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4 testemunhos de mulheres que não se querem definir apenas como “mães”

4 testemunhos de mulheres que não se querem definir apenas como “mães”

Maria João, Isabel, Marta e Inês são mães, mas recusam-se a ser apenas isso. São profissionais, amigas, companheiras e mulheres cujos projetos e sonhos não se resumem aos filhos.

Por Mai. 4. 2023

No passado mês de novembro, Maria João Madeira, personal trainer e sócia-gerente de um ginásio, andava numa azáfama que a obrigava a multiplicar-se entre as aulas, a mudança do ginásio para novas instalações, o filho de 5 anos e um estado avançado da gravidez.

“O que vale é que amigos e família, toda a gente ajudou”, recorda. Bruna nasceu no início de dezembro e, passados dois meses, Maria João Madeira estava de volta, num ritmo mais suave.

A acompanhá-la, no ovo, num colchão ou ao colo de um dos membros do staff, estava Bruna.

“Ela anda comigo para todo o lado. No fundo, só tenho de me adaptar: se quero sair às 14h, preparo tudo como se fosse para sair às 13h. Há que manter alguma descontração. E acho que eles também sentem isso”, garante.

Parar nunca esteve nos planos da atleta que se assume, além de mãe, como mulher, PT e gestora do seu negócio.

“Adoro ser mãe, mas não concebia que a minha vida fosse só isso”, afirma, taxativa. Mas defende que é importante ter tempo para as crianças e lamenta que a sociedade não esteja organizada para que os pais consigam ter tempo de qualidade com os filhos.

Voltar à competição

Maria João Madeira tem consciência de que, além de uma vontade férrea, há outras circunstâncias que contribuem para que consiga continuar a fazer tudo.

“Sou freelancer e patroa de mim mesma, posso gerir melhor o meu tempo”, explica.

A isto soma-se ainda a colaboração do marido, Tiago. Foi também por isso que, quando Miguel, o filho mais velho, tinha quatro meses, iniciou uma formação em pilates clínico, que lhe ocupou todos os fins de semana nos meses seguintes. Seguiu-se o curso de osteopatia e a formação em pilates com aparelhos.

O facto de apostar em mim não me torna pior mãe. Pelo contrário, dá-me maior disponibilidade para estar em pleno com o meu filho depois – Susana Jones, psicóloga clínica e terapeuta de casal 

Pelo meio, ainda conseguiu voltar à competição como atleta de triatlo. Numa das provas, o marido passou-lhe o filho para o colo: “Passar a meta com o Miguel foi dos momentos mais felizes da minha vida! Foi bom estar de volta à competição e poder compartilhar o momento com ele”, recorda.

“Estou resolvida como mulher e isso é importante para dar o melhor de mim para eles e também para dar o exemplo”, garante a PT, de 43 anos, que acredita que o facto de ter sido mãe mais tarde influenciou o modo como aceitou as mudanças.

“Tive tempo para fazer tudo o que queria e agora posso dar um pouco mais de mim aos outros sem que isso me crie problemas”, diz.

Ainda assim, não abdicou de paixões de sempre, como as viagens, que passaram a incluir pacotes de ‘tudo incluído’ ou cruzeiros. Outro aspeto fundamental foi a recuperação física.

“Foi algo que fiz desde o ‘dia zero’, ainda na maternidade, com exercícios de respiração e alongamentos”, recorda.

Atualmente faz fisioterapia pélvica, pilates e alguns exercícios de força. Entretanto, valoriza todos os minutos dos momentos de descontração pura e dura.

Como a recente ida ao spa: “Sabia que tinha um intervalo de pouco mais de duas horas, por isso, dei de mamar à Bruna, fui e fiz uma massagem e ainda banho turco. Há muito tempo que não tinha um momento assim, sozinha, e soube pela vida!”.

Fazer as pazes

Maria João Madeira é um bom exemplo de uma mulher que não se anulou depois de ser mãe. No entanto, como lembra a psicóloga clínica e terapeuta de casal Susana Jones, esta é apenas uma das muitas maneiras de viver a maternidade.

“Hoje, a mulher sofre a pressão para chegar a tudo: quer ser boa mãe, quer ser boa profissional, boa companheira, continuar a sair, a ter alguma juventude e cuidar de si. Mas não conseguimos chegar a tudo da mesma forma e precisamos de fazer as pazes com o facto de não conseguirmos fazer tudo a 100%”, alerta.

Num primeiro momento, a maternidade pode ser desorganizadora. “Isso pode mexer muito na identidade da mulher que, por vezes, se sente perdida”, refere a especialista que lembra que só a privação de sono pode ser “altamente desorganizadora”.

