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Sofrologia: o novo mindfulness que ajuda a gerir a ansiedade e não só

Sofrologia: o novo mindfulness que ajuda a gerir a ansiedade e não só

Melhora o desempenho e a autoestima, alivia a dor, ajuda a gerir o stresse e a ansiedade, aumenta os níveis de energia, combate a insónia… Estes são alguns dos benefícios da sofrologia, um método que quer equilibrar o corpo e a mente a partir de uma visão positiva do mundo, sem julgamentos nem preconceitos.

Por Jul. 29. 2021

Viver melhor e ser mais feliz! Não estaremos longe da verdade se dissermos que este é um objetivo comum à larga maioria da população mundial e é para isso que a sofrologia, um método de desenvolvimento pessoal e uma filosofia de vida, quer contribuir.

Chamam-lhe o novo mindfulness porque, apesar de ter aparecido dez anos antes daquele, ficou circunscrita a Espanha e aos países europeus francófonos e só agora as atenções se viraram para si.

Certo é que é uma ferramenta para gerir o stresse e a ansiedade, dormir melhor, aumentar a concentração e a autoestima, aliviar a dor e melhorar o desempenho desportivo e profissional.

Prática simples

Se formos à etimologia da palavra sofrologia, de origem grega, vemos que significa o estudo (logos) da consciência (sos) em harmonia (phren), mas, como nos diz Florence Parot, terapeuta de sofrologia e especialista em gestão de stresse, na prática, “é um método de exercícios físicos e mentais muito simples e práticos, que incluem técnicas de respiração, dinâmicas de relaxamento, movimentos, focalização e visualização, e todos juntos de forma estruturada fazem-nos sentir melhor a cada dia que passa”. O propósito é ter uma mente mais clara e alerta e um corpo relaxado para que cada pessoa esteja no seu melhor em qualquer situação.

A boa notícia, realça a também autora do livro Os Segredos da Sofrologia, editado recentemente em Portugal pela Pergaminho, “é que é muito simples de seguir, não necessita de um ambiente específico e pode ser feito com a roupa do dia a dia, tanto que em empresas onde já fiz sessões, é normal haver senhoras de saltos altos a praticá-la sem qualquer problema”.

A sofrologia é uma prima do mindfulness. Enquanto este tem sempre o presente como parâmetro, a sofrologia trabalha o ser humano de forma tridimensional, ou seja, tem em conta o passado, o presente e o futuro – Ana Viegas Cruz, presidente da Associação de Sofrologia Caycediana

Como praticar sofrologia em 5 passos

1. Verificação corporal

Serve para se concentrar no seu corpo da cabeça aos pés. Este primeiro passo é importante porque acalma e dirige o foco para si, aspeto fundamental para o início da prática.

2. A prática

Esta pode ser relaxamento dinâmico (conjunto de movimentos simples e suaves), consciência da respiração (inspira-se pelo nariz e expira-se por este ou pela boca; na sofrologia, o ponto importante é tomar consciência de como está a expirar não necessariamente alterar a forma como o faz) e a visualização (as sugestões são mínimas; cada pessoa imagina o que a faz sentir-se melhor) ou uma combinação dos três.

3. Escutar como se sente

Não tem de se sentir bem ou relaxada, tem apenas de perceber o que sente.

4. Regressar à sala

Isto significa voltar ao nível de consciência habitual lentamente, começando a reparar nos elementos que a rodeiam, a mexer-se delicadamente, espreguiçar-se suavemente para de seguida abrir os olhos.

5. Refletir sobre a experiência

Escrever ou partilhar em voz alta o que sente durante o processo.

FONTE: ADAPTADO DO LIVRO OS SEGREDOS DA SOFROLOGIA, FLORENCE PAROT, PERGAMINHO.

Técnica multiusos

Convém frisar que a sofrologia está longe de ser apenas um método de relaxamento, como muitos pensam. “O relaxamento é só uma pequena parte do que fazemos e quando falamos da sua interação com o desporto isso torna-se visível. Um desportista não pode ir todo relaxado para uma prova, tem é de estar equilibrado, sem stresse e com energia suficiente para ter o melhor desempenho possível”, sublinha a sofróloga francesa. Os usos deste método são muito variados.

“No desporto, é utilizado para estimular a autoconfiança, a motivação, o trabalho de equipa e os níveis de energia; no ensino, para desenvolver a concentração e na preparação de exames; no mundo empresarial, para a gestão de stresse, melhoria do desempenho, controlo das emoções e ajudar no autodesenvolvimento; na arte, é muito usada para incrementar a criatividade e controlar o medo do palco; na medicina, é utilizada como complemento de tratamento da ansiedade, depressão, ataques de pânico, fobias, vícios, insónia, controlo a dor e preparação para o parto”, enumera Florence Parot.

O início

Por falar no seu uso em contexto médico, é importante referir que foi esse o propósito inicial da sofrologia, que, só depois se difundiu para as restantes áreas referidas atrás.

Este método surgiu em Espanha, em 1960, pela mão do neuropsiquiatra e professor Alfonso Caycedo, que queria, como conta Florece Parot no livro já citado, “encontrar uma maneira de curar os clientes deprimidos e traumatizados, restaurando a saúde e a felicidade com o menor uso possível de medicamentos e tratamentos psiquiátricos”, que, na altura, eram pouco humanizados.

