas necessidades psicológicas para evitar sentir-se só, socializando quando quiser, mas sem se forçar a expor-se demasiado em situações que não lhe trazem prazer.
- Também poderá experimentar ser mais extrovertido de vez quando, já que contar uma história ou uma piada pode proporcionar emoções positivas e agradáveis.
- Nas relações íntimas, explicar de antemão as suas características para que o seu parceiro não interprete de forma negativa o facto de por vezes preferir estar só.
Os introvertidos podem ter mais dificuldades em promover relacionamentos e amizades por não serem tão ativos socialmente
No trabalho
A tendência para não se afirmarem ou exporem tanto pode comprometer o sucesso profissional. O antídoto?
- Compreender que o cansaço que sente em algumas situações sociais, como reuniões de trabalho, é motivado pela introversão.
- Organizar-se para que possa tirar proveito das suas características, como escrever um relatório digital, em vez de o expor numa reunião presencial.
- Comunicar de forma eficaz, por exemplo, expondo todos os pontos necessários de um problema num e-mail, para evitar reuniões desgastantes.
- Conversar com o seu chefe sobre as suas preferências, como desejar mais teletrabalho, reuniões virtuais em vez de presenciais, que sente como menos produtivas.
Fonte: Fernando Magalhães, psicólogo.
O lado bom dos introvertidos
Os extrovertidos podem ser mais populares, mas há algumas vantagens em fazer parte da equipa dos calados. O psicólogo Fernando Magalhães destaca as principais:
- São pessoas mais independentes e respeitadoras do espaço dos outros. É difícil que alguém se queixe de um introvertido por ser perturbador;
- Podem ser mais criativos e originais, porque não estão tão ligados às normas do grupo ou às crenças sociais da moda;
- Podem dedicar mais tempo e energia à família e isto ajuda à coesão familiar, desenvolvendo relações familiares mais profundas e com maior significado;
- No círculo de amigos, fazem bons relacionamentos, visto que se dedicam mais a uma relação próxima e são bons ouvintes;
- No trabalho, têm boa capacidade analítica, isto porque ficam mais tempo a ponderar e a analisar situações e pessoas.