Perante isto, aconselha: “Há que respirar fundo e usufruir do facto de haver algo muito único nisso”. Com o devido equilíbrio, a mulher consegue aos poucos ‘voltar a si’ e lidar com as mudanças que estão a acontecer na sua vida. E é aqui que é importante uma rede de apoio.

“As pessoas à volta podem ajudar a dar espaço àquela mulher para poder passar um bocadinho sem estar só preocupada com a mama, com a fralda, etc.”, aconselha Susana Jones.

Saídas com amigas, uma ida ao ginásio ou um passeio a pé podem fazer diferença e não devem gerar culpa. “O facto de apostar em mim não me torna pior mãe. Pelo contrário, dá-me maior disponibilidade para estar em pleno com o meu filho depois”, defende.

Maria João Madeira

A importância de uma “aldeia”

A humorista Marta Bateira, mais conhecida pela personagem Beatriz Gosta, não hesitou em convocar a rede de apoio quando Luísa nasceu.

Separada do pai da bebé ainda durante a gravidez e órfã de mãe desde a infância, socorreu-se dos amigos e restante família.

Toda a gente sabe que para educar uma criança é preciso uma aldeia. Quando a Luísa nasceu eu tive de criar um grupo de Whatsapp com todas as amigas da minha infância”, recorda. Pela primeira vez na vida, a independente Marta teve de reconhecer que não dava conta de tudo.

“Apesar de descabelada e exaurida, optei por não abdicar dos sonhos e do que gosto de fazer”, afirma a humorista, que não quer que a filha pense que por causa dela a mãe deixou de estudar ou de se aventurar em novos projetos. “Quero que ela me veja feliz e, por esse exemplo, lute por ela e encontre o seu caminho e a sua felicidade”, afirma.

Nem sempre é fácil, assume. Por norma, diz, as mães têm tendência a fechar-se e a esquecerem-se de si mesmas. É preciso combater o cansaço e a culpa.

“Quando és mãe, automaticamente ‘baixa-te’ uma culpa que não sei de onde vem. E, se não trabalhares isso de raiz – a culpa ‘bate’, mas eu vou forçar-me a ir sair, trabalhar, viajar –, acabas por te anular”, defende Marta Bateira, para quem é claro que, se a mulher está sobrecarregada, é porque alguém (os homens e a própria sociedade) não está a fazer o seu trabalho.

Ciente disso, no esforço para convocar a ‘aldeia’ que a ajuda a criar Luísa, recorreu à lei para que o pai tivesse mais participação na vida dela e não hesitou em recorrer a uma tia que se reformou nessa altura, e que fica com a criança quando a humorista tem espetáculos.

“Tens de baixar a cabeça e pedir. Pagar a uma babysitter para poder ir ver um espetáculo. No fim de semana do pai, ir jantar com os amigos, dançar ou ver Netflix”, diz.

Deves ouvir a tua verdade e não forçar. Mas pensa em ti, não te anules, porque a tua filha vai sentir-se inspirada a olhar para ti ao ver que tu não te anulaste e vai reproduzir isso – Marta Bateira, humorista

Troca de experiências

Marta aponta ainda o silêncio das outras mães e o mito da maternidade perfeita como aspetos que podem pesar às novas mães. Há que relativizar, defende, e não acreditar em contos de mães perfeitas.

“Há que dizer que os desafios são constantes, mas que o pior vai passar: Essa dureza e o pânico que estás a viver vão passar! Aproveita os momentos, as pequenas coisas, porque são elas – o sorriso, a primeira piada – que vão enriquecer o dia que, de contrário, era uma ‘quarta-feira de tédio”, aconselha, no que é secundada por Susana Jones.

“As conversas com amigas são importantes. Essa troca é importante para a mulher se sentir segura e saber que outras mulheres passaram pelo mesmo”, afirma a psicóloga.

Marta Bateira

Marta Bateira acredita que é necessário respeitar o tempo de cada mulher e as escolhas que faz, e deixa um conselho: “Deves ouvir a tua verdade e não forçar. Mas pensa em ti, não te anules, porque a tua filha vai sentir-se inspirada a olhar para ti ao ver que tu não te anulaste e vai reproduzir isso”, diz.

Uma vida que muda

Inês Fontoura define a maternidade e o facto de ser mãe independente do Luca como “uma história de amor”.

Ainda assim, reconhece que, desde que o filho nasceu – através de reprodução medicamente assistida – em junho de 2019, a vida mudou por completo. “Depois de ser mãe, enquanto mulher, deixei de existir. O que sobra para mim é uma hora e meia ao final do dia”, diz.

Inês Fontoura, relações públicas, acorda às 6h30 e na hora que se segue faz exercício, máquinas de roupa, tudo para que a saída de casa aconteça sem grandes dramas e possa dar atenção ao Luca, quando o acorda às 7h30.

