Sociedade

Slut-shaming: como a sociedade continua a sexualizar as mulheres (e a culpá-las)

Quando o preconceito aponta o dedo às mulheres, sexualizando o seu comportamento, desde a forma de vestir às poses em fotografias, sem esquecer o facto de beberem álcool. Sim, isto ainda é tema de conversa nos dias de hoje.

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Slut-shaming: como a sociedade continua a sexualizar as mulheres (e a culpá-las) Slut-shaming: como a sociedade continua a sexualizar as mulheres (e a culpá-las)
© Pexels
Rita Caetano
Escrito por
Mai. 09, 2022

Em fevereiro de 2019, um militar da GNR de Celorico da Beira violou uma detida, mas os juízes do Tribunal da Guarda, primeiro, e o Tribunal da Relação de Coimbra, depois, absolveram o réu. Porquê? Porque a queixosa vestia um vestido curto, colado ao corpo, que dava nas vistas e era folclórico, calçava umas botas altas e tinha sido ela a espoletar tais comportamentos por parte do arguido.

No entanto, a Inspeção-Geral da Administração Interna propôs a expulsão do militar, como foi divulgado recentemente, mas o guarda interpôs uma providência cautelar e, apesar de não estar em função, ainda não há decisão ­final.

A modelo Emily Ratajkowski, em 2020, escreveu um texto para o site The Cut, da New York Magazine, no qual afirmava ter sido agredida sexualmente pelo fotógrafo Jonathan Leder durante uma sessão fotográfica e que ele tinha publicado imagens dela nua sem consentimento.

No final do ano passado, o fotógrafo defendeu-se com a seguinte frase: “Esta é a rapariga que pousou nua para a revista Treats e aparece nua num vídeo de Robin Thicke. Quem é que realmente acredita que é uma vítima?”.

Em fevereiro último, em Roma, uma professora perguntou a uma aluna de 16 anos, que estava no exterior do liceu e tinha a barriga à mostra, se estava em Salaria, uma estrada que na capital italiana é conhecida pela prostituição.

Estes são apenas três exemplos que con­firmam que o slut-shaming, que pode ser de­finido como julgar uma mulher pela sua aparência e comportamentos ligados à sexualidade, é uma prática comum.

São muitos os casos que acabam por se tornar públicos na imprensa, mas serão muitos mais aqueles que não chegam ao nosso conhecimento.

O slut-shaming é um termo sexista, porque visa apenas as mulheres e não o sexo masculino

Puro sexismo

Leora Tanenbaum, autora do livro I Am Not a Slut: Slut-Shaming in the Age of the Internet (Harper Perennial), tem-se dedicado a estudar esta matéria desde os anos 90 e ela própria foi apontada como uma vadia (slut) na escola.

Define slut-shaming como “a experiência de ser rotulada como uma rapariga ou mulher sexualmente descontrolada (uma vadia) e depois ser punida socialmente por ter essa identidade”.

O slut-shaming é um termo sexista, porque, como explica a especialista, apenas o sexo feminino é responsabilizado pela sua sexualidade, seja ela real ou imaginária; já os rapazes e homens são sempre aplaudidos quando falam da sua sexualidade ou a mostram.

“Há aqui um padrão sexual: os rapazes serão rapazes, enquanto as raparigas serão vadias”, frisa. Este até pode ser um termo relativamente recente, contudo, “é o mais puro sexismo e bem antiquado”, assegura Lera Tanenbaum.

A forma de vestir, a maneira de dançar, beber álcool, tomar a pílula, poses em fotografias, mudar de namorado com frequência, sair sozinha, tudo conta quando a intenção é fazer slut-shaming.

E não se pense que os impropérios saem apenas da boca ou do teclado de homens, bem pelo contrário, as mulheres também não se coíbem de apontar o dedo às suas pares.

Se (as raparigas e mulheres) forem alvo de uma agressão sexual de qualquer tipo, nunca será culpa delas, apesar de a sociedade ousar dizê-lo na maior parte dos casos

Dá que pensar…

São muitos os casos de agressão sexual que são desvalorizados porque a vítima estava alcoolizada, ou seja, põe-se o ónus na mulher, porque não deveria ter bebido, em vez de no homem que abusou de alguém, que não estava em condições de se defender.

Abigail Riemer, psicóloga social e professora da Universidade Carrol, nos Estados Unidos da América, verificou nos seus estudos que as mulheres embriagadas são desumanizadas, objetificadas e consideradas ‘vadias’.

Uma investigação publicada na revista científica Sex Roles confirma-o: “Tanto mulheres como homens acreditam que uma mulher que bebe álcool num ambiente social é mais sexualmente disponível do que um homem na mesma situação”.

Leora Tanenbaum, especialista em slut-shaming, recorda que “metade dos casos de agressão sexual levados à justiça em Manhattan em 2019 não foram considerados credíveis porque as mulheres tinham bebido álcool”.

A rapidez da Internet

Na era das redes sociais em que vivemos, esses insultos tornaram-se muito mais comuns, alerta a especialista. “As mulheres sempre foram julgadas pela aparência, mas agora há uma vigilância implacável e omnipresente que acelera tudo. No entanto, em última análise, o resultado é o mesmo: o policiamento sexual das mulheres”, refere.

Leora Tanenbaum assegura que ainda está para conhecer uma mulher americana, com menos de 25 anos, que não tenha sido chamada ‘vagabunda’ ou ‘vadia’ em algum momento da sua vida. E uma vez rotulada, a especialista não tem dúvidas de que se torna um alvo fácil de agressão sexual e, pelo rótulo que lhe foi atribuído, o agressor será sempre desculpado.

Mas este não é o único círculo vicioso na história. Ora, vejamos: “Hoje em dia, a nossa sociedade exige que a mulher seja sexy e até a incentiva a sê-lo, mas, quando o é, pune-a. As raparigas e mulheres jovens devem sentir orgulho nos seus corpos e devem sentir-se bem com sua sexualidade, mesmo que ainda não estejam prontas para serem sexualmente ativas, mas devem estar conscientes de que isso se pode voltar contra elas”, realça Leora Tanenbaum.

Outro aspeto que a especialista em slut-shaming sublinha é que, se forem alvo de uma agressão sexual de qualquer tipo, nunca será culpa delas, apesar de a sociedade ousar dizê-lo na maior parte dos casos. “É muito importante que tenham essa consciência”, continua, lembrando que muitas mulheres que passaram por isso acabam por entrar em depressão, sofrer de ansiedade, sendo muitos os casos de suicídio.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 262, abril de 2022.

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