Para chegar à sofrologia, o médico colombiano estudou hipnose clínica, fenomologia, técnicas de relaxamento ocidentais, ioga, meditação budista e zen japonesa. Além de Espanha, não demorou muito para que o método ganhasse notoriedade também em França, Suíça e Bélgica.

Com a sofrologia, colocamos o que conhecemos e aquilo em que acreditamos entre parêntesis e começamos a ver tudo com uma certa distância e neutralidade – Ana Viegas Cruz, presidente da Associação de Sofrologia Caycediana

Sofrologia vs. mindfulness

Foi um diagnóstico de burnout, aos 23 anos, que aproximou Florence Parot da sofrologia. “Na altura, o médico que me acompanhava sugeriu que fosse a um sofrólogo. Desconhecia o método, mas estava pronta para tentar qualquer coisa, e as consultas fizeram uma grande diferença. Passei a conseguir lidar com o stresse e a ansiedade e recuperei. O melhor foi sentir que foi uma transformação verdadeira”, revela-nos.

Daí ter-se dedicado a fazer formação na área e, passado alguns anos, trocar a carreira na área da consultoria de estratégia e logística internacional pela sofrologia. Em 2010, já a viver em Inglaterra, fundou a Academia de Sofrologia, a primeira escola no país para a formação de sofrólogos. “Quando fui para o Reino Unido, havia apenas cinco, mas eu gosto de desafios e sentia que era necessário escrever em inglês sobre o tema”.

E chegamos aqui a um ponto fulcral que talvez explique o facto de o mindfulness ser mais conhecido a nível mundial do que a sofrologia. “A raiz é semelhante e ambos são usados para superar estados de ansiedade e de stresse, mas a sofrologia até surgiu primeiro, mas nos dez primeiros anos esteve muito focada na medicina.

Enquanto isso, o mindfulness, que surgiu nos anos 1970, nos Estados Unidos da América, ganhou logo mais expressão, até porque foram feitos estudos maiores e já sabemos que o que não está escrito em inglês parece não existir”, afirma Florence Parot, que nos alerta para o facto de, por exemplo, em França, a sofrologia ser bem mais conhecida do que o mindfulness.

Sem julgamentos

Há diferenças entre a sofrologia e o mindfulness, como nos explica Ana Viegas Cruz, presidente da Associação de Sofrologia Caycediana e responsável pela Escola de Sofrologia Caycediana, em Portugal: “A sofrologia é uma prima do mindfulness. Enquanto este tem sempre o presente como parâmetro, a sofrologia trabalha o ser humano de forma tridimensional, ou seja, tem em conta o passado, o presente e o futuro. Mas há algo mais que os distingue. Temos um trabalho muito profundo na conversão do olhar, que fica muito mais aberto e disponível para ver as coisas de outra forma. Com a sofrologia, colocamos o que conhecemos e aquilo em que acreditamos entre parêntesis e começamos a ver tudo com uma certa distância e neutralidade, o que nos permite procurar não só a nossa essência, mas a de tudo e de todos que estão à nossa volta, que passam a não nos afetar. O impacto real da sofrologia no corpo e no plano neurológico é a base para transformar a forma como olhamos a vida”.

A sofróloga e formadora da Escola de Sofrologia Caycediana Carla Vaqueiro adiciona ainda outro elemento distintivo: “A fenodescrição, ou seja, o facto de as pessoas terem de escrever ou expor oralmente aquilo que vivenciaram no seu corpo durante o processo. Isto obriga-nos a estar lá realmente ou, pelo menos, a ter consciência de que não estamos, o que indica que teremos de repetir”.

Outro aspeto muito importante, salienta Carla Vaqueiro, é que na sofrologia “não há certos nem errados. Há, sim, a consciência do que se passa no momento e isso faz com que as pessoas se conheçam melhor e se sintam mais felizes”.

A sofrologia em Portugal

Em Portugal, os primeiros cursos foram lançados nos anos 80, por Frida Ergas, uma pediatra francesa, que começou por fazer formação dirigida a médicos e a enfermeiros.

Hoje, diz Ana Viegas Cruz, “a Escola de Sofrologia é procurada sobretudo por professores e pessoas ligadas à área da saúde, mas também bailarinos, músicos e arquitetos”. Já as consultas, revela Carla Vaqueiro, “são procuradas por pessoas de todas as idades e pelas mais diversas razões, desde ultrapassar a ansiedade, a depressão e tiques, aliviar a dor, tratar insónias a preparar-se para o parto, mas há também quem queira apenas mudar a atitude com que encara a vida”. Ana Viegas Cruz conta-nos que foram as crises de ansiedade que a levaram até à sofrologia. “A primeira vez que percebi que estava a resultar foi quando, perante um problema, o meu corpo não reagiu como acontecia antes. E, como o turbilhão mental não encontrou resposta no corpo, desapareceu”.

Algo semelhante sucedeu a Carla Vaqueiro: “Fiz tudo o que havia para fazer de cursos de desenvolvimento pessoal, como coaching e Programação Neurolinguística, mas a minha mente era um balão gigante de objetivos que me deixava ansiosa. Era como se a minha vida estivesse a ser conduzida apenas pela mente. Com a sofrologia, comecei a perceber que os pensamentos vão e vêm e são só isso, criei um equilíbrio e estabilidade e, quando assim é, não há objetivos que nos façam correr excessivamente. O coração já não bate mais forte e as mãos não começam a suar, como acontecia quando me sentia ansiosa anteriormente”.

A versão original deste artigo foi publicada na revista Saber Viver nº 253, julho de 2021.
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