Vai buscá-lo ao fim da tarde e, entre o jantar, o banho e um pouco de brincadeira, o tempo voa até às 21, hora em que o põe na cama. “Geralmente é nessa altura que gosta de me contar o que fez durante o dia e conversar um bocadinho”, explica.

É quando a casa sossega, por volta das 22h30, que tem tempo para ler, para ver séries ou para fazer investigação para os vários projetos pessoais que, com a maternidade, acabaram por ficar ‘na gaveta’ – um site com informação útil para as mulheres que, como ela, optem por ser mães sozinhas, uma aplicação de partilha de roupas, um livro infantil…

Inês Fontoura

Apostar no autocuidado

Ainda assim, há coisas de que Inês Fontoura nunca prescindiu. Uma delas é o autocuidado. Adora o ginásio desde que se conhece e, a juntar ao exercício diário, em casa, vai ao ginásio uma vez por semana, no dia em que a mãe vai buscar o Luca à escola.

“No dia em que eu olhar para o espelho e não gostar do que vejo, não vou ficar bem! E, se não estiver bem comigo, não vou estar bem com ele”, diz Inês Fontoura, que admite que teve dificuldades em aceitar o corpo depois do parto.

Para Susana Jones é fundamental que o autocuidado não deixe de ser uma prioridade e, mais uma vez, sublinha o papel que uma boa rede de apoio pode desempenhar.

“É bom ter alguém que olhe para aquela mãe, para aquela mulher, e lhe diga: ‘fica sossegada, vai tomar um banho, dar um passeio à beira rio, fazer as unhas’. É importante para a mulher, para o bebé, para a relação, que sinta que é importante e tem de continuar a ser cuidada”.

Se fosse hoje, tenho a noção de que teria sido crucificada nas redes sociais. Estava-me nas tintas e, se calhar, hoje afirmaria isso para que outras mulheres não se anulassem, para que não sentissem culpa – Isabel Saldanha, fotógrafa e escritora

De pequenino… se promove a autonomia

Fotógrafa e escritora, Isabel Saldanha é mãe de duas adolescentes: Caetana, de 17 anos, e Camila, de 14.

“A Caetana ainda não atingiu a maioridade, e a Camila está no centro do furacão. Sendo que são duas mulheres, o que torna a adolescência mais agudizada. Mas também mais fantasiosa e mais complexa”, conta.

São as duas muito autónomas e independentes, algo que, reconhece, estimulou desde sempre. “Cultivei a questão da pertinência do discurso, do não falar só por falar, e também o facto de terem interesse por mim não só como mãe, mas como pessoa, fazendo-lhes perceber que a minha felicidade também era importante para a delas”, explica.

Apesar de, em adolescente, não ter maternidade como objetivo, Isabel Saldanha foi mãe relativamente cedo. “Tive de conciliar o meu anseio de juventude com a vocação de mãe. Para mim, era claro que a Isabel não podia sucumbir apenas e exclusivamente ao papel de mãe, sob pena de, na sua jornada de crescimento, nunca se tornar uma mulher”, recorda.

O nascimento e educação das filhas acabou por se transformar numa ‘aventura conjunta’ durante a qual a fotógrafa não prescindiu de viajar, sair, evoluir e, depois de se separar do pai das filhas, voltar a namorar.

“Pode parecer frio, mas eu resisti à transformação da mulher em mãe. Já tinha visto alguns exemplares ao meu lado a desaparecerem, a despersonalizarem-se, a converterem-se exclusivamente em cuidadoras. Eu não só não consegui, como não queria aquilo para mim”, afirma.

Isabel Saldanha

Viajar sem culpa

Recorda que, quando Caetana tinha 6 meses, chegou a ir para a China, deixando-a com o pai.

“Se fosse hoje, tenho a noção de que teria sido crucificada nas redes sociais. Estava-me nas tintas e, se calhar, hoje afirmaria isso para que outras mulheres não se anulassem, para que não sentissem culpa”, diz.

“Há um lado muito maldoso na montra que são as redes sociais”, concorda Susana Jones, que é testemunha da preocupação de algumas mães de crianças pequenas quando têm de, ou querem, viajar sozinhas.

“Se isso for importante para aquela mãe, para aqueles pais, não tem mal nenhum se o bebé for deixado com pessoas significativas ou que já conhece e se não é por muito tempo”, garante.

Por seu turno, a fotógrafa lembra que estar fisicamente presente pode não significar estar ‘por inteiro’ com a criança. “Mas o facto de estar ali ameniza a culpa. Mas a parte da culpa de não estarmos a ser felizes e a executar a nossa ficha da vida, que é um dom, ninguém nos alivia”, alerta.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº275, maio de 2023